Aqui,
um simples ponto na imensa vastidão de matas é o cenário constante de um
punhado de homens em movimento que, como átomos, gravitam ritmicamente,
tendo como fulcro de atracção o simples ponto chamado MUIÉ.
Dois montes. Entre estes, um vale
serpenteado por um pequeno riacho. Entre este e um dos montes, um
pequeno aglomerado de eucaliptos, abrigando umas quantas casas rústicas,
algumas construídas a preceito no passado e as outras, como Kimbos,
são construídas precariamente pela tropa que vai passando.
Todas elas fazem um aglomerado circundado
por uma vedação de arame farpado a que chamamos Quartel. Dentro,
existem três boas casas. Uma delas é utilizada pelo Capitão e
oficiais, tendo também a sala de comando, a messe dos Oficiais e a
messe dos Sargentos. Outra casa é utilizada pelo Administrador do
Posto e chefe dos Milícias, sendo a restante reservada ao alojamento
dos Furriéis. |
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Ao fundo da picada, o aquartelamento
protegido pela
frescura dos eucaliptos. |
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Cabos e Soldados ocupam camaratas em
pavilhões que teriam sido construídos para o efeito.
Fora do arame farpado existem, a oeste do
quartel, duas casas mais humildes, ocupadas pelo comerciante branco e
pelo comerciante local. O comerciante branco possui também uma boa
manada de gado bovino que se vai alimentando nas pastagens próximas.
A cerca de um quilómetro para Este, existem
as ruínas do que fora antes uma missão de padres. Entre estas ruínas e o
quartel existe um enorme pomar de laranjeiras.
Depois da picada e em frente ao quartel
existe uma casa ocupada por um agente da PIDE/DGE, que entretanto saiu e
nunca mais voltou, sendo mais tarde ocupada pelo professor primário e
esposa. É nesta zona também que se encontra a escola primária.
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O rio Muié |
Crianças a brincar no rio |
Dezenas de cubatas albergando centenas de
corpos seminus, com tradições e costumes diferentes dos nossos.
Sucede-se depois a pista, que recebe todas
as Quartas e Domingos o avião dos frescos e do correio. Todos gostamos
do dia do avião. É o dia que nos faz contactar um pouco com o exterior,
trazendo-nos notícias e novidades da nossa terra.
O avião dos frescos e do correio
Depois da pista aparece-nos o riacho, de
onde tiramos a água para todas as necessidades.
Toda esta zona tem um habitante por três
quilómetros quadrados; muito pouco povoada. No entanto, esta Sanzala da
tribo Luchase já foi ocupada por cerca de cinco mil pessoas, tendo
somente agora cerca de três mil.
A Este do quartel, antes de rebentar a
guerra (1962), existia a missão, cujos padres ajudavam a população não
somente no aspecto espiritual mas também na alfabetização.
É bastante curioso haver nesta pequena tribo
uma Bíblia traduzida em dialeto Luchase, encontrando-se também alguns
elementos a saber ler, escrever e a falar Inglês, (nós temos na
companhia alguns soldados sem a instrução primária...).
Entre as ruínas da missão e o quartel,
estende-se o tal pomar de laranjeiras. Existente desde antes do
conflito, foi aumentado por todas as companhias que por aqui foram
passando. Nós também plantámos algumas.
Seria um bonito local para férias, mas
somente em tempo de paz. Assim, até parece aos nossos olhos muito feio.
Mata, montes, areia, capim, trilhos feitos
por muitas passadas e picadas feitas pelo vai-e-vem das viaturas.
Zona de infiltração do terrorismo, terra
operacional.
Rendemos o “Às de Espadas”, Batalhão de
Cavalaria, famoso pelo dever cumprido. Nós tentaremos igualá-lo ou mesmo
superá-lo.
Eles pagaram caro. Além de algumas baixas, a
companhia do Muié perdeu o seu Capitão, depois de forte flagelação
inimiga. O mau, assim designávamos os elementos terroristas,
responsável pela sua morte, veio mais tarde a ser capturado
por nós, enviado para o comando e executado mais tarde.
Um dia antes da nossa chegada, o “Às de
Espadas” levantou uma mina perto do rio. O próprio mau que a
colocou entregou-se e deu conhecimento da sua localização.
E lá foram eles… – Adeus rapazes! Adeus Ás
de Espadas, boa sorte lá em Catete!
Cá ficou a 3351; também terá que lutar pela
sobrevivência, ajudada pelos Grupos Especiais (GE). Alguns elementos
destes grupos foram guerrilheiros do MPLA. Bons conhecedores do terreno
e dos costumes do inimigo, dão-nos uma bela ajuda.
Cá o Grupo GE é bem comandado, pois Fernando
Dambué, bom chefe e grande guerrilheiro, chegou no dia vinte e seis de
Junho de Luanda, onde foi condecorado com uma Cruz de Guerra pelos
feitos heróicos que praticou.
Furriel Tenreiro, Fernando Dambué e Massaco
Também cá se encontrava um Grupo de
Catangas, comandados por Jean Marie. Este grupo fazia parte de um lote
de cerca de cinco mil existentes em Angola para se treinarem na guerra
de guerrilha e reporem no poder o seu líder Moisés Tchumbé, presidente
do Catanga, que foi deposto em golpe de estado. Não são tão bons como os
GE; mas mesmo assim ajudam alguma coisa.
Catangas e GE não cultivavam amizade; pelo
contrário, havia grande desentendimento entre eles, visto os Catangas
quererem as mulheres locais, que os GE consideravam suas. Tal era a tensão criada entre estes dois
grupos, que surgiam frequentemente grandes desavenças entre eles. |