O núcleo daquela pequena colmeia humana fora crescendo, e, passados os primeiros receios de agressão inimiga, alastrara-se, por necessidade pelas / 8 / encostas circunvizinhas a que davam acesso aquelas três Portas. Através das duas primeiras repovoar-se-ia o primitivo castrum, o Portucale martirizado pela mourama. Para o distinguir do novo burgo muralhado, agora castrum novum, com probabilidade os indígenas o denominariam castrum antiquum. De resto isto está dentro das suposições do beneditino Pereira de Novais e, mais modernamente, das do eminente professor Dr. Leite de Vasconcelos.

Não estará aqui, de facto, a decifração do, até agora, intrincado enigma do Portucale castrum antiquum, que se supunha ser Gaia, e castrum novum, atribuído ao Porto, para a qual o Dr. Mendes Correia então teria fornecido a chave no seu estudo As origens da Cidade do Porto?

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Nos fins do século XI, quando D. Henrique e sua mulher D. Teresa entraram na posse do Condado Portucalense, o burgo do Porto parece não marcar sobremaneira dentro desse território, nem mesmo entre as civitas do Convento dos Brácaros. Porém, com o novo senhorio o povoado aumenta, a ponto de, em 1120 A. D., se tornar já boa prebenda para aquele antístite que Herculano considera uma «espécie de Mefistófeles sacerdotal».

Não cabe nos estreitos limites desta resenha descrever as cartas de doação de D. Teresa e de confirmação de seu filho à Mitra portucalense, e bem assim discutir os limites das terras coutadas a D. Hugo. Isso constituirá assunto dum modesto ensaio de investigação que temos entre mãos.

D. Hugo concedera foral aos habitantes do seu território; todavia, em termos que jamais poderiam convir a estes, cujo amor ao trabalho se nivelava com o instintivo sentimento da liberdade. Juraram obediência; mas, a breve trecho, ante o abuso dos sucessores de Hugo, os portuenses, no bispado de Martinho Rodrigues, reagiram, tendo a seu lado os oficiais de el-rei. Surgiram os anátemas e os pleitos entre a mitra e o poder real, sabendo-se que os caudilhos do povo Pedra o Feudo-tirou e João Alvo foram as vítimas expiatórias das iras episcopais; até que, pelo acordo de O. João I e pelo foral de D. Manuel, termina a trissecular contenda. Então o Porto burguês não permite dentro dos seus muros a demora dos filhos de algo. Lá só se abriga uma nobreza a do trabalho; só se acalenta uma aspiração a da liberdade; só se sente uma verdadeira fé a da imortalidade da Pátria. E assim vemos o Porto aclamar com entusiasmo o Mestre de Avis; construir, armar e municiar as caravelas para a conquista de Ceuta; dar vidas para a trágica aventura de Alcácer-Kibir; tumultuar em 1597, correndo à pedrada o valido do Demónio do Meio-dia; ajudar com braços, com velame e com pecúnia a manter a independência proclamada em 1640; revoltar-se, onze anos após, contra o imposto do papel / 9 / selado, e, passados mais dezasseis anos, contra os privilégios da Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro; levantar-se em 1808 contra o domínio de estranhos; proclamar em 1820 o regime constitucional; reagir contra o absolutismo em 1828; dar mártires pela Liberdade em 1829; acolher dedicadamente o exército de Pedro IV em 1832 e suportar heroicamente, até triunfo final, o memorável cerco; tentar em 1841 restabelecer a Constituição de 1822; erguer-se altivo, na sublevação patuleia de 1846; realizar em 1851 o movimento chamado da Regeneração; secundar com entusiasmo, em 1868, a célebre agitação política da Janeirinha; e por fim, em 1891, dentro dum idealismo sincero, fazer, banhado em sangue, o seu juramento de fé republicana.

Além deste honroso registo histórico, o Porto orgulha-se ainda de ter sido berço do glorioso Infante D. Henrique e dos intrépidos navegadores João Ramalho, André Gonçalves e João do Porto, e bem assim duma enorme plêiade de vultos eminentes nas letras, nas artes, na ciência, no sacerdócio e na política, dentre os quais, para não tornar extensa esta notícia, citaremos apenas: Vasco Lobeira, Pero Porto, Pedro Andrade Caminha, o bispo D. Nicolau Monteiro, Francisco Sá de Meneses, o cardial D. Luiz de Sousa, Uriel da Costa, o beneditino Manuel Pereira de Novais, António Ribeiro dos Santos, Tomás António Gonzaga, Vieira Portuense, José Ferreira Borges, Visconde de Almeida Garrett, Faustino Xavier de Novais, Soares de Passos, Alexandre e Guilherme Braga, «Pedro Ivo»; Arnaldo Gama, c «Júlio Dinis», Rodrigues de Freitas, Borges de Avelar, Basílio Teles, Sampaio «Bruno», Miguel Ângelo, Ciríaco de Cardoso, António Nobre, Urbano e Artur Loureiro, Ramalho Ortigão e os dois grandes Silva Porto ambos gloriosos um o excelso e prodigioso Pintor da Paisagem, outro o ilustre Africanista e Patriota inolvidável.

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Pelos meados do século XIV, reinando Afonso IV, inicia-se a construção de novas muralhas com mais largo âmbito, a qual parece ter tido sua conclusão no século imediato, sob o governo de D. Fernando. O burgo crescia em área e em população, aumentando as suas freguesias, e, no século XVIII, já não se podendo conter dentro daqueles limites, transbordava numa irradiação crescente, derrubando muralhas e extinguindo suas velhas portas. Sucessivamente novas freguesias lhe foram sendo anexadas. Dividido actualmente em dois Bairros o Oriental e o Ocidental pertencem ao primeiro as da Sé, Santo Ildefonso, Campanhã, Bonfim e Paranhos; e ao segundo as de S. Nicolau, Vitória, Cedofeita, Ramalde, Aldoar, Nevogilde, Foz, Massarelos e Miragaia. A sua área é presentemente de cerca de 38 qui1ómetros quadrados. A sua população, segundo o Boletim de Estatística de 1932, é aproximadamente / 10 / de 240.000 habitantes. O Porto encontra-se, geograficamente, próximo do centro da zona temperada, a 41° 9' de latitude boreal e 8° 35' de longitude W. Greenwich, o que lhe dá uma magnífica situação topográfica. Banhado pelo caudaloso Rio Douro, a sua margem alonga-se até à foz do mesmo rio numa extensão de cerca de cinco quilómetros. O porto artificial de Leixões dista do seu centro, a Praça da Liberdade, uns nove quilómetros. As médias meteorológicas anuais são aproximadamente: Pressão atmosférica máxima 767,5, mínima 736,5; Temperatura centígrada, máxima 37°, mínima 3°; Humidade 75.

A gente do Porto, «os tripeiros», alcunha honrosa que lhe provém de se haverem despojado de todo o gado bovino para abastecer a frota que iniciou as gloriosas conquistas portuguesas, ficando apenas, para seu sustento com os miúdos (as tripas), é de índole bondosa, franca e acolhedora. Lealdade e hospitalidade são o seu timbre por excelência. O Porto foi e é uma cidade industrial cheia de iniciativas que muito têm contribuído para o desenvolvimento progressivo do País. Porém, o seu amor ao trabalho, a sua afanosa labuta mercantil e industrial não permitiu, até certa altura, que vibrasse a sua sensibilidade estética. Por isso a parte da cidade antiga não possui obras arquitectónicas dignas de menção, a não ser as de ordem religiosa. A habitação civil é simples, despretensiosa, singela, traduzindo bem o carácter dos seus moradores de antanho. Há, todavia, recantos interessantes, dignos de observação e dignos do registo dos artistas, espalhados pelos velhos bairros da Sé, da Ribeira, de Miragaia e de Massarelos.

Os seus vetustos templos, como a Catedral, actualmente em restauro; a igreja românica de Cedofeita, já restaurada; as igrejas de S. Francisco e Santa Clara com um preciosíssimo recheio de talha dourada; a igreja dos Clérigos com a sua gigantesca torre de granito, medindo 75 metros de alto, e ainda outros templos, merecem a visita e contemplação dos turistas.

O Porto moderno, porém, tem já outra fisionomia. Novas e amplas artérias, parte das quais vieram substituir velhos bairros, praças espaçosas, alguns monumentos e numerosos edifícios elegantes realizam um conjunto de agradável impressão. Servido por uma extensa rede de tranvias eléctricos e numerosíssimos (táxis), é fácil e rápida a deslocação a todos os pontos, os mais extremos, da cidade. Além disso, o Porto é servido por três estações de caminhos de ferro que o põem em contacto imediato com todo o País e com o estrangeiro: a do Porto-Central, à Praça de Almeida Garrett, onde se admiram, no vestíbulo, os lindos quadros de azulejo da autoria de Jorge Colaço; a de Campanhã, no largo do mesmo nome; e a dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal, à Praça Mousinho de Albuquerque. Por via marítima, o Porto pode receber os seus visitantes nos cais do porto de Leixões ou, em navios de pequeno calado, nos cais do Rio Douro.

 

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