/ 9 / Finalmente, em 1 de Setembro de 1747 chegaram a Lisboa, devidamente escoltados, três navios venezianos que transportavam os materiais e diferentes objectos para a capela bem como o pessoal que havia de armá-la no seu lugar.


O que nos surpreende desde logo não é o admirável equilíbrio arquitectónico nem a extrema perfeição, delicadeza e graça dos detalhes, que não é possível, tal a sua profusão, apreender ao primeiro golpe de vista: é, no primeiro momento, a prodigiosa harmonia das cores dos mais ricos tons azuis, roxos e verdes, realizando um perfeitíssimo acorde, dominado pelo lápis-lazúli, que dá ao ambiente, a certas horas, uma transparência cerúlea. Banhado nessa atmosfera mágica, campeia suspenso por uma grinalda de florões o majestoso lampadário de bronze e prata dourados, que o Dr. Reinaldo dos Santos considera «obra-prima da ourivesaria, pela elegância do desenho, gosto e riqueza do cinzelado e equilíbrio decorativo perfeito.».

Recebida esta primeira impressão de cor, maravilha-nos a escolha e variedade das pedras ali congregadas, e que bem se poderiam dizer preciosas; mas vamos também notando o mimo com que foi executado o corte dos mármores, de forma a alcançar com os seus veios o mais requintado efeito decorativo. Nas pilastras, que enquadram a capela, laivos de um tom de carne formam medalhões, grinaldas e panejamentos, que parecem fantasias do pincel de um aguarelista. E, dentro da capela, é verdadeiro prodígio a combinação perfeita dos mármores raros: alabastro, ametista, verde antigo, jalde, lazulite, diásporo, branco-negro, brecha antiga, africano, roxo, pórfiro, etc.

Como se não bastassem os acasos da natureza e o seu arranjo proficiente, temos ainda para admirar o que conseguiu o engenho humano reunindo minúsculos fragmentos de rocha, nos mosaicos do pavimento e dos três preciosos quadros do altar e sobre portas, verdadeiras pinturas, que dão a medida perfeita da virtuosidade, levada ao extremo, dos mosaístas que os executaram.

Do conjunto resulta imediatamente uma grande impressão de riqueza, de perfeito equilíbrio e de bom gosto.

Podemos então observar em detalhe. A teia de mármore verde, tendo ao meio duas cancelas de metal dourado, de um lindo ornato, em cujo centro se ostenta o monograma do rei, sobreposto da coroa real, e as duas admiráveis portas laterais, de bronze rendilhado e dourado, tendo também ao centro o monograma de D. João V com a coroa real, ricamente encaixilhadas nas suas ombreiras de verde antigo: são obras-primas de desenho e de execução.

Os confessionários de raiz de nogueira, delicadamente trabalhada, parecem esculpidos por entalhadores que fossem ao mesmo tempo ourives.

Há lindas esculturas de mármore, que merecem demorado aprêço, a começar no alto do arco pelas armas reais portuguesas ladeadas por duas lindíssimas figuras aladas.

No tecto, sobrepujando o altar / 10 / e sobre a cimalha, escultores e canteiros ostentam as suas prendas. Há deliciosas cabecinhas de querubins espalhadas por toda a parte.

E o lampadário volta a prender a nossa atenção. Que maravilha! Como se enquadra tão perfeitamente no arco de entrada com as suas três lâmpadas pendentes! Que elegância e que harmonia nos ornatos da suspensão em que dois J J se entrelaçam! Que preciosidade!

Estes quatro pontos de admiração devem arreliar, como bandarilhas, os maldizentes da arte do século XVIII. Não vale a pena notar-lhes o sentimento das proporções, o equilíbrio e ritmo arquitectónicos, a graça, a força construtiva e a nobre elegância inerentes a todo o trabalho artístico desse tempo, desde o edifício monumental ao mais comum e ínfimo dos objectos. Em contraposição, no momento, que atravessamos, temos a negação de todo o desenho e a extensão do jazz a todas as artes.

Pois este lampadário, ouso repeti-lo, é uma obra-prima que merece que se citem os seus autores. Foi lavrado a cinzel pelos artífices romanos Ângelo e Giuseppe Ricciani, segundo o risco do escultor Pietro Verschaffelt.

Do pavimento de mosaico sobem os três degraus do altar: os dois primeiros de pórfiro roxo e o terceiro (supedâneo) de pórfiro verde, em que se engasta um estrado marchetado de madeiras preciosas e marfim, formando um lindo tapete.

No altar, os fundos do frontal e do vasamento são de magnífico lápis-lazúli; a base e a cimalha são de jade antigo, tão distinto com seu tom precioso de velho marfim.

Sobre o altar, seis castiçais e uma cruz de metal, com embutidos de lápis-lazúli...

Nesta altura, começam já a faltar os adjectivos!

 

Mas é no Museu, anexo à igreja de São Roque e cuja organização se deve ao benemérito e culto Provedor da Misericórdia de Lisboa, Doutor José da Silva Ramos, que vamos poder apreciar, de mais perto, outras peças de ourivesaria deste maravilhoso conjunto, bem como os respectivos paramentos, que são de uma sumptuosidade incomparável.

Submetendo-se às condições do edifício, o Provedor Dr. Silva Ramos dispôs pessoalmente todos os objectos do tesouro de modo a garantir o seu resguardo e conservação, a valorizar a sua importância e a permitir completamente o seu estudo; e encontrou, com felicidade, depois de porfiadas tentativas, à iluminação apropriada, obtendo efeitos de claro-escuro que são verdadeiros achados.

Contudo, dentro das actuais exigências da nossa visão engrandecidas com o cinema, seria para desejar que em exposições desta natureza os objectos fossem susceptíveis de movimento, de modo a poderem ser observados em todos os seus aspectos: este proceder, tratando-se do Barroco, aumentaria então por forma notável o seu dinamismo característico.
 

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