*

Durante muito tempo, foram estes desajudados dons da natureza o atractivo quase único do Estoril.

Irmanada com as demais do litoral, não passava de uma praiazinha recatada, de sonolentos veraneios alfacinhas. Procurávamo-la nas horas de cansaço citadino para recobrar nas suas quietudes de retiro silencioso a paz de espírito e o tónus normal dos nervos: mergulhar em água, imobilidade e contemplação.

Certo dia por que lhe houvessem falado alto dos favores excepcionais com que a natureza mãos-largas a dotara: mar delicioso, excelentes águas termais, clima hibernal sem par, ar puríssimo, luz incomparável botou olhos ao largo, fez-se ao mundo. .. E seduziu o mundo.

Hoje, o Estoril, estância termal, praia de banhos, estação de inverno, mansão de recreio – é um incontestado centro de turismo cosmopolita em formação. Como tal temos que o ver.

As quêdas e aquietantes delícias da natureza vão, pouco a pouco, passando, como atractivo, ao plano das coisas secundárias.

O que interessa às gentes pouco contemplativas desta hora frenética de sensacionismo, sobre o Estoril-natureza, é o Estoril-vida. Paisagem é cenografia mero pano de fundo; o que chama e prende é o movimento, a balbúrdia festiva das gentes.

Os silêncios narcóticos, que ontem faziam a delícia dos solitários, desapareceram quase de todo, acossados para as penumbras mais distantes do Monte ou para os recantos mais ermos do pinheiral selvático que. lhe guarda o horizonte, pelo trupido animado dos que, num crescente e ruidoso vaivém de mundanismo folgado, o invadem.

Estância de vilegiaturas cosmopolitas, hoje mais de estrangeiros do que nossa, falar dela e sugeri-la, no que já é e no que virá a ser, não pode, portanto, restringir-se aos deslumbramentos da paisagem, aos bodos de luz do firmamento, às doçuras aliciantes e sedativas do clima, ao pinturesco dos seus campos e ao seu mar, à poesia extreme das coisas...

Temos, antes de mais nada, de nos supormos em longes terras da Europa. Depois, marcar-lhe com um traço de oiro a situação privilegiada na península lisboeta, a vinte e quatro quilómetros de uma capital moderna, a dez minutos duma Sintra maravilhosa, em fácil contacto com tudo o que em Portugal possa interessar à curiosidade sôfrega dos que o visitam, para nele se recrearem: Queluz, Alcobaça, Batalha, Leiria, Tomar; um pouco mais longe, Coimbra amorosa. E chegarmos, enfim, numa luxuosa carruagem do Sud, instalarmo-nos num Palace.

Uma vez aqui, hemos que subir das lazeiras ensolaradas da praia ou descer das sombras dos parques em que se refugiam vivendas calmas / 8 / e se bocejam férias dinheirosas e sedentárias, ao bulício de civilização e frivolidade com que a sacode um turismo folgado e bizarro de além-fronteiras, algaraviado de idiomas, mesclado de raças e de excêntrico.

Temos que viver-lhe as horas de torvelinho mundano, através das suas manhãs álacres de praia, semi-edénicas de nudismo; da alegria física dos seus torneios de desporto; das paradas de elegância e graça femininas, no fulgor dos meios-dias ou no alaranjado e rosa das tardes incomparáveis do Tamariz; da penumbra passa-culpas e voluptuosa dos halls de hotel, por horas de bom gosto e alta costura; dos bares, às horas expansivas e livres do coktail e do flirt; do casino, nas noites de gala e rodopio.

Fazer isto será verificar que, se o Estoril não é ainda obra acabada em atractivos de grande vida que o coloquem a par do que de melhor existe lá fora, para lá caminha a passadas firmes.

O que em minguados anos se tem feito, no sentido de acrescentar os dons da natureza com aquisições de conforto e bem-estar, é deveras notável. É justo o reconhecer que se está em frente de uma obra de iniciativa persistente e rasgada, através das mil e uma dificuldades que lhe embaraçam a marcha.

*

A electrificação da linha começou por melhorar espantosamente o transporte para o Estoril. Em vez da velha locomotiva ronceira que dantes nos arrastava a custo pela costa fora, entre as espessas baforadas de fumo com que sujava a paisagem, temos hoje, a todo o momento, comboios prestos e asseados, de cujas carruagens confortáveis, rodando ligeiras e sem barulheira por sobre a linha coleante, se descortinam, em toda a sua limpidez, os lances maravilhosos deste maravilhoso trecho de ribamar.

Os hotéis desprenderam-se do imobilismo e da rotina para se equalizarem e corresponderem às necessidades de forasteiros bem acostumados.

O Palácio, por exemplo, deve inscrever-se sem favor entre os bons palaces que por esse mundo além abrem à nossa ânsia crescente de conforto e selecção as amplas e difíceis portadas. A arquitectura é de linhas sóbrias. As instalações são claras e airosas. Dedadas de bom gosto moderno comandam o plano geral das decorações, desde as matérias aplicadas nos interiores à distribuição da luz; da linha vintista dos móveis, às tonalidades ricas dos estofos e das tapeçarias fofas, em que morre o ruído dos passos. A organização dos serviços e o aprumo estilizado dos que servem completam o conjunto. Estar-se lá dentro é estar-se em plena Europa de civilização e requinte, viver-se, entre sensações de luxo recolhido, a abandonada comodidade da nossa hora.

/ 9 / É, naturalmente, o hotel dos ricos e dos sãos, sôfregos de ruídos e movimento.

Os organismos cansados, carecidos de repouso ou de cultura física, topam no Hotel do Parque, adjacentes às Termas, um agradável ambiente de aconchego e cura. Sai-se dos aposentos para os cuidados clínicos: a electricidade, a água termal, a ginástica, a esgrima, os jogos todos os benefícios de uma fisioterapia bem organizada, de uma fábrica de saúde onde nada sugere a doença.

Fora da área da Sociedade, o Atlântico, o Paris, o Miramar, o Itália, o Estrade, e várias pensões modernas aliam aos encantos de situações maravilhosas, condições de bem-estar e calma que os recomendam a quem procure os Estoris como estação de repouso.

As instalações do Balneário, cuja fachada exibe pompas de monumento, são de. primeira classe. O hall enorme e inundado de luz é um autêntico salão de festas. Uma piscina de grande capacidade, cheia de água termal, permite aos amadores da natação o prazer desse belo exercício, enquanto os doentes que necessitem das termas, nas suas várias aplicações, encontram para se medicarem os mais cómodos alojamentos e a mais moderna aparelhagem terapêutica.

O desporto, tão querido desta hora toda física, tem também aqui um lugar de honra. O campo de golfe, com os seus actuais 9 buracos, em via de passarem a 18, e os variados obstáculos que excitam a tenacidade dos jogadores, é, ao mesmo tempo, um passeio delicioso e um ponto de vista admirável. Os cortes de ténis, magníficos. Na sua luz bem distribuída desenham-se com nitidez as atitudes e batem-se com precisão os «drives», e os «volleys» do jogo aristocrático por excelência. A enseada presta-se deliciosamente aos entretenimentos da pesca e aos recreios da náutica. O hipódromo convida os amadores dos torneios de cavalos ao espectáculo viril e animado das suas peripécias. Os aficionados do volante, esses, então, podem saciar a sua ânsia de movimento por amplas avenidas e estradas deliciosas, em randomnées e excursões. Quer ao longo da costa, sobre a majestade do Oceano; Boca do Inferno, Guia, Praia do Guincho, Cabo da Roca, – quer internando-nos nas terras: – Marinha, Peninha, Sintra; – é um sem número de pontos deliciosos a visitar e a admirar, no imprevisto empolgante da sua grandeza e da sua diversidade.

 

Página anterior Índice Página seguinte 7 - 9