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/ 7 / A extensão desta carta não
permite a sua reprodução integral, mas basta referir que numerosas foram
as modificações introduzidas nos projectos enviados de Roma e muitas
delas se encontram realizadas. Assim, o facto de se planear que o
mosaico do pavimento representasse as armas reais portuguesas, deu
motivo ao reparo seguinte:
«As armas reais no pavimento
são muito indecentes, porque nas cinco quinas delas se significam c as
cinco Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo; o logar decente e próprio é o
meio do arco do embôco com advertência que não se use do manto real, e
que em logar dos génios estejam anjos acompanhando as ditas armas reais,
assim para ficar mais airoso, como para ocupar menos logar do vão da
janela que está imediatamente sôbre o arco, a qual é muito necessária
para dar luz à Igreja e Capelas defronte, e no pavimento, em logar das
ditas armas reais, se porá a esfera, etc.»
Os artistas romanos respondiam
com vivacidade às advertências e críticas, que lhes mandavam de Lisboa,
mas o Padre Carbone escrevia secamente a Manuel de Sampaio:
«As reflexões com que responderam de Roma os arquitectos, que se
acham encarregados da Capela, à instrução que se remeteu desta corte em
6 de Fevereiro próximo passado sobre os riscos, que de lá se tinham
mandado, em nada alteram o que na dita instrução se advertiu, porquanto
foi muito bem considerada antes de se remeter, e não menos examinados os
exemplos com que se autorizou para serem conformes ao que se propunha.
Pelo que se torna a repetir que, deixando de parte caprichos pitorescos,
que não são admissíveis em uma Capela, que se manda fazer de
arquitectura nobre, séria e rica, se sigam as advertências expressadas
na dita instrução.»
Não se podia ser mais terminante!
Os trabalhos da construção da
Capela efectuaram-se no lugar chamado Vicola da Pena, junto à Praça do
Pópulo. Foram em número superior a 130 artistas e artífices que, mais ou
menos directamente, trabalharam na obra da Capela e suas dependências.
Colaboraram arquitectos, escultores, pintores, mosaístas, canteiros,
pedreiros, metalistas, ferreiros, serralheiros, ourives, latoeiros,
douradores, bordadores, tapeceiros, sirgueiros, vestimenteiros,
marceneiros, embutidores, entalhadores, espadeiros, estojeiros,
encadernadores, rendeiras, costureiras, encrespadeiras, etc.
A senhora Mariana Cenci,
encarregada da roupa, recebeu além da conta uma caixa de ouro para rapé,
que lhe foi oferecida em sinal de reconhecimento pela boa direcção do
trabalho que teve.
No dia 15 de Dezembro de 1744,
procedeu o Papa Benedito XIV à sagração da Capela, que para esse fim foi
armada na igreja de Santo António dos Portugueses. Foi uma das festas
mais solenes que se viram naquele pontificado. O Papa foi em público à
igreja, onde concorreu infinita nobreza, e a cerimónia durou mais de
três horas. / 8 /
Mais tarde, Sua Santidade
manifestou empenho de ver a Capela armada antes de ser remetida para
Lisboa. Satisfez-se este desejo, organizando-se ao mesmo tempo uma
exposição em que figuraram quadros, panos de Arrás e muitos outros
objectos, entre eles os cancelos e o baptistério destinados à nossa
Patriarcal, que era opulentíssima.
Compareceu o Papa a admirar todas
estas preciosidades no dia 23 de Abril de 1747 e o nosso embaixador fez
grandiosamente as honras da recepção, despendendo uma quantia que deve
ter parecido excessiva, pois que, segundo escreveram de Roma, as finezas
e distinções praticadas pelo representante do Rei de Portugal causaram
reparo ainda a Cardiais convidados para a dita função.
Para dar um aspecto do carácter
de Manuel Sampaio e atenuar um pouco a sequidão destes apontamentos,
reproduzimos o trecho de uma carta escrita por ele ao Padre Carbone, em
20 de Abril de 1743:
«Aqui me sucedeu um caso
galantíssimo com o «Papa, que tem produzido muita inveja, muita emulação
e muito crédito à minha pessoa. Eu o digo e em poucas palavras, e
confidencialmente a V. R.ma e porque não sei como se
escreverá neste correio.
Sua Santidade tem a mesma paixão que eu «tenho com a louça da índia:
ajustou toda a galanteria de palácio de talhas, vasos e curiosidades e
que lhe regalaram el-rei da Polónia, Grão-Mestre e de Malta, e os
cardiais Camerlengo, Aquaviva, e Datario, Secretário de estado Bichi,
Sacripante, e Alexandre Albani, mordomo e outras pessoas particulares,
pois que já V. R.ma pode compreender o que sejam súbditos
conhecendo o génio dos soberanos.
Nunca foi possível que eu lhe fizesse regalo e algum neste género, por
mais que fossem as instâncias, não já por interesse ou grosseria, pois
não podem dar-se com os príncipes, mas sim por ser este um assunto de
divertimento para o pobre Papa, vendo os actos da minha repugnância e
ouvindo as razões das negativas repetidas.
Ajustou quarta-feira, em que se achava mais aliviado das suas opressões
contínuas, fazer-me uma peça e mandou, pela manhã, a monsenhor e mordomo
e monsenhor mestre de câmara a visitar-me: no tempo em que falávamos se
levantou o mordomo, com o motivo de ver novamente o meu gabinete, e
ficou o mestre de câmara detendo-me com discursos sobre promoção, e
outros particulares da Côrte; mas entretanto vieram seis criados de
palácio, e o mordomo tirando quatro talhas dos cantos, em que estavam,
lhas entregou.
A coisa não se fez com tanta brevidade que eu não pressentisse rumor e,
quando passei ao gabinete, encontrei o furto em ordem de sair. Mostrei
sobressalto para dar gosto ao Papa, pois que de outra sorte não tinha
graça o divertimento; e ajudei, finalmente, a porem-se correntes as
talhas às costas dos criados, dizendo que quando o Papa mandava roubar,
mandava dois ladrões de tanta autoridade como o seu mesmo mordomo e
mestre de câmara, era necessário que quem era roubado desse também mão
ao latrocínio».
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