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Por entre lindas vivendas, chega-se, num instante, ao Monte Estoril que
também impressiona muito bem, embora com um ar mais modesto do que o Estoril.
Igualmente muito frequentado e com bons hotéis, e o Clube Internacional
de Bridge, é no Monte Estoril que funciona a sede da Comissão de
Iniciativa e Turismo do Concelho de Cascais.
Possuindo biblioteca, sala de leitura e posto
climatológico sob a
direcção técnica do Observatório Meteorológico Central de Lisboa, como
já disse, são gratuitos todos os serviços e informações prestadas por
esta Comissão.
A ela se devem muitos melhoramentos importantes com que tem sido dotada
esta zona, tais como: alcatroamento das estradas do concelho, obras e
melhoramentos nas praias, o Solário da Parede e o Parque
Infantil Morais, etc., o que tudo constitui um grande serviço prestado a esta
região.
Cascais fica a muito pequena distância do Monte Estoril.
Dois grandes e belos palacetes, situados antes da Estação do Caminho
de Ferro de Cascais e que desta se avistam, mostram-nos, logo, estarmos
numa região onde impera o bom gosto e conforto.
Tomando pela rua principal da vila, divisam-se, quer de um quer de outro lado, belos prédios.
À esquerda, ao fundo da Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, no antigo jardim público, ergue-se o
Monumento que, por subscrição pública, e iniciativa de um grupo
particular, foi inaugurado em Cascais, em 1921, dedicado aos filhos
dessa Vila que pereceram, vítimas da Grande Guerra, em Angola, em
Moçambique, no Mar e na Flandres.
Entre os muitos monumentos erigidos em Portugal para esse fim, o de
Cascais é típico, pois o escultor, compenetrando-se do assunto,
conseguiu exprimir a saudade e a dor por aqueles que, em defesa da sua
pátria e longe dela, perderam a vida, honrando-a.
Tomando em sentido inverso, isto é, ao fundo dessa Avenida onde está
situado o Mercado, encontra-se um singelo mas expressivo monumento
secular, idêntico ao erigido em frente da Igreja de Santo António no
Estoril, referente às lutas liberais.
A dois passos deste monumento fica um belo palacete, defrontando para a
baía de Cascais e a praia do peixe, sulcada de pequenas embarcações,
cuja, partida para a pesca, de tarde, constitui um curioso espectáculo:
de velas içadas, à mercê do vento ou à força de remos, aos grupos de
várias embarcações, lá vão puxadas por um pequeno barco a vapor que as
conduz à barra ou ao mar alto, isto é, aos locais onde vão pescar. E aí
passam pelo menos uma noite, sofrendo, no inverno, as inclemências do
frio.
Apesar de Cascais ser simultaneamente
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uma estação de turismo e onde abunda o elemento piscatório, a sua
população é ordeira e comedida e mal se dá pela existência dessa gente
no rude desempenho da sua faina, de tal modo se extremam os campos dos
que fazem de Cascais centro de trabalho, repouso e diversão.
Sobranceira a essa praia fica o velho edifício conhecido por Casino e
donde se desfruta um belo panorama da baía de Cascais.
À Avenida da República Segue-se o Passeio de Santo António. Do lado
direito desta Avenida que se prolonga até ao mencionado passeio,
encontram-se, formando um belo conjunto, diversos palacetes. Entre eles
avulta o do Conde de Monte Real.
O Passeio de Santo António pega com a Esplanada. E ante nossos olhos
surge, então, um dos mais belos espectáculos que se pode
presenciar, o da admirável Baía de Cascais, na sua amplidão máxima.
E numa magia de luz e cor, que atinge o auge sobretudo ao pôr do sol em
que a natureza empresta a este espectáculo novas cores e cambiantes,
quem tenha visto a Baía de Cascais numa tarde serena e bela nunca mais
poderá esquecer esse encantador espectáculo, único, empolgante.
Quase sempre repleta de barcos, movendo-se ao sabor da ondulação, o que
lhe dá uma nota bizarra, a natureza compraz-se em engalanar e completar
o quadro a que me estou referindo.
Altas serras, pinhais, vegetação frondosa, os Estoris e toda a Costa do
Sol até Lisboa, não esquecendo Sintra e a sua serra, se divisam em
contornos elegantes, curiosos e expressivos, espectáculo que, quanto
mais se contempla, mais se deseja ver, mais agrada e fascina.
Sem rival, a Baía de Cascais é o encanto
máximo desta aprazível e linda Vila.
O passeio de Santo António é também
digno de nota.
Um curioso monumento representando uma águia branca de asas abertas
sobre um rochedo, comemora o feito heróico e brilhante de Gago Coutinho
e do inditoso Sacadura Cabral, ou seja, a notável travessia aérea do
Atlântico e a ida ao Brasil, por eles realizada, confirmando assim serem
os legítimos descendentes daqueles que, «por perigos e guerras
esforçados, mais do que prometia a força humana, deram novos mundos ao
mundo».
E, perante a singeleza desse monumento, a alma enleva-se pensando em
tudo quanto fomos, outrora, quer como guerreiros, quer como navegadores
ou conquistadores, de uma bravura e audácia nunca ultrapassadas.
A pouca distância deste monumento (Cascais é, já o disse, algures, a
vila portuguesa que maior número de monumentos conta), ergue-se um outro
que também nos fala do valor do Exército Português, o monumento
comemorativo da Guerra Peninsular e das
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Campanhas em que o Regimento do 19 de Infantaria tomou parte activa,
isto é no Rossillon e Catalunha (1793 a 1795), na Guerra Peninsular
(1809 a 1814) e na Grande Guerra.
Santo António de Lisboa, a quem assentaram praça em 24 de Janeiro de
1668, no regimento de Infantaria de Lagos muitos anos depois de ter
falecido, foi promovido a capitão por alvará de D. Pedro II, em 1683, e a
tenente coronel, por distinção, em .31 de Agosto de 1814, tendo tomado
parte em diversas campanhas, o que lhe valeu diferentes distinções.
Em frente do Passeio de Santo António fica a Cidadela, cercada por
amplas e vetustas muralhas – actual residência de Sua
Ex.ª o Sr.
Presidente da República – e donde se goza um amplo panorama que abrange a
parte mais bela da baía e de Cascais e arredores.
Na Capela da Cidadela há dois belos quadros de azulejos, representando
assuntos bíblicos.
A pequena distância do Passeio de Santo António existe a Igreja Matriz
de Nossa Senhora da Assunção (a qual possui belos azulejos de 1720 e
1745, tecto de Malhoa, e diversas tábuas quinhentistas e quadros de
Josefa d'Óbidos) e um bonito jardim.
Cascais é ainda notável pelo seu belo Museu instalado no
antigo Palácio que foi do conde
de Castro Guimarães, beijado pelo mar, o que tão poético o torna. Com
aspecto de castelo feudal, janelas geminadas, coruchéus e mirantes, ergue-se imponente e altivo, fronteiro ao farol de Santa Marta.
De aspecto encantador, este edifício é dos melhores que conheço
destinados a Museus, alguns infelizmente ainda tão acanhadamente e mal
instalados.
Bastava o seu esplêndido parque com sombras acolhedoras e o magnífico ar
embalsamado que nele se respira para tornar agradabilíssima e indicado.
uma visita a este Museu em que, em cada sala ou recanto, transpira arte
e bom gosto. Ultrapassada a porta de entrada, um pequeno e formoso
claustro chama a nossa atenção, lendo-se numa das suas colunas as
seguintes judiciosas palavras:
Ouve e cala
E viverás vida folgada,
Tua porta cerrarás;
Teu vizinho louvarás e
Quanto sabes não dirás.
Quanto vês não julgarás,
Quanto ouves não
crerás,
Se queres viver em paz.
Neste Museu, como já disse. tudo fala do
bom gosto com que foi organizado.
Belos móveis, tais como contadores, tapeçarias, magníficos azulejos policromos do século XVI e XVII, revestindo
as paredes, expressivos quadros, entre os quais salientarei o do Marques
de Sousa Holstein, por Maddrazzo;
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valiosos livros em que sobressai a muito rara e bem conservada crónica de
D. Afonso Henriques.. do século XVI, por Duarte Galvão, com preciosas
iluminuras; jarrões da China, do século XVIII, com brazão da família
Sobral, estatuetas, etc., eis parte do magnífico recheio que orna e
embeleza este tão atraente quão curioso Museu.
Subindo ao primeiro andar nele estão expostos diversos quadros, desenhos, faianças, um órgão de 1753 e a
biblioteca que pertenceu ao Museu Oceanográfico D. Carlos, que muitos
anos esteve na Liga Naval Portuguesa.
Propositadamente deixei para o fim falar do Salão Nobre deste Museu tão
belo e tão evocador dos antepassados do Conde de Castro Guimarães que
largamente aí se acham representados, salão que é um verdadeiro mimo e
onde, num ambiente de arte e conforto, se fez ouvir, em belas tardes de
concerto, o falecido Maestro Francisco de Lacerda, improvisando
inspirados trechos musicais, baseados nos motes que lhe eram
fornecidos, de momento, pela assistência.
Ao sair do Museu, depara-se-nos um belo quadro de azulejos,
representando o Concilio de Trento, realizado nos anos de 1545 a 1563.
A pequena distância, no Parque, fica a Capela de S. Sebastião, em
cujas paredes laterais há quadros de azulejos com episódios da vida
desse Santo.
Forrando a Capela Mor há também bons e
muito curiosos azulejos policromos do século XVIII, atribuídos ao
notável azulejador António de Oliveira Bernardes.
No Jardim Sevilhano deste Museu vê-se um enorme quadro de azulejos (dos
maiores que tenho visto, encimado por esta divisa que transcende a
epicarismo: «Deus nobis haec otia fecit»), no qual, entre os
personagens que nele aparecem, figura Santo António de Lisboa.
Este
azulejo e os do Museu completam a colecção de azulejos existentes em
Cascais e entre os quais é de justiça mencionar os lindos azulejos policromos do antigo Palácio do Conde da Guarda, onde está
actualmente instalada a sede da Comissão de Turismo de Cascais.
Quem for a esta Vila não deve deixar de
ver o Canal de Santa Marta, local assaz pitoresco e, a seguir, a
Boca do
Inferno, curioso rochedo cheio de grutas e precipícios, onde o mar, no
seu incessante vai-vém, ora suave, ora agitado, se esbate, contorce e se
reduz a espuma.
A dois e meio quilómetros da Boca do Inferno fica o farol da Guia com cerca de 58 metros de altura e donde se desfruta um belo panorama.
Perto deste farol, está a Capela de Nossa Senhora da Guia, com seu
portal manuelino, curiosos azulejos policromos e duas tábuas do século
XVI, portuguesas ao que se supõe.
A estrada prossegue, através do pinhal da Marinha, à beira-mar.
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A quatro e tal quilómetros fica Oitavos.
Segue-se o Cabo Raso.
Percorridos oito quilómetros, eis-nos na Praia do Guincho, de belo
aspecto, e que leva ao Cabo da Roca, extremo ocidental da Europa.
Ao falar, por último, na Praia do Guincho, não devo deixar de me referir
à Praia da Conceição, em Cascais, tão frequentada no verão e cujo
aspecto é assaz pitoresco e que tão
bonita há de ficar depois de concluídas a esplanada e obras que se estão realizando.
Chegado ao fim da minha viagem através desta bela região, só me resta
dizer:
A Cascais, uma vez e muitas mais.
L I S B O A
Novembro de 1935
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