Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996.

 

A Imagem como Recurso Pedagógico em Portugal
Sécs. XVI a XX

Garrett, Castilho e José Félix Henriques Nogueira


Por volta de 1829, num período conturbado da vida política portuguesa, marcado pelas lutas entre liberais e absolutistas e durante o período de exílio em Inglaterra,
Almeida Garrett publica o tratado Da Educação - Cartas dirigidas a uma senhora ilustre, encarregada da instituição de uma jovem princesa[1]. Ao referir-se ao ensino em Portugal e aos métodos de ensino infantil, Garrett confessa o seu pouco apreço pelos métodos de ensino ultimamente prevalecentes na Europa e tão recomendados por Madame de Genlis; mas, a certa altura, chama a importância para o recurso à imagem como meio de ensinar zoologia e botânica às crianças:

 / 104 / «Não sou grande apaixonado de um método de ensino que ultimamente tem prevalecido na Europa e que tanto recomendou Madame de Genlis - falo do ensino primário por meio de brincos e bonitos. Digo que não sou apaixonado do excesso a que se tem levado, porque, usado com moderação e prudência, pode ter bons resultados (...) Há uns jogos para fazer conhecer e ligar as letras e as sílabas, folgando; outros, para a cronologia, etc. Com iguais brincos em estampas se deve ir ensinando a zoologia e a botânica vulgares, sem mais ideia de classes, géneros ou espécies que a de lhe ir fazendo notar os pontos de semelhança mais salientes entre animal e animal, entre flor e flor.»

Verificamos pelo excerto transcrito de Garrett que, por esta altura, está já difundido na Europa um sistema de ensino em que a imagem ocupa um papel importante como recurso educativo. E embora ele próprio comece por afirmar não ser um «grande apaixonado» por este método de ensino, não significa que o condene, pois considera-o até mesmo vantajoso. O que ele não aceita são os exageros a que este método tem levado, dando a entender que o mesmo poderá conduzir a bons resultados se for utilizado com moderação e prudência. No fundo, Garrett chama a atenção para um ponto fundamental, parecendo mesmo confir­mar as afirmações por nós efectuadas num capítulo anterior, quando chamámos a atenção para os aspectos negativos de uma tecnologia audiovisual: todo o exagero e utilização sistemática da mesma metodologia acabará por ter efeitos negativos. Quando «usados com moderação e prudência», o mesmo será dizer, de acordo com objectivos bem definidos e introduzidos oportunamente, poderão «ter bons resultados». E dá a entender que para cada objectivo deverá ser utilizado o meio mais adequado: «há uns jogos para fazer conhecer e ligar as letras e as sílabas, folgando; outros para a cronologia, etc.» E sugere o que se deverá fazer, recorrendo às imagens, para o ensino da zoologia e da botânica.


Em 1850, é publicado em Portugal um livro para iniciação da leitura, intitulado Leitura Repentina, que deverá ter sido inspirado no método de Froebel, em que o jogo e as imagens desempenham um papel importante. Da autoria de
Castilho e por ele considerado como o «mais aprazível, mais eficaz de quantos existem em Portugal, na Europa e no Mundo, para o ensino de ler e escrever», é uma adaptação do método de Lemare. Tal como refere Filipe Rocha, Castilho pretendia «dar à escola vida, alegria, movimento, variedade», preconizando «a introdução de marchas, divertimentos (jogos infantis destinados à aprendizagem do alfabeto), canto (que considera elemento educativo essencial) e desenho de objectos a aprender pela criança[2]». E com o recurso às imagens, pretendia-se que as crianças estabelecessem associações mentais entre os objectos representados e os sons, facilitando deste modo a aprendizagem.


 / 105 / José Félix Henriques Nogueira (1825-1858) redige, em 1851, os Estudos sobre a Reforma em Portugal, onde, além de defender a escolarização generaliza­da a toda a população e não apenas às classes mais privilegiadas, sugere a criação de escolas em várias povoações, combatendo assim «a prática obscurantista e meticulosa, do nosso e dos velhos tempos», que «tem deixado jazer e definhar na mais completa ignorância». E acrescenta:

«Criem-se em cada uma das nossas povoações escolas-locais, em que se acolham, ensinem, moralizem, corrijam e sustentem, durante o dia, as crianças dos dois sexos, sob a direcção de mestras, mães de família. Aí a instrução deve restringir-se aos elementos de leitura, escrita e numeração. Estudos simplesmente intuitivos de objectos da natureza e da arte, mostrados em galerias coloridas, e pequenos trabalhos rurais e artísticos completariam o ensino.»

Além de alargar o ensino aos dois sexos e de pretender abranger toda a população, verificamos que o autor advoga um ensino simples e intuitivo, limitado ao fundamental - ler, escrever e contar - e apoiado no recurso a galerias[3] coloridas, isto é, a imagens coloridas representando objectos naturais e artísticos, desempenhando um contributo de natureza visual.


Vimos que, em todos os casos referidos, desde o século XVI até ao século XIX, o recurso educativo à imagem não constitui um fenómeno do nosso século, tendo sempre desempenhado, em Portugal, um papel pedagógico mais ou menos acentuado, funcionando ora como complemen­to, ora como meio de acesso ao conhecimento dos objectos, na impossibilidade da sua directa apresentação. Depois deste período, com o aparecimento da fotografia e do cinema, pudemos verificar, pelo exposto em capítulos anteriores, que novos recursos vieram apoiar a actividade dos professores, inserindo-se no processo de ensino-aprendizagem.



[1] - Almeida GARRETT, Tratado de Educação, in "Obras Completas" II, Empresa de História de Portugal, Lisboa, 1904, p. 302.

Vd. Filipe ROCHA, Fins e objectivos do sistema escolar português, Col. Ciências da Educação e Desenvolvimento Humano, Aveiro, Paisagem Editora, 1984, vol. I (Período de 1820 a 1926), p. 47.

[2] - Vd. Filipe ROCHA, op. cit., pp. 47-48.

[3] - Além do sentido corrente de 'corredor largo e extenso', o vocábulo galeria pode designar, entre outras coisas, 'objectos expostos', 'quadros ou retratos', etc. No caso concreto do texto e atendendo à época e ao contexto, o autor deverá querer referir-se a colecções de imagens para fins educativos.

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