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A última sala aberta ao público
foi a que serviu, durante cerca de trinta anos, de atelier ao professor
Columbano.
Encerra – numa apoteose póstuma –
um grande número de obras do mestre há pouco desaparecido.
Não tardará a ser inaugurada
ainda uma outra sala de, vastas dimensões que se lhe segue.
Nessa sala acham-se representados
os artistas de hoje, em plena maturação uns, outros balbuciando ensaios,
num esforço meritório de renovamento, mais ou menos feliz na expressão,
outros ainda repetindo mal lugares comuns e fórmulas estafadas, – em
todo o caso documentos duma época de crise, em que cada um procura
afirmar-se como pode no caos deste meio desorientado.
Nem todas essas obras são peças
de Museu, no sentido convencionado da palavra, isto é, as melhores
obras, as mais representativas do temperamento e do talento de cada
artista? Assim é, efectivamente.
Mas a missão do Museu de Arte
Contemporânea é certamente mais eficazmente cumprida se se orientar no
sentido de animar os novos, em terra de tão poucas compensações, do que
se se aplicar a escolher apenas obras definitivas, segundo um critério
tardio e sempre falível.
A evolução da arte, como a de um
artista, é constituída por uma sucessão de esforços transitórios e incompletos,
em busca duma maior e mais pura realização de tudo quanto anda suspenso,
na atmosfera duma época ou na nebulosa dos sonhos subjectivos.
E os museus de arte
contemporânea, se não querem limitar-se à função de museus da história
natural, que exibem as espécies já classificadas – mortas e empalhadas –
devem ser também e sobretudo galerias de arte moderna, da arte em
movimento, e de arquivar dia a dia as atitudes e até os desvarios das
gerações que caminham, por entre sobressaltos criadores e
arrependimentos que estabilizam.
Entre nós, esta palavra Museu
anda intimamente ligada a esta outra, Academia. De aí a falsa ideia, de
que só é digno de Museu o que merece a sanção benevolente da Academia,
numa palavra esta espécie de obras que facilmente agradam a quem não tem
uma educação artística do seu tempo, convencionais e rotineiras como as
medalhas e os diplomas que sempre conquistam, inevitavelmente.
Um Museu de Arte Contemporânea,
capaz de aguentar sem quebra o pesado qualificativo de Nacional, tem de
recolher todas as manifestações significativas das artes plásticas do
país, em primeiro lugar – e sem distinção de norte ou sul. Mas necessita
também de marcar as balizas de arte em geral, donde quer que ela venha:
De Munich ou de Londres, da Itália e da Rússia, ou desse Paris que há /
8 / tanto tempo exerce uma indisputável hegemonia na orientação da arte.
O que hoje encerra o Museu
Nacional de Arte Contemporânea é uma colectânea de quadros e esculturas
que representa menos mal a Academia ou a Escola de Belas Artes de
Lisboa, mas onde não se adivinha o pré-rafaelismo, nem se avalia o que
foi esse movimento de renovação tão fecundo que se chamou o
impressionismo, se não vislumbra o vivo renascer da compreensão dos
primitivos, que constituiu a reacção contra a moleza dos
impressionistas, nem as novas harmonias decorativas que em França
começam com Seurat e Puvis de Chavannes, ou essa outra reacção,
ideográfica e excessiva, a que se chamou cubismo, a pretensão de
exprimir plasticamente o que, por definição e essência, não é
plasticidade, que foi o futurismo. Sem falarmos já nos interseccionismos,
dadaísmos, super-realismos e todos os ismos que rotularam formulas
preconcebidas de estéticas a que falta, pelo menos, uma sincera
correspondência na sensibilidade das seus próprios apóstolos.
Dir-se-á então que o Museu
Nacional de Arte Contemporânea traiu a sua Missão?
Evidentemente, se a nossa
exigência não quiser conhecer-lhe os forçados limites. Mas essa traição
praticou-a o Luxembourg, em Paris, apesar de o Estado Francês consagrar
enormes verbas anuais para a aquisição de pintura e escultura. Quem quiser conhecer os melhores quadros de Manet
e de Césanne não os encontrará nas galerias do próprio país. Terá de ir
a Berlim, a Hamburgo, a Munich, a New-York, e Chicago, porque – ninguém
é profeta na sua terra – ainda estes artistas eram amaldiçoados nas
esferas oficiais, quando os conhecedores de arte moderna alemães e
americanos sabiam escolher as peças mais representativas e comprá-las
por preços consideráveis, que eram a felicidade para os artistas. O
destino vingou-os. Mais tarde, o Estado francês teve que adquirir por
verdadeiras riquezas algumas dessas obras, que os seus autores vendiam,
nos tempos heróicos do desprezo académico, por um prato de lentilhas!
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