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D. João Peculiar transitou para o arcebispado de Braga em 1139, crendo
Pereira de Novais que ele
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foi companheiro de D. Afonso na batalha dos Campos de Ourique. A este prelado sucedeu, na mitra
do Porto, seu sobrinho D. Pedro Rabaldiz, que faleceu em 1145, e a este, no ano seguinte, D. Pedro Pitões. A ambos D.
Afonso presenteia com novos bens. O monarca casa com D. Mafalda neste
mesmo ano. São decorridos 26 anos sobre a data da primeira doação de D.
Teresa, e, pela cadeira episcopal, têm transitado já quatro antístites,
o que indubitavelmente deve ter causado perturbações no governo do
bispado e na sequência das obras da igreja. No entanto, à data de 1146,
é provável que estas se encontrassem relativamente adiantadas, pois
devem pertencer à primeira metade do século XII a capela-mor mandada
derruir pelo bispo D. Gonçalo de Morais e as paredes do transepto do
lado do Sul, onde, exteriormente, ainda vemos as fiadas de pérolas e uma
cruz terminal tão características do estilo da época.
A capela-mor de então, muito mais baixa do que a actual, obedeceria à
mesma traça do absidíolo ainda hoje existente e onde se aloja o altar de
S. Pedro, isto é, seria de planta poligonal, o que a tornaria deveras invulgar na época. Nas suas paredes abrir-se-iam arco-sólios
ou então circunscrevê-la-ia uma charola com capelas, como se depreende
da leitura de alguns documentos quinhentistas. Na parede que sobrepujava
o arco cruzeiro, dada a simplicidade da construção, talvez mais não
houvesse do que a costumada lucerna de forma circular. Os
(Nichos y Capillas) do (Claustro antigo de los Naranjos) (que era aquele
Claustro Velho, a que se
referem antigos manuscritos), devem também ser construção desse período.
Numa citação feita pelo saudoso Dr. J. J. Gonçalves Coelho, na sua
Notre-Dame de Roc-Amadour, aparece uma disposição testamentária de 1283,
extraída do Liv. I dos «Testamentos e Doações» do Arquivo da Colegiada
de Guimarães, em que o portuense Joaquim Domingos Guimarães determina
que seu enterro se faça no claustro da igreja de Santa Maria da
Catedral do Porto e em dada sepultura sob uma das arcadas. Os recentes
trabalhos de restauro vieram confirmar que o (Claustro de los Naranjos)
fora cemitério do primitivo burgo.
Mas, além destas prováveis obras realizadas entre 1120 e 1146, não
teriam os bispos procurado melhorar a sua residência ou fortaleza? E,
sendo assim, não teriam mandado edificar, no decurso desse tempo, aquela
torre do «Castillo y fortaleza de su Iglesia que oy es el mesmo Palacio
Episcopal», onde, em 1341, se refugiou das iras da grei o bispo D. Vasco
Martins, e onde provavelmente, 22 anos depois, D. Pedro I, colérico,
espumando raiva, teria usado de violência corporal contra um dos seus
sucessores?
Fora D. Pedro Pitões quem estabeleceu a regra conventual de Santo
Agostinho na vida dos cónegos da Sé. A necessidade de edifício
apropriado à clausura devia exigir aumento daquele recinto católico. Foi
talvez, ao cuidar dos novos alicerces que «entre Vnas espessissimas
Zarças» apareceu a imagem da Virgem, a que a rainha consagrara verdadeira
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devoção, legando-lhe depois em testamento todas as suas jóias e
indumentária. O possível bem intencionado artifício do hábil prelado
devia ter sortido o necessário efeito. No ano imediato aparece já o nome
de D. Mafalda numa carta de doação do couto e herdade de Loriz. As obras
prosseguiriam, pois. E, desta época, muito provavelmente serão os dois
arcos perlados que sustentam as abóbadas das naves laterais, próximo
do transepto, (pois que os restantes, que devem ser posteriores, são de
moldura simples e desigual, denotando já pobreza de recursos
monetários); o majestoso pórtico principal, semelhante ao da Sé velha de Coimbra, cujos suficientes elementos para sua reconstituição apareceram
soterrados na entrada que o substituíra no século XVIII; e bem assim uma
linda arcatura do românico do último período, com colunelos geminados e
capitéis de folhagem e de historiamento, que os panos de azulejo do
século XVIII, que guarnecem os vãos das paredes do actual Claustro
gótico) tão avaramente escondiam e que o louvável restauro actual pôs a
descoberto.
Esta arcatura, cujos extremos laterais têm travamento com
os contrafortes da igreja, ou deve ser o resto dum velho claustro
– a Crasta ou Clastra segunda, desdobramento do primitivo cemitério, ou então
– quem sabe?
–talvez uma parte das até agora inlocalizadas capelas
desse recinto. Pereira de Novais, ao descrever o Claustro gótico, que fora edificado em 1386 no mesmo lugar da desaparecida
Clastra segunda,
diz-nos: «En este Claustro y en el paño del que se junta a la parede
madre de la Iglesia, està la Capilla de la Encarnacion de la Virgen, cercada de
rexas de hierro»... Indubitavelmente é uma construção posterior à dos
arco-sólios ou capelas do Claustro de los Naranjos, e muito
possivelmente dos fins do século XIII. De época aproximada desta, mas já
dos começos do século XIV, é a chamada Capela de Sant'Iago, de aparente
e indicioso estilo ogival, que Pereira Novais supõe ser construção do
bispo D. João, o terceiro de nome. Nesta encontra-se, sob um arco-sólio,
um túmulo em calcário, em cuja tampa figura um cavaleiro que o citado
cronista diz pertencer à Ordem de S. João de Rodes e presume chamar-se
João Gordo.
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Mas, o templo ficaria concluso em vida de
D. Mafalda? Supomos que não.
D. Mafalda morre em 1158; e aquela linda rosácea que sobrepuja a entrada
e que pertence ao tipo que Mr. Caumont muito apropriadamente classificou
de «roda de carro», se é uma criação da última metade do século XII, a
verdade é que também só teve divulgação no século imediato. Não nos
parece, portanto, crível que tal inovação fosse aqui tão prontamente
conhecida. Ou aquela rosácea foi
antecedida duma ampla janela de arcos reentrantes, idêntica à da Sé
velha de Coimbra, o que também facilmente se não concebe, ou então a
catedral só se concluiu alguns anos depois de iniciado o século XIII.
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O beneditino Novais diz-nos ser notório que o bispo Pitões fizera a
sagração da catedral durante a vida de D. Mafalda «depues que Ia
consagro el Arcebispo de Toledo D. Bemardo de Agen, en el tiempo deI
obispo Don Hugo 2.0; deuib de padecer alguna ruyna b deterioramento, con
que obligo a nuestro obispo Don Pedro Pithoes, a que de nuebo hiziesse
esta funcion, no permaneciendo
en ella algun rasto de Ia Primera consagracion :).
A sagração feita pelo bispo de Toledo foi do templo anterior, daquela
hermida de que nos fala, na Inquirição de D. Afonso III, a testemunha
Martim Joanes. A segunda sagração é aceitável e admissíveI se se circunscreveu, como é de crer, à parte edificada e se efectuou
pela necessidade urgente de transferir os serviços do culto para mais
nobre e desafogado âmbito, tendo-se até, por' tal motivo feito
coberturas ou telhados com armação em madeira. E eis aqui talvez a razão
porque no bispado de D. Rodrigo Pinheiro a cobertura do transepto ainda
(estaua. de Artesonado a lo Mosayco de Madera, y, por su antigualla,
deslustrado y Carufíoso _,
e também o motivo porque corre, na tradição, com relativo fundamento,
que a Sé se concluíra no reinado de D. Mafalda.
Em 1162 aparece eleito o bispo D. Pedro Sénior, que apenas vive até
1170, seguindo-se-Ihe uma Sede-vacante de 6 anos. Sucede-lhe D. Fernão
ou Femando Martins Pais, que desaparece da vida em 1185, poucos meses
antes da morte do glorio_o fundador da nossa Nacionalidade. No ano
seguinte é entregue o báculo a D. Martinho Pires
que, ao fim de 5 anos incompletos, passa a arcebispo de Braga. Na
vigência dêste prelado não sófoi abolida a clausura dos cónegos, como,
por princípio económico, foram suprimidos os 10 arcediagados existentes
e criadas as prebendas e dignidades canónicas usadas na primacial e
metropolitana igreja de Braga: o Deado, o Chantrado, o Mestre-escolado e
o Tesourado, Segue-se-Ihe, em 1191, D. Martinho Rodrigues que, não
concordando com os actos do seu antecessor, a-pesar-de no cabido do seu
tempo ter desempenhado o cargo de Tesoureiro, determinou o regresso à
clausura. Um conflito tremendo surge entre os cónegos e o bispo,
conflito que afinal terminou por um acôrdo deveras
temporal, em que o bispo passou a receber dois têrços das rendas da
igreja, ficando os cónegos com um têrço, mas com a liberdade adquirida.
Entretanto as obras da Sé ficariam aguardando a serenidade dos ânimos.
.. e a reconstitui'ção das finanças.
Desde a morte de D. Mafaldp a 1193 não se registam mais doações. Neste
ano, porém, D. Sancho e sua mulher D. Aldonça fazem ao bispo carta de
doação do couto de Gondomar «por respeito e amor de Deus e da Beatíssima
Virgem Maria.). Foi talvez um novo auxílio para a conclusão de obras,
Esta doação é confirmada em 1212 por D. Afonso 11 e sua mulher a raínha
D. Urraca, os quais também, cinco meses antes da morte do prelado, em
1227, lhe concedem ainda todo o direito que tinham na igreja de Campanhã
e seu Padroado. Cessam, todavia, aqui as dádivas ou auxílios reais.
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