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Durante o govêrno dêste prelado passou o País por grandes calamidades, entre elas a peste (de que morreo tanta gente, que Pouoaçoens houve, onde não ficaram viuas tres pessoas) . O flagelo da peste repetiu-se em todo o País nos anos de 1420 e 1580. O dêste último ano denominou-se a peste grande, em virtude do mortidnio que causou. Foi instituído então o culto de S. Roque, que no Pôrto teve celebração naquela ermida, (que es dei Patrocinio dei Senado y hase frente a Ia Carçel Episcopal). l Não teria sido o local desta ermida o mesmo daquela em que, anos antes, teriam pontifi-cado os majestáticos bispos portucalenses?
Morto D. Martinho Rodrigues, em Agôsto de 1227, foi breve a Sede-vacante, pois que no mesmo ano aparece eleito D. Julião, a quem a morte arrebata em 1231, sendo seu corpo sepultado no cruzeiro da Sé. Foi êste o primeiro bispo que teve tal jazida. A catedral devia, portanto, considerar-se concluída antes do seu falecimento, isto é, talvez por 1230.
A sua edificação arrastara-se por um longo século. l Seria tempo demasiado? Não foi, se atentarmos nas alternativas da vida do bispado durante êsse período e nos lembrarmos de que, durante o mesmo, se sentaram no faldistório da catedral nada menos de 9 bispos, que houve várias Sede-vacantes e conflitos cabidoais, e que talvez a guerra e as epidemias abatessem braços empenhados na elevação
da' obra. .
Na seguinte prelazia, a de D. Pedro Salvador, rompem as dissenções entre a mitra e a coroa, dis
senções que já se haviam esboçado na vigência do seu antecessor, por esta, reinando então D. Sancho 11, querer rehaver as concessões feitas áquela.
l Por que tal atitude? l Sómente pelo capricho de a desapossar dessas benesses? Talvez que não. Embora os abusos e extorsões praticados pela mitra indisposessem a coroa, uma das principais razões da sua atitude devia de ser também o facto de a mitra, já livre dos encargos das obras da Sé, continuar a usofruir rendimentos cuja finalidade havia desaparecido, quando a coroa carecia dêles para a continuação da conquista do território aos agarenos.
Pelo ano de 1344, um terrível apalo de terra derrubou grande parte da abóbada da Sé de Lisboa. Ou porque êsse sismo tivesse tido seu reflexo na do Pôrto, como o podem deixar prever as brechas, hoje cimentadas, da face meridional da sua tôrre do Sul e o torcimento dos arcos da sua nave setentrional, ou porque êsses desaprumos e destorções se devam a defeito de construção, deve datar desta época o prolongamento dos contrafortes das paredes das naves laterais, à guisa de botaréus do incipiente estilo ogival, donde emergem os pesados arcabotantes que apenas, sem travamento, se encostam às paredes da nave central.
Entre os anos de 1385 e 1386, sob a égide do bispo D. João, o 3.° de nome, erguera-se o chamado claustro gótico, de que o p.e Rebelo da Costa nos dá a notícia de, em seu tempo, ter 304 colunas, e para a construção do qual contribuíra a Câmara do Pôrto com mil pedras lavradas, talvez em retribui'ção das 3.000 libras de prata com que o venerando e pa


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triótico bispo ajudara a arma_a que daqui fôra em socorro do Mestre de A vis. Este claustro que, para encostar à parede meridional da igreja, teve de se enxertar na base dos contrafortes, apenas hoje possúi 292 colunas. Oito foram-lhe suprimidas no século XVIII, quando derrubaram os dois trigiminados centrais da ala norte, para lhe darem duas amplas passagens para a sua quadra funerária. Do logar que poderiam ocupar as outras 4 colunas que faltam, não há indfcios; o que leva a crer que Rebêlo da Costa se enganara na contagem, pois que, mesmo anteriormente a 1741, o claustro não teria mais de 302. Não lhe tinham então ainda sido suprimidas as duas dos feixes que ladeiam a entrada para a escadaria do pavimento superior.
Por ser a mais vetusta obra de estilo ogival portuense, demos-lhe o preito da nossa admiração. Todavia, não podemos deixar de notar a desproporção geométrica que há entre os seus elementos, a irregularidade métrica de sua construção, a excessiva pobreza decorativa, que mais a faz parecer obra de alvanel feita ao acaso, do que traça de mestre preconcebida. Porém... tormentoso era o momento polftico da época e o Pais atravessava uma das suas mais graves crises económicas. D. Fernando havia restituído à mitra portuense as concessões que seus antecessores lhe haviam retirado; mas talvez que o prelado, esforçando-se por
bem servir a Pátria e a Igreja, nem mais nem melhor pudesse realizar.
Em fins de 1567, diz-nos o beneditino Novais que o bispo de então, D. Rodrigo Pinheiro (começo
Ia fabrica dei cruzero de nuestra Iglesia de o Porto, hasiendola de bobada, que antes estaua de Artezonado a lo Mosayco de Madera, y, por su antigualla, deslustrado y Carufioso...). Em rigor, foi talvez êste mitrado quem concluiu a edificação da Sé.
Pelo falecimento de D. Rodrigo Pinheiro, em 1572, sentou-se na cátedra prelaticia, no ano seguinte, o grande letrado D. Aires da Silva, que fôra reitor na Universidade de Cofmbra, para, além de a ilustrar e engrandecer com suas nobres virtudes, a honrar também como excelso português que, ao lado de seu rei, soube morrer em Alcácer-Kibir, batalhando pela Fé e pela Pátria.
De 1602 a 1617 o bispo D. Gonçalo de Morais, um beneditino ilustrado, de espírito irrequieto e re-formador, achando acanhadas a capela-mor e a sacristia, fá-Ias substituir pelas actuais. Lamentando o desaparecimento daquêles, por certo, interessantíssimos padrões do inicio da vida' portuguesa, não podemos deixar de reconhecer também que a obra
realizada por êste prelado foi deveras grandiosa. São dignos da nossa admiração o majestoso retábulo com suas belas colunas espiraladas, verdadeira maravilha de escultura e de proporção arquitectónica; o pavimento feito em mármores; a grade e a estante de bronze; o cadeiral que pertenceu a êste recinto e que, actualmente, se encontra na chamada capela de S. Vicente, no Claustro gótico, e a grandiosa sacristia com decoração da Renascença italiana, que é uma das dependências onde os mármores, o ouro e a pintura constituem uma harmonia policrómica invulgar.


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D. Gonçalo de Morais selou a sua obra com o seu brasão no arco triunfal do templo.
Parece que um conflito com o cabido, que, fe-lizmente, estorvou que o audacioso e magnificente bispo derrubasse por completo a catedral, para a substituir por novo templo a seu talante, fez que seu auxílio se volvesse para os beneditinos que, na área outrora ocupada pela judiaria, a par dos campos do Olival, estavam levantando a igreja de seu mosteiro.
A alpendrada setentrional da Sé é construção do bispo D. João de Sousa e muito possivelmente do ano de 1502, data em que êste prelado conseguiu rehaver de D. Manuel I aquelas 3.000 libras de prata que um seu antecessor emprestara. ao Mestre de Avis. No século XVIII, quando a diabólica fúria de renovação invadiu a Casa de Santa Maria Maior, foi-lhe apeado o escudo prelatfcio e profanadas as suas linhas clássicas com enxertos rococó, todavia de fácil destrinça.
Foi a Sede-vacante de 1717 a 1741 que, muito peor que um terramoto, destruiu, arrazou e subverteu tudo aquilo que de belo e primitivo ainda existia àquela data, tanto no interior como no exterior do templo. l Por malvadez? Não. Pelo desejo paradoxal de fazer obra mais bela! Assim, entrando o camartelo e a picareta em acção, se transformaram frestas em inestéticos janelões, se recobriram de madeira e argamassa colunas, capitéis, tectos e paredes, e se construíram incaracterísticos altares de entalha da época, tudo num amontoado dispar e desgracioso.
No exterior, o pórtico de arquivoltas e colunas reentrantes fôra arrancado do maciço silharento que constituía o corpo central e ameado do edifício, para em seu logar ser colocado um frívolo portal rococó, encimado por um nic,ho do orago ladeado de alam-bicadas e seráficas estatuetas. Quem se detiver um momer:lto diante desta fachada, poderá ver ainda, sem dificuldade, na silharia que ladeia a entrada, uns cortes curvilinios, que bem deliniam a trajectória do arco do primitivo pórtico, e que são como que os vestígios daquêle nefando crime de lesa-Arte. Por fim, nas tôrres 4: fortissimas y bien Maçossadas), apearam-lhe as ameias, guarnecendo-as dum trivial varandim de balaústes que enquadra o encabeçamento de pesadas intumecências cupuliformes. Uma monstruosidade!
Dentro do edifício da Sé há ainda a apreciar o valioso altar de prata, cuja parte principal do retábulo foi executada, entre os anos de 1632 e 1651, pelos cinzeladores Manuel Teixeira, de Lamego, e Bartolomeu Nunes, do Pôrto; o actual cadeiral da capela-morem estilo do século XVIII, mandado ali colocar pelo bispo D. Rafael de Mendonça e o quadro do baptistério, relêvo em bronze da autoria de Teixeira Lopes, pai.
Na Sé do Pôrto casara-se, em 1387, D. João I com D. Felipa de Lencastre; baptizara-se, em 1394, o Infante D. Henrique; e fundara-se, numa capela dum dos seus velhos claustros, em 1494, por determinação de D. Manuel I, a benemérita institui"ção da Misericórdia da mesma cidade.

 

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