A vista, porém, mais dominadora da capital é a que se observa do alto da Serra de Monsanto. Daí, onde virá a ser o futuro Parque da cidade, os olhos abrangem toda a Lisboa desdobrada em outeiros. É a apoteose final, a «feérie» maravilhosa que remata a sucessão dos quadros cidadãos.

Os panoramas do Tejo, formoso rio que alarga defronte da cidade num vasto estuário tranquilo, fazendo porto a todas as esquadras mundiais, variam constantemente desde S. José de Ribamar ao Poço do Bispo, bairro industrial e comercial. Ora cheia de armazéns e oficinas, ora interrompida por avenidas, toda a margem reflecte a vida ribeirinha do burgo comercial: – as descargas das fragatas e outros barcos do tráfego do rio, o atracar dos grandes paquetes, o formigar dos marítimos e dos operários. Do alto da Ajuda, do jardim das Albertas, do alto de St.ª Catarina, debruçados sobre parcelas desta linha marginal, colhe-se sempre um aspecto novo, no imutável fundo da Outra-Banda que, em frente ao Terreiro do Paço, se recolhe para o sul, cavando como que um mar, vasto e quieto, cruzado apenas pelas elegantes fragatas que servem e comunicam os portos ribeirinhos.

A «Princesa do Mar Oceano», o antigo empório comercial da Europa, é, como cidade de panoramas, uma das mais surpreendentes do mundo.

Além deste interesse, que é enorme e que só de per si justificaria uma visita a Lisboa, a cidade, liberal de pitoresco, tem a par do carácter dos seus bairros antigos, hoje populares, (Bairro-Alto, Alfama, Mouraria, Madragoa), a que o imprevisto das construções dá um (cachet) especial acrescentado pela típica sumptuária popular, uma série de monumentos notáveis. Para os viajeiros artistas a comédia das suas ruas onde o gentio ainda conserva trajes de um acentuado classicismo popular, não é o menos curioso de ver, mormente o povo do tráfego do Tejo, os vendilhões que apregoam, a varina que vende o peixe em canastras de taça, tipo de rara elegância que tem tentado todos os lápis e todos os pincéis estranhos, o folião das hortas e das romarias, o povo, enfim, com toda a sua espontaneidade singular de cor, de, movimento e de vida. Esses mesmos viajeiros artistas, depois de encherem os olhos na riqueza etnográfica dos lisboetas, saberão melhor apreciar os monumentos típicos da arquitectura nacional, como a Torre de Belém, os Jerónimos, a Madre de Deus, a Conceição Velha, onde o (Manuelino) se exibe deslumbrantemente. A Torre de Belém, monumento único no mundo, é uma maravilha de graça, de finura e de robustez, ao mesmo tempo jóia e fortaleza, renda e muralha, sólida e leve. Quem alguma vez a viu, jamais a esquecerá. Os Jerónimos, velho convento quinhentista, onde o Oriente se respira e onde se sente o cheiro do mar, é um padrão das glórias arquitecturais dos portugueses. O seu pórtico lateral é como uma custódia de pedra rendilhada; o seu claustro / 7 / um assombro; a sua igreja, um prodígio de elegância, de fausto e de beleza. A Madre de Deus e a Conceição Velha valem também uma visita espaçada. Se juntarmos a isto a Sé romano-gótica, meia fortaleza, meio templo; as ruínas góticas do Carmo, a Basílica da Estrela e a da Memória, as igrejas de St.º António e do Menino Deus, estas quatro, documentos da arte setecentista, ter-se-á enumerado, muito sucinta e rapidamente, a riqueza monumental religiosa da cidade.

O aqueduto das Águas-Livres, obra formidável do rei D. João V, os edifícios modernos do Senado da Câmara de Lisboa, do Parlamento, dos Teatros de S. Carlos e Nacional, e outros, são aqueles que melhor documentam o bom gosto da arquitectura civil lisboeta, cabendo ainda o primeiro lugar de todos estes à monumental praça setecentista que é o Terreiro do Paço, talhada e erguida após o terramoto de 1755 que, desmoronando parte da cidade, obrigou a um renascimento cidadão.

O Terreiro do Paço, cujo plano arquitectural foi inspirado no «Convent Garden» de Londres, honraria qualquer grande cidade europeia. As proporções e o equilíbrio dos edifícios uniformes que o cercam, a perfeição da sua planta, dão-lhe uma monumentalidade extraordinária e uma rara nobreza arquitectónica. O turista que desembarque na Praça do Comércio, sucessora do velho Terreiro do Paço cujo nome ainda predomina pela força da tradição, sente-se, fatalmente, dominado. Ao fundo o Arco Triunfal, há menos de cem anos acabado, que abre para a rua Augusta, completa-lhe a fisionomia cidadã.

Penetrando na Baixa, o estilo italiano adaptado no meado do século XVIII, hoje conhecido pelo nome de «Pombalino», afirma-se em todos os edifícios e chega, no Arco da Bandeira e no corpo central da fachada do Arsenal a expressões de rara beleza arquitectural, ao mesmo tempo severa e graciosa. A modernização da capital tem-no alterado, nem sempre vantajosamente, havendo, porém, reformas e reconstruções em que ele tem sido, de novo, felizmente interpretado.

A construção urbana na capital portuguesa oferece alguns exemplares curiosos. Um deles é a célebre «Casa dos Bicos», cuja fachada é lavrada em pirâmides de base quadrangular (diamantes) no mesmo estilo e no mesmo gosto quinhentista da «Casa das Conchas» em Salamanca. Foi casa dos Albuquerques, da família do grande conquistador do oriente Afonso de Albuquerque.

Dos séculos XVI, XVII e XVIII, há vários espécimes de construções, nos bairros populares, cujo tipo é flagrante. As «domus» quinhentistas, de estreita fachada com empena de bico, janelas de gelosias de madeira por dentro das grades das sacadas, tapadouros sobre as vergas para protecção contra a chuva, encontram-se ainda em Alfama,. aos Anjos, no Bairro-Alto, e ao Poço dos Negros. A casa da rua do Menino de Deus é típica como construção atrabiliária, lutando contra a escassez de terreno. Ao alto da rua de St.ª Quitéria, na parte ocidental da cidade, há uma construção do. principio do século XVIII, de um característico inconfundível, como outras na Praça do Brasil, condenadas agora a ser / 8 / demolidas para a regularização deste recanto cidadão que outrora se chamou Largo do Rato e que ainda hoje é assim popularmente denominado.

Os velhos palácios lisboetas não eram, em geral, grandes monumentos arquitectónicos. Os que subsistem são apenas grandes casarões de fachadas regulares, sem expressão artística, a não ser nos recheios preciosos de móveis, tapeçarias, pratas, loiças orientais, etc. O luxo dos grandes senhores lisboetas residia principalmente no adorno interior das habitações e na sua vastidão onde se abrigava numerosa criadagem. Há todavia algumas excepções. O Palácio dos Condes de Sargedas, depois dos Azambujas e hoje solar da Embaixada Espanhola, é um soberbo edifício do estilo italiano, rico de pormenores arquitecturais e nobre de proporções. O Palácio Fronteira, dos condes da Torre e marqueses de Fronteira, em S. Domingos de Benfica, é um belo edifício, cujas decorações interiores e exteriores em azulejos e cujos jardins ornados de estátuas e lagos o destacam como uma nobre residência senhorial dos séculos passados. Dentro da cidade outros há ainda que conservam historicamente um «cachet» singular, como o dos condes da Figueira a Santo André, o dos condes de Castro Marim, aos Paulistas, o dos Almadas, ao Conde Barão, o dos condes de Burnay, na Junqueira, o dos Azevedos Coutinhos e o dos condes dos Arcos, em Alfama, o do Dr. Alfredo da Cunha, a S. Vicente, o dos Ficalhos, no Bairro Alto, o edificado pelo arquitecto João Pedro Ludovice, em S. Pedro de Alcântara, o dos
condes de Ceia, a S. Mamede, e tantos outros.

A casa do Visconde do Marco, à junqueira é uma edificação graciosíssima, talvez a mais atraente representação do tipo construtivo, nacional, de casa arrabaldina.

Nos arredores outros palácios se impõem à atenção dos apreciadores, principalmente na região de Benfica, e na linha marginal da cidade que se estende para o oriente.

Os bairros modernos da cidade não podem apresentar os atractivos pitorescos da judiaria, da Mouraria, da Alfama e de S. Vicente.

São simples alinhamentos de quadros sem estilo fixado, antes desordenado; mas têm vastidão, regularidade e aspecto agradável.

As chamadas «Avenidas Novas» são constituídas por largas artérias bem pavimentadas e arborizadas. Essa nova Lisboa que por ora não tem interesse, oferece, em compensação, condições de higiene, largos panoramas refrescantes sobre o arrabalde, vastidão, e um bem estudado sentido prático do urbanismo civilizado, que os bairros pombalinos já lhe não podem dar.

Os lindos jardins de Lisboa têm fama; uns copados e arborizados, ricos de espécies botânicas como o da Faculdade de Ciências, o da Ajuda, o Colonial, o Zoológico, o da Estrela; outros, talhados à inglesa como o da Praça do Rio de Janeiro e tantos mais, alegram a cidade.

 

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