SALA IV

É a maior sala de pintura do Museu e nela se encontram, lado a lado, enormes composições de atelier, com mais de dez metros quadrados e pequenas pochades nervosamente tomadas do natural.

A atenção é imediatamente chamada para aquelas imensas superfícies, pintadas com a preocupação de armar ao efeito teatral: à direita, é Otelo e Desdémona, do espanhol Muñoz Degrain, exuberante de pormenores ricos, mas bem pobre, afinal, daquilo que faz  / 12 / o preço de uma verdadeira obra-prima – a qualidade.

À esquerda, uma honesta grande ilustração de Condeixa procura dar-nos o patético da Morte do príncipe D. Afonso, filho de D. João II; enquanto o antigo professor José de Brito, mais adiante, nos coloca diante de uma cena granguignolesca da Inquisição.

No lugar de honra da sala, a obra talvez mais forte e melhor composta de José Malhoa, esse celebrado quadro dos Bêbados Festejando o São Martinho que reproduzimos (Vid. p. 13). Do mesmo pintor são também uma pequena paisagem de um comedido pointillismo, Outono, e um garrido estudo de cor intensa Abóboras, além de um Nu não exposto actualmente.

Artur Loureiro era um pintor de uma grande frescura de paleta, de quem o Museu possui quatro telas: duas nesta sala e as outras duas na parede, ao cimo de uma escada Vid. p. 10).

António Carneiro, o pintor-poeta que fez tão belos retratos, paisagens de tão sentida emoção, tem aqui um único quadro: Companheiros e, num corredor, uma das suas finas sanguíneas.

Sousa Lopes, actual director do Museu, mostra-nos aqui apenas três telas: Interior de Atelier, Efeito de Luz (Vid. p. 15) e uma paisagem de Veneza, estudos de mocidade que preludiam uma bela obra, vasta e variada.

No corredor dos desenhos vêem-se algumas águas-fortes do mesmo artista.

Algumas telas de ar livre de Alves Cardoso, António Saúde e João Reis; um Pierrot agradável desse moço pintor Carlos Bonvalot que a morte levou cedo; e uma Natureza Morta de má época de um pintor de grandes faculdades, Eduardo Viana; mais um quadro de mau gosto do professor Luciano Freire – e eis tudo, sem falar na escultura.


SALA COLUMBANO

Exactamente no lugar onde mestre Columbano trabalhou a maior parte da sua vida, na própria sala que lhe serviu de atelier enquanto foi professor da Escola de Belas Artes, está hoje aberta ao público uma verdadeira exposição da sua obra.

Aquele recinto, que ainda há bem poucos anos só a raras pessoas era dado penetrar pela mão do mestre –, que lhes mostrava então, no cavalete, o seu último retrato inacabado, abriu-se de par em par a toda a gente, depois da morte do singular artista, na mais honesta homenagem ao seu talento.

Ele próprio escolheu, entre toda a sua obra, algumas das telas que deviam figurar nesta sua retrospectiva, na intenção de as doar ao Museu. Depois da sua morte, a viúva do artista cumpriu esse desígnio, entregando um / 13 / bom número de obras que vieram juntar-se àquelas que o Museu havia adquirido já.

Este conjunto, cuidadosamente disposto, encerra assim muitas das suas melhores produções: Desde a dama da Luva Cinzenta (1881) flor primeira dessa sua visão de luz, brilhando baça, numa gama rica de discretíssimos tons pardos e oliváceos, que, em maciezas de pincel envolve um desenho vigoroso e ágil, perspicaz e revelador, como poucos, da expressão anímica da Vida, até ao Retrato do poeta Teixeira de Pascoaes, (Vid. p. 14) feito naqueles últimos tempos em que o pintor buscava renovar as tintas da sua paleta bem temperada, como um instrumento de música de câmara a que o artista quisesse subitamente mudar a afinação.

Ali está também essa composição Concerto de Amadores (Vid. p. 9) de um grande brio pictórico, a que se mistura uma ponta de ironia muito pessoal, uma intenção escarninha que transparece invencivelmente de alguns dos seus retratos de homens notórios, senão dos mais notáveis.

Foi executada em Paris em, 1882, era Columbano um rapaz. Exposto no Salon, a crítica não deixou de assinalar o talento já definido do moço pintor, que no período de luta entre as cores negras em moda, usadas por Ribot e Decamps, e os frescos verdores da falange impressionista, continuou a seguir a expressão sombria, mais conforme com a sua sensibilidade visual.

Nunca o artista produziu depois obra que se lhe avantaje.


ESCULTURA

Numa galeria bem iluminada, à direita, encontra-se a maior parte da escultura do Museu – a estatuária de maior vulto, ou, simplesmente, mais volumosa.

São estátuas e grupos de mármore, dos escultores portugueses dos últimos cinquenta anos, alguns bustos também e raras fundições de bronze, bem como vários gessos, em cujo número (mas desterrado para um canto, numa espécie de corredor ao cabo da galeria) quero mencionar, antes de mais nada, o original do Desterrado de Soares dos Reis.

O gesso que nos revela o primeiro estado dessa obra-prima da estatuária portuguesa sofreu maus tratos; a sua bela superfície apresenta feias manchas e rugosidades.

E foi sem dúvida para o não expor assim ao pé de mármores de imaculada alvura e de gessos reluzentes que o colocaram fora do convívio das outras obras.

Mas a verdade é que as esculturas dignas de Museu – e qual o será mais do que esta? – expõem-se como foi possível encontrá-las, até mutiladas – e no sítio que merecem, não pelo seu estado de novo ou mal conservado, / 14 / mas pelo que exprimem, por si, na linguagem das formas.

 E este primeiro Desterrado conserva-nos as próprias dedadas do mestre, que, depois de o imaginar e construir, o modelou assim, apaixonadamente, antevendo sem dúvida, a ressurreição do mármore. Foi neste primeiro bloco que ele deu corpo ao seu sonho, ao poema da solidão, do desterro do homem entre os homens, que o artista viveu até à tragédia suprema do suicídio!

Mais intensamente do que o delicadíssimo mármore do Porto, no qual as linhas se fundem em curvas de melodia definitiva, este estudo fala-nos da sua harmoniosa arquitectura, e nele se escuta melhor a sugestão do portentoso Miguel Ângelo, que o moço estatuário acabava de descobrir em Itália – onde foi feito o Desterrado.

Se o mármore é o último estádio duma evolução criadora, o estudo conserva toda a palpitação do espontâneo, na plenitude dos volumes vigorosamente relacionadas, no valor táctil dos músculos em abandono, na marcação mais enérgica duma sombra, dada sobriamente – e até por essa graça impressa pelos seus dedos mexendo o barro, quase inconscientemente, nas roupagens sem importância em que assenta a figura, ou na onda que se quebra de encontro ao rochedo, e é já mármore avant la lettre (vid. fig. 18).

Se para a sua eterna conservação for necessário passá-lo ao bronze, haja então o cuidado de vasá-lo numa fundição fina, que lhe assegure todas as qualidades de frescura do original. Entretanto, seria agradável ver o belo gesso uniformemente patinado, sem as manchas da lepra que lhe corroem a pele.

Se há, na estatuária portuguesa, uma obra bem estudada em todos os seus perfis, é bem esta, em que a emoção de beleza se renova e desdobra, por qualquer lado que a contemplem.

Ora no recanto em que actualmente se encontra, ela apenas pode ser vista dentro de um ângulo de 90°. As três quartas partes dos seus aspectos estão praticamente vedadas aos olhos dos visitantes – o que sem dúvida se há-de remediar no dia próximo em que se inaugurar o novo edifício do Museu.

Na galeria, em frente da entrada, estão dois mármores de Soares dos Reis: O Busto da Inglesa Mrs. Leech e a Condessinha de Almedina.

O primeiro (vid. p. 19) é uma obra calma, duma rara distinção e pureza formal. O retrato da pequenina que depois veio a ser condessa de Vinhó e Almedina é um delicado lavor de escopro, em que o grande escultor se comprovou a procurar efeitos de virtuosismo no grão fino do bloco de Carrara.

Num corredor há ainda um busto seu de bronze, um Negro, de admirável construção.
 Finalmente, na sala II, em correspondência / 15 / com uma pobre cabeça de senhora, transida e como intrigada de se ver em tal companhia, uma nova aquisição do Museu: o busto da Condessa de Moser.

É, pela vivacidade da forma, pela animação dos músculos da face que sorri, uma das mais extraordinárias obras de Soares dos Reis; iguala o melhor Carpeaux, no seu delicado estilo, flagrante da vida. Nas arrecadações do Museu, jazem ainda outros trabalhos do Mestre: Um estudo de academia, um homem deitado; e ainda, segundo ouvi, um baixo relevo.

Mas o 1.º Desterrado, o busto da Inglesa, e o da Condessa de Moser, sós, bastariam, certamente, para dar a medida do valor do maior escultor português dos últimos tempos.

Por ordem cronológica, cabe a vez a Alberto Nunes, professor da Escola, representado no Museu por duas obras: O Filho Pródigo, e uma Poesia lírica de formas finas.

Outro professor, Simões de Almeida, que ensinou o seu desenho clássico e grácil a várias gerações de escultores, tem aqui os mármores Malmequer, (vid. p. 19) D. Sebastião e o bronze Puberdade.

Seu sobrinho sucedeu-lhe como professor da Escola de Belas Artes, e parece ter-lhe também herdado o talento, como se vê no baixo-relevo Ninfas do Mondego. (vid. p. 21) São dele ainda: Uma cabeça de velha, Relembrando e um bronze Infância.

Teixeira Lopes, o grande estatuário professor da Escola do Porto, trabalha o mármore como um mestre: testemunha-o a sua sensível Viúva (V. p. 20), obra quase de mocidade e um perfeito retrato de Augusto Rosa, mais recente.

Uma obra de Augusto Santo – quase a única conhecida, sem contar apontamentos e esboços, é em bronze expressivo Ismael, prova do fim do curso na Escola do Porto. (V. p. 22) O autor morreu novo, numa boémia de espírito.

Costa Mota, tio, é o autor de uma esbelta estatueta, Bernardim; e de Meditação, bem como dum retrato de Malhoa (Vid. p. 21) e uma Velha de mármore.

Costa Mota, Sobrinho, sendo ainda pensionista, mandou de Paris um forte nu: Preparando-se para a luta; da sua obra mais recente, um busto de bronze Rosita. (V. p. 22).

De Moreira Rato: um grupo de mármore Sem casa e sem pão veio acolher-se ao Museu, bem como Caim e um frio busto.

Três escultores que a morte levou em plena força de talento: Francisco Santos, Tomaz Costa e Anjos Teixeira, deixaram ainda assim, todos eles, obra considerável e valiosa, que no Museu se acha bem representada.

Francisco Santos, com o Crepúsculo, estátua grande, a graciosa Salomé, (V. p. 22) a forte Bacante.

Tomaz Costa, sensível e elegante, lembra / 16 / Falguière na sua bela Eva, como parece ter pensado em Carpeaux, ao movimentar o Dançarino que sorri (Vid. p. 20).

De Anjos Teixeira vemos aqui uma obra de mocidade, a sua veemente Imprecação; uma obra de observação típica, a peixeira Depois da Venda; e um desses seus animados esbocetos, o Fauno e Ninfa.

Uma das ultimas obras entradas no Museu é o Fauno do jovem professor Leopoldo de Almeida, aqui reproduzido ao lado de um Torso de Diogo de Macedo (V. p. 24), de quem se expõe ainda um busto de bronze na Sala IV, juntamente com o Retrato de Manuel Jardim, por Francisco Franco e um Campino a pé de João da Silva.

Deste existe no Museu, mas não em exposição, um conjunto de doze Cabrititos de bronze, duma viva observação, bem como duas estatuetas de Campinos a cavalo.

Francisco Franco mandou de Paris alguns trabalhos para a escola, entre os quais um Torso que jaz num corredor escuro, e que bem merecia figurar no Museu.

São, aliás, numerosas as esculturas que esperam nas arrecadações a sua vez de aparecerem à luz, obras de: Isabel Gentil, Anjos Teixeira Filho, Raul Xavier, António de Azevedo, António Duarte, António Costa, Barata Feio e outros.

Dos pintores actuais sabemos que o Museu possui quadros, ainda não expostos de: Sara Afonso, Estrela Faria, Maria Clementina, Eduarda Lapa, Abel Manta, Roberto d'Araújo Pereira, Bensaude, Jorge Barradas, Carlos Botelho, H. Franco A. Hogan, Lauto Corado, Ernest Leyden, Lino António, Joaquim Lopes, Magalhães Filho, Mário Augusto; Portela, D. Rebelo. Júlio Santos, Scortesco, F. Smith, Varela Aldemira e João Veiga.

Falta-me fazer referência às salas de Aguarela e pastel. Nesta, acham-se onze trabalhos de Sousa Pinto, – estudos de figura e paisagens, além de um retrato por José Malhoa.

Na sala de aguarela, expõem-se trabalhos de Alfredo de Andrade, Lupi, Roque Gameiro, A. Morais, Alberto Sousa, Alves de Sá, Alfredo Migueis, Bonvalot, Martins Barata, Paulino Montez, Leitão de Barros, Milly Possoz, Helena Roque Gameiro e M. de Lourdes Braamcamp.

Na sala do pastel, vêem-se duas aguarelas de Harpignies, que fazem parte de uma valiosa doação de cerca de vinte obras de arte, feita pelo antigo Presidente da Republica, sr. Teixeira Gomes e em que se encontram trabalhos de Stevens e Fortuny.

 

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