Conceito literário
Numa perspectiva literária, o conceito de
imagem é polissémico, variando significativamente de autor para
autor. A imagem pode significar, por exemplo, «um sintagma que suscite no leitor uma representação sensorial, podendo
classificar-se e caracterizar-se as imagens segundo os órgãos sensoriais
a que se reportam (visuais, auditivas, térmicas, sinestésicas, etc.).»[1]
Mas imagem apresenta também um significado retórico-formal,
designando /
17 /
as chamadas figuras de palavras ou de retórica (tropos), isto
é, as figuras de linguagem que modificam o sentido normal das palavras
baseando-se numa relação de analogia ou semelhança. No entanto, dar
uma definição única de imagem, no campo da retórica, é extremamente
difícil, pois varia consideravelmente de autor para autor, sendo muitas
vezes associada ao conceito de metáfora e, não menos vezes, considerada
como uma etapa intermédia no seu grau de complexidade entre a comparação
e a metáfora. A imagem literária,
cuja elevada importância na constituição do discurso poético é
reconhecida desde
Aristóteles, resulta, como refere Aguiar e Silva, «de
uma exigência particular de expressividade, da necessidade cognoscitiva
de exprimir um predicado de uma realidade através da mediação de uma
segunda realidade, pois o escritor sabe, ou pressente, que não pode
traduzir aquele predicado
através do mero nome que na linguagem normal literalmente o significa.»
Conceito cultural e sociológico
Do ponto de vista cultural e sociológico, a
imagem
, como refere
Michel Tardy
[2],
caracteriza-se pela sua precaridade. Apesar de «no
domínio técnico e científico, fotografia, cinema, televisão darem
lugar a aplicações espantosas», obrigando a que se lhes consagre um
capítulo importante na história das técnicas, pois são meios técnicos
insubstituíveis, do ponto de vista cultural a imagem está longe de ter
conseguido uma posição que lhe é devida. Perante esta constatação,
Tardy procura descobrir «as origens
da resistência cultural à imagem técnica.»
Uma das causas dessa
resistência consiste no «lugar
vergonhoso reservado à imagem mental nos grandes sistemas metafísicos»,
uma vez que «a imagem mental foi
durante longo tempo sentida como um escândalo ontológico e a imaginação
nunca deixou de estar exposta às perseguições das antropologias
departamentais (...). A família
das imagens, mentais ou técnicas, é condenada pela inteligência. Há um
condicionamento cultural que faz com que o processo secular da imagem
mental tenha repercussões sobre a imagem técnica.»
Relativamente à famosa
afirmação de certos pedagogos pouco ou nada adeptos do recurso à
utilização dos meios audiovisuais, especialmente o cinema e a televisão,
e que afirmam que as imagens levam o espectador à passividade, Michel
Tardy considera que esta ideia tem as suas origens nas teorias da imagem
mental, que fazem desta «um ser
pobre, fosco e inerte». Este conceito negativo da imagem mental
parece encontrar uma confirmação científica em experiências filmológicas
efectuadas nos anos 60[3],
que revelam que «as mensagens verbais põem em jogo, /
18 /
no leitor ou interlocutor, o sistema cérebro-espinal, ao passo que as mensagens visuais apenas mobilizariam,
no espectador, o sistema neuro-vegetativo.» A imagem faria despoletar
«de maneira vulcânica, os
mecanismos mais arcaicos, mas também os mais elementares do ser humano.»
Michel Tardy alude a
diversas experiências realizadas nos anos 60 acerca do papel e importância
da imagem na televisão, procurando descobrir outras razões que expliquem
o reduzido valor cultural que é geralmente atribuído a todas as formas
de comunicação moderna que têm por base o recurso à imagem, entre as
quais os recursos televisivos.
Sintetizando alguns
aspectos que, segundo Tardy,
têm contribuído para uma desvalorização cultural da imagem: «a
imagem aparece como um luxo duplamente condenável», tanto mais que o
cinema e a televisão desencadeiam e desenvolvem «faculdades
de luxo», como sejam a evasão e a imaginação; «a imagem é sempre um produto da técnica, mesmo das mais elementares»,
pelo que «a resistência cultural
à imagem toma a forma duma resistência à máquina.»
Mais adiante, no capítulo
em que Michel Tardy procura como que aplicar um procedimento psicanalítico
para descobrir as causas profundas que têm relegado a imagem para um
plano cultural secundário, Tardy refere a campanha «anti-imagem»
iniciada em 1964 por um professor francês - George Gusdorf - contra a
imagem futurista de uma universidade tecnicizada, com um ensino
integralmente baseado em meios audiovisuais e máquinas de ensinar, em que
o professor teria um papel reduzido: «Pode-se objectar que a ideia de um ensino de homem para homem representa
uma sobrevivência caduca, num tempo em que a aplicação dos meios
audiovisuais permite multiplicar indefinidamente o alcance do gesto e da
voz. Um só homem pôde gravar em pouco tempo a litania radiofónica do
relógio falante, a qual constitui doravante autoridade para o conjunto do
território francês e sem limite de duração. Igualmente, alguns
professores judiciosamente escolhidos poderiam pôr definitivamente em
funcionamento um ensino radiotelevisivo, que poderia ser repetido até ao
fim dos tempos a todos os estudantes presentes e futuros. A Universidade
de Paris ficaria transformado num Prisunic cultural de cem mil lugares,
onde os beneficiários do tele-ensino empanturrariam o cérebro, e
poderiam em seguida controlar com um gravador de som a recitação
correcta da lição. O corpo docente, tendo cumprido a sua função,
desapareceria como a abelha macho após a fecundação; alguns agentes técnicos
com uma honesta competência electrónica bastariam para garantir em
excelentes condições de rentabilidade o funcionamento do sistema[4].»
A depreciação cultural
da imagem foi acentuada durante os anos 50 pelas narrativas de ficção
científica, entre as quais se conta Fahreneit
451[5],
aproveitada pelo cinema, em que o homem se vê rodeado e manipulado na sua
vontade por imagens televisivas, tornando-se o livro um objecto proibido e
cabendo às corporações de bombeiros detectar e destruir pelo fogo
as /
19 /
poucas bibliotecas particulares ainda existentes, mantidas
secretamente, e que constituem motivo de delito e punição.
Tal como é posto em
evidência por Harold ROSENBERG[6]
e outros autores, entre os quais Edgar Morin[7]
e o autor que temos vindo a citar, «os
meios de comunicação de massa fizeram vir ao de cima o conceito
tradicional de cultura[8]»,
tendo todas as formas modernas de comunicação que se servem da imagem
sido relegadas para um nível inferior, ficando o cinema, a televisão, a
banda desenhada e outros meios à base da imagem como que rotulados como
uma forma de cultura "baixa", "medíocre",
"inferior" e outros qualificativos de idêntico valor semântico.
Este conceito negativo
começou a ser erradicado e a imagem a ser devidamente valorizada
essencialmente a partir da década de 1970, com trabalhos hoje
considerados "clássicos" no domínio da comunicação
audiovisual. E, a partir dos finais desta década, perante o enorme
potencial da «escola paralela», entre a qual se encontram os modernos
meios de comunicação em que a imagem assume um papel importante, a
UNESCO (1979) propõe o conceito de «educação
para os media» como «o conjunto dos modos de estudar, aprender e ensinar
a todos os níveis (...) e em todas as circunstâncias, a história, a
criação, o uso e a avaliação dos media encarados enquanto artes práticas
e enquanto técnicas, bem como o lugar que ocupam na sociedade, o seu
impacto social, as implicações da comunicação mediatizada, a participação,
a modificação da percepção que originam, o papel do trabalho criador e
o acesso a esses mesmos media[9].»
O
desenvolvimento dos meios informáticos e o aparecimento de novos sistemas
de tipo multimédia, em finais da década de 1990, e a actual situação
dos mass-media, que reduziram o
planeta a uma imensa aldeia global, permitem supor que o aspecto cultural
negativo da imagem terá, se não desaparecido por completo, pelo menos
começado a diluir-se e que a posição negativa dos pedagogos, referida
no trabalho citado de Michel Tardy, terá sido totalmente erradicada,
permitindo que os modernos recursos tecnológicos, que se servem
essencialmente da imagem, constituam um recurso educativo utilizado pelos
docentes.
[1]
- Veja-se o verbete de V. M. AGUIAR E SILVA sobre o conceito de imagem
na Enciclopédia Luso-Brasileira
de Cultura, Editorial Verbo, Lisboa, vol. X,
cols. 958-960.
[2]
- Michel TARDY, Le professeur et les images, P. U. F., 1973, p. 10.
[3]
- Entre essas experiências encontra-se o trabalho de Gilbert COHEN-SÉAT
e Pierre FOUGEYROLLAS, L'action sur l'homme: cinéma et télévision, Ed. Denoël, 1961,
pp. 26-40.
[4]
- Georges GUSDORF, L'université en question, Payot, 1964, p. 182, apud Michel TARDY,
op. cit., pp. 14-15.
[5]
- Ray BRADBURY, Fahreneit 451, Denoël, 1955.
[6]
- Harold ROSENBERG, Popular culture and kitsch-criticism, Dissent, Winter, 1958.
[7]
- Edgar MORIN, L'esprit du temps,
Grasset, 1962, pp. 14-19.
[8]
- M. Tardy, op. cit., p. 17.
|