Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996.

Conceitos literário, cultural e sociológico

Conceito literário

Numa perspectiva literária, o conceito de imagem é polissémico, variando significativamente de autor para autor. A imagem pode significar, por exemplo, «um sintagma que suscite no leitor uma representação sensorial, podendo classificar-se e caracterizar-se as imagens segundo os órgãos sensoriais a que se reportam (visuais, auditivas, térmicas, sinestésicas, etc.).»[1]  Mas imagem apresenta também um significado retórico-formal, designando / 17 / as chamadas figuras de palavras ou de retórica (tropos), isto é, as figuras de linguagem que modificam o sentido normal das palavras baseando-se numa relação de analogia ou semelhan­ça. No entanto, dar uma definição única de imagem, no campo da retórica, é extremamente difícil, pois varia consideravelmente de autor para autor, sendo muitas vezes associada ao conceito de metáfora e, não menos vezes, considerada como uma etapa intermédia no seu grau de complexidade entre a comparação e a metáfora.  A imagem literária, cuja elevada importância na constituição do discurso poético é reconhecida desde Aristóteles, resulta, como refere Aguiar e Silva, «de uma exigência particular de expressividade, da necessidade cognoscitiva de exprimir um predicado de uma realidade através da mediação de uma segunda realidade, pois o escritor sabe, ou pressente, que não pode traduzir  aquele predicado através do mero nome que na linguagem normal literalmente o significa.»

 

Conceito cultural e sociológico

Do ponto de vista cultural e sociológico, a imagem , como refere Michel Tardy [2], caracteriza-se pela sua precaridade. Apesar de «no domínio técnico e científico, fotografia, cinema, televisão darem lugar a aplicações espantosas», obrigando a que se lhes consagre um capítulo importante na história das técnicas, pois são meios técnicos insubstituíveis, do ponto de vista cultural a imagem está longe de ter conseguido uma posição que lhe é devida. Perante esta constatação, Tardy procura descobrir «as origens da resistência cultural à imagem técnica

Uma das causas dessa resistência consiste no «lugar vergonhoso reservado à imagem mental nos grandes sistemas metafísicos», uma vez que «a imagem mental foi durante longo tempo sentida como um escândalo ontológico e a imaginação nunca deixou de estar exposta às perseguições das antropologias departamentais (...). A família das imagens, mentais ou técnicas, é condenada pela inteligência. Há um condicionamento cultural que faz com que o processo secular da imagem mental tenha repercussões sobre a imagem técnica

Relativamente à famosa afirmação de certos pedagogos pouco ou nada adeptos do recurso à utilização dos meios audiovisuais, especialmente o cinema e a televisão, e que afirmam que as imagens levam o espectador à passividade, Michel Tardy considera que esta ideia tem as suas origens nas teorias da imagem mental, que fazem desta «um ser pobre, fosco e inerte». Este conceito negativo da imagem mental parece encontrar uma confirmação científica em experiências filmológicas efectuadas nos anos 60[3], que revelam que «as mensagens verbais põem em jogo, / 18 / no leitor ou interlocutor, o sistema cérebro-espinal, ao passo que as mensagens visuais apenas mobilizariam, no espectador, o sistema neuro-vegetativo.» A imagem faria despoletar «de maneira vulcânica, os mecanismos mais arcaicos, mas também os mais elementares do ser humano.»

Michel Tardy alude a diversas experiências realizadas nos anos 60 acerca do papel e importância da imagem na televisão, procurando descobrir outras razões que expliquem o reduzido valor cultural que é geralmente atribuído a todas as formas de comunicação moderna que têm por base o recurso à imagem, entre as quais os recursos televisivos.

Sintetizando alguns aspectos que, segundo Tardy, têm contribuído para uma desvalorização cultural da imagem: «a imagem aparece como um luxo duplamente condenável», tanto mais que o cinema e a televisão desencadeiam e desenvolvem «faculdades de luxo», como sejam a evasão e a imaginação; «a imagem é sempre um produto da técnica, mesmo das mais elementares», pelo que «a resistência cultural à imagem toma a forma duma resistência à máquina

Mais adiante, no capítulo em que Michel Tardy procura como que aplicar um procedimento psicanalítico para descobrir as causas profundas que têm relegado a imagem para um plano cultural secundário, Tardy refere a campanha «anti-imagem» iniciada em 1964 por um professor francês - George Gusdorf - contra a imagem futurista de uma universidade tecnicizada, com um ensino integralmente baseado em meios audiovisuais e máquinas de ensinar, em que o professor teria um papel reduzido: «Pode-se objectar que a ideia de um ensino de homem para homem representa uma sobrevivência caduca, num tempo em que a aplicação dos meios audiovisuais permite multiplicar indefinidamente o alcance do gesto e da voz. Um só homem pôde gravar em pouco tempo a litania radiofónica do relógio falante, a qual constitui doravante autoridade para o conjunto do território francês e sem limite de duração. Igualmente, alguns professores judiciosamente escolhidos poderiam pôr definitivamente em funcionamento um ensino radiotelevisivo, que poderia ser repetido até ao fim dos tempos a todos os estudantes presentes e futuros. A Universidade de Paris ficaria transformado num Prisunic cultural de cem mil lugares, onde os beneficiários do tele-ensino empanturrariam o cérebro, e poderiam em seguida controlar com um gravador de som a recitação correcta da lição. O corpo docente, tendo cumprido a sua função, desapareceria como a abelha macho após a fecundação; alguns agentes técnicos com uma honesta competência electrónica bastariam para garantir em excelentes condições de rentabilidade o funcionamento do sistema[4]

A depreciação cultural da imagem foi acentuada durante os anos 50 pelas narrativas de ficção científica, entre as quais se conta Fahreneit 451[5], aproveitada pelo cinema, em que o homem se vê rodeado e manipulado na sua vontade por imagens televisivas, tornando-se o livro um objecto proibido e cabendo às corporações de bombeiros detectar e destruir pelo fogo as / 19 / poucas bibliotecas particulares ainda existentes, mantidas secretamente, e que constituem motivo de delito e punição.

Tal como é posto em evidência por Harold ROSENBERG[6] e outros autores, entre os quais Edgar Morin[7] e o autor que temos vindo a citar, «os meios de comunicação de massa fizeram vir ao de cima o conceito tradicional de cultura[8]», tendo todas as formas modernas de comunicação que se servem da imagem sido relegadas para um nível inferior, ficando o cinema, a televisão, a banda desenhada e outros meios à base da imagem como que rotulados como uma forma de cultura "baixa", "medíocre", "inferior" e outros qualificativos de idêntico valor semântico.

Este conceito negativo começou a ser erradicado e a imagem a ser devidamente valorizada essencialmente a partir da década de 1970, com trabalhos hoje considerados "clássicos" no domínio da comunicação audiovisual. E, a partir dos finais desta década, perante o enorme potencial da «escola paralela», entre a qual se encontram os modernos meios de comunicação em que a imagem assume um papel importante, a UNESCO (1979) propõe o conceito de «educação para os media» como «o conjunto dos modos de estudar, aprender e ensinar a todos os níveis (...) e em todas as circunstâncias, a história, a criação, o uso e a avaliação dos media encarados enquanto artes práticas e enquanto técnicas, bem como o lugar que ocupam na sociedade, o seu impacto social, as implicações da comunicação mediatizada, a participação, a modificação da percepção que originam, o papel do trabalho criador e o acesso a esses mesmos media[9]

O desenvolvimento dos meios informáticos e o aparecimento de novos sistemas de tipo multimédia, em finais da década de 1990, e a actual situação dos mass-media, que reduziram o planeta a uma imensa aldeia global, permitem supor que o aspecto cultural negativo da imagem terá, se não desaparecido por completo, pelo menos começado a diluir-se e que a posição negativa dos pedagogos, referida no trabalho citado de Michel Tardy, terá sido totalmente erradicada, permitindo que os modernos recursos tecnológicos, que se servem essencialmente da imagem, constituam um recurso educativo utilizado pelos docentes.



[1] - Veja-se o verbete de V. M. AGUIAR E SILVA sobre o conceito de imagem na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Editorial Verbo, Lisboa, vol. X, cols. 958-960.

[2] - Michel TARDY, Le professeur et les images, P. U. F., 1973, p. 10.

[3] - Entre essas experiências encontra-se o trabalho de Gilbert COHEN-SÉAT e Pierre FOUGEYROLLAS, L'action sur l'homme: cinéma et télévision, Ed. Denoël, 1961, pp. 26-40.

[4] - Georges GUSDORF, L'université en question, Payot, 1964, p. 182, apud Michel TARDY, op. cit., pp. 14-15.

[5] - Ray BRADBURY, Fahreneit 451, Denoël, 1955.

[6] - Harold ROSENBERG, Popular culture and kitsch-criticism, Dissent, Winter, 1958.

[7] - Edgar MORIN, L'esprit du temps, Grasset, 1962, pp. 14-19.

[8] - M. Tardy, op. cit., p. 17.

[9] - UNESCO, 1981.

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