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Nó-mestre da pinturesca e entrançada corda de povoados
que, borda d'água fora, vem atando Lisboa a Cascais, o Estoril
destaca-se de todos os outros, antes de mais nada, pela felicidade da
situação.
Dir-se-á que, para o acoutar, o mar deliu e preparou na costa, longa e amoravelmente, a mais graciosa e acolhedora das suas curvas, neste ponto
em que ela, a súbitas, deixa de ser areal tostado de praia e argila
sáfara de falésia, para se tornar húmus fértil de leiva e ondulação
airosa de montes. E é deste noivado imprevisto e contente das graças da
terra com os encantos do oceano que resulta a sedução rara da sua
paisagem.
Seja para onde for que os nossos olhos passeiem, que riqueza e
diversidade de perspectivas!
Em frente, a planeza líquida do mar.
Recontido no abraço largo e carinhoso das ribas verdejantes, espalma-se
sob a nossa vista na queda e macia transparência de um verdadeiro e
imenso lago. Sob a leveza alada das velas latinas, que flutuam ao vento
como pétalas de imensa flor desfolhada, ou sob a / 6 / carcaça
descomunal dos transatlânticos que, no rumo de longes partes, amiúde
lhe acidentam a tranquila linha de horizonte, sua massa de água raro se
agita e revolve. Como de seda líquida, refranze-se de pregas e
cintilações, ao roço inquieto das brisas, mas nunca se embravece. É um
mar de brandura, que desconhece as fúrias temerosas da tempestade. As
ondas quebram-se sem ímpeto, de encontro às rochas, espreguiçam-se de
manso nos areais de oiro, quase se lhes não ouve o marulho do vaivém, a
ritmos de embalo.
E é de uma formosura sem par!
Sob os sortilégios da luz que o trespassa, o seu azul desdobra-se numa
gama de tons, que atinge o maravilhoso das coisas irreais, a hipervisão íntima e estática dos sonhos...
À direita, o Monte.
Alteando-se, súbito, quase do colo das vagas marinhas, são como outras
ondas, os maciços de verde folhedo, que se enovelam, encosta acima,
rumo ao céu. Terra das duas primaveras, recobre-a uma flora de trópicos.
Por toda a banda, jardins, moitas e bosquedos. Aqui, tapeçarias
sumptuosas de canteiros em flor, entre espaçosas e areadas alamedas de
parque cuidado; além, recantos de penumbra, entre coleios furtivos de
azinhagas quase rústicas, pinceladas discretas de bucolismo... Na
alfombra das fartas árvores, – os aloés, os pinheiros, os eucaliptos,
os abetos, os cedros, – chalés, vilas e palacetes, de fisionomias
claras e sossegadas, riem na tinta viva dos altos muros, no vermelho
gritante dos telhados.
E, para lá, ao largo, fechando a enseada e sublinhando a curva de uma
baía de miragem, Cascais, de tradições e recorte aristocráticos,
policromada a tons macios de pastel, entre o azul setínio e parado das
águas e o azul parado e setínio do céu...
À esquerda, ganhando declives tímidos de colinas e fechando o horizonte
em arabescos de minaretes e de coruchéus, vislumbres de S. João e de S.
Pedro do Estoril, perspectivas de povoado colorido, jardins garridos,
delírios de côr: – mais verdura de folhedos, mais mar, mais azul de
águas, mais oiros coruscantes de luz e de areal... E, para além,
adivinhando-se, desnastrada no espaço e entrecortada de fortins, a fita
vistosa e pintalgada do resto da costa –
até S. Julião, até Algés, quase...
Enquanto, por sobre a tela imensa, envolvendo-a e redourando-a, seja
verão ou seja inverno, este sol de esplendor que, derramando-se a esmo
por toda a costa que baptiza, parece deter-se mais aqui, cativo da água
volúvel, que se lhe furta, da vegetação sadia e fresca, que se lhe
abandona, e em cujo regaço de verduras moças, se entretém a mimar
florações de uma primavera que zomba do calendário,
– não tem princípio nem fim.
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