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Falta aqui, por enquanto, a balbúrdia álacre dos cabarés, dos
dancings,
dos bares, dos mil e um espectáculos fáceis que assassinam o tempo
alegremente.
O Casino, ao alto do Parque, rasgado por largas alamedas ensombradas de
arvoredo denso, entre pelouses (relvas) verdejantes e tabuleiros / 10 /
policromados por esmeros de jardinagem, em que as rosas, os goivos, os
pelag6rnios, os heliotrópios, os cravos do Japão zombam das estações
numa incontida alegria de florir também não é, porventura e ainda, aquele
casino definitivo que a nossa Riviera. há de ter um dia – lá em baixo,
erguido ao rés da praia, em pavilhões que sorvam o horizonte e terraços
que, como asas de gaivotas, entrem pelo mar dentro, a espanejar-se nas
ondas...
Mas é, na concepção simplista das suas linhas rectas e sóbrias, de um
modernismo de traça, que a pompa clássica das Arcadas, ao fundo do
parque, põe em destaque, um edifício de bom ar século-vinte – sem
preocupações de arquitectura, mas prático, e próprio.
O átrio, em amplo quadrilátero, ao mesmo tempo sala de festas e recinto
de exposições, recebe-nos alegremente na claridade farta que tomba do
alto, banhando as tintas reluzentes das paredes, dos estofos, dos
mosaicos que pavimentam os dois pisos. Nos salões de jogo, panejados por
veludos ricos, as decorações são de um luxo discreto, sem as
sumptuosidades que, lá fora, caracterizam alguns desses elegantes templos
do vício, mas de um bom gosto aliciante e de um conforto propicio às
emoções violentas do azar.
O cinema amplo, os bares vistosos, o restaurante e sala de baile
espaçosos, entregues pelo rasgo das portadas a toda a luz e a todas as
brisas perfumadas que vêem dos jardins e da baía, são aprazíveis pontos
de encontro, de reunião e de ócio mundanos.
Ao redor do edifício, abraçando-lhe quase toda a carcaça, uma esplanada
encantadora.
Sob os seus toldos bascos e sob os seus parassóis garridos, repousam-se
deliciosamente os corpos tostados pela soalheira, das sensações fortes
do jogo, do esforço sadio do footing, do golfe, do ténis, do hipismo,
do volante, e abrange-se, dominando-o, o espectáculo absorvente das
coisas, em horas inesquecíveis de lassidão e devaneio.
Sobretudo pela tardinha.
As multidões rumorosas e animadas diluem-se e debandam, para deixarem
erguer no silêncio todas as eloquências do inanimado.
A Natureza reganha, então, sobre a nossa sensibilidade o predomínio da
sua força e a aliciação das suas graças, um pouco esquecidas na
dispersão dos folguedos.
O ar, levemente impregnado de salsugem, de eflúvios resinosos de
pinheiral, do cheiro das flores, é leve e balsâmico, acarinha e repassa
de saúde.
O mar, visto do alto e de longe, sob as velas que o poente tinge de
vermelho, torna-se mais profundo. A distância condensa-lhe o azul e
alonga-lhe o mistério...
A atmosfera dilata-se o acende-se em fulgores de pedrada fina, como colo
de rainha ataviada para os festivais da noite, que se pressente. / 11 /
Na mancha verde e oiro da paisagem florescem, mais vivas, palhetadas de
sol morrente, as tintas do casario.
E a luz, – esta luz feiticeira, perturbada e sensível, que é o grande
encanto, à sedução máxima da Costa do Sol, – alarga sobre as coisas
estremecidas os seus poderes de magia, sinfonizando os tons,
orquestrando as linhas e as cores – rimando em inspirada estrofe as
belezas viris do Solo com os encantos femininos da Água...
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Para mim, contemplativo impenitente, no Estoril, é este Estoril-natureza
que acima de tudo, eu adoro. Para além da obra dos homens, é nestas
rimas de beleza que se compraz o meu orgulho de Português e expande o
contentamento de haver nascido numa terra que é um Poema – e poema que
tem páginas assim!
A sua poesia não carece de tradução para que estrangeiros a sintam,
entendam e amem.
Ainda ontem mo disse aquela missezita esguia e intelectual do nosso
grupo, sorvendo em deleite o seu chá, tão loiro como ela, e deixando
diluir-se, humedecer-se na emoção de olhar, as frias pupilas de
porcelana azul, – tão azul como a água da baía, no longe...
– Oh! Isto comove. A paisagem, em Portugal, tem... ternura. Por que
será que em parte alguma se sente, como aqui, a alma das coisas?
ESTORIL
Junho de 1935


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