Sentado nos degraus da entrada do meu
alojamento, fico absorto por momentos e por fim olho em frente.
Depois do arame farpado, símbolo de guerra aqui, vejo a Sanzala.
Não é a Sanzala idealizada por nós quando crianças mas sim uma
enciclopédia do que há de mais absurdo no século XX.
Esta é apenas um átomo do grande composto que forma a miséria.
O caldeirão do leite e a distribuição
Não, isto que vêm aqui, feito de barro amassado e coberto de capim quase
podre, com paredes esburacadas e portas desconjuntadas (quando existem),
não são currais para ratos, abrigos feitos por macacos ou casas de
criação de aranhas, mas sim lares de vidas humanas.
Pessoas que viveram como animais, embrenhados na mata e que pela ação
das nossas tropas, foram aqui aglomerados.
As lavras de mandioca, os frutos bravios e as larvas apanhadas nos
troncos e folhas das árvores, não chegam para saciar a fome a uma
minoria. Aqueles que quiseram ser guiados por algumas das boas mãos
brancas, vão ganhando para a fuba e melhores vestes.
Todos se colam uns aos outros para diminuírem a distância que os separa
do caldeirão.
Magros, rotos e de lata na mão, aparecem junto à porta da enfermaria,
onde fazemos a distribuição de restos de comida que nós não quisemos e
do leite que nós preparamos propositadamente num enorme caldeirão para
lhes dar.
Eu assisto todos os dias para ordenar as filas, mulheres e idosos de um
lado e as crianças do outro.
Mas é um pouco difícil: pois todos se colam uns aos outros para
diminuírem a distância que os separa do caldeirão.
A comida é pouca para tanta gente e primeiro são servidos aqueles que
trabalharam no quartel.
Quando a comida está a acabar, é triste ouvir:
– Cardoso, tenho fome;
quero sopa. Ou ainda: – Cardoso «jane sopa tenho cafeco».
Quase não sei para onde me virar.
A Cachimbi, de quatro anos, irmã da minha lavadeira, leva sempre algo
para comer, porque é minha amiga e dá-me um beijinho. A Arminda de seis
anos leva também, porque não tem ninguém da família e o seu corpito
magro precisa de ser alimentado. E a Senta, de um ano, com uns olhos tão
grandes e tão bonita, que ao colo da mãe sorri para mim e me estende os
bracitos quando me aproximo, também leva o seu quinhão. Muitas vezes
pego-lhe ao colo durante a distribuição; e depois vou eu próprio com a
sua pequena tigela buscar um pouco de sopa. Fica muito contente e quase
não me quer largar para ir para a mãe.
Quando a comida acaba é com tristeza que digo.
– «Tunda vá», já não há
mais.
A minha amiga Senta. |