O regime do Estado Novo de Salazar interrompeu-me os meus
estudos na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para cumprir
o serviço militar obrigatório. Foi no Quartel da Escola Prática de
Infantaria de Mafra. Este Quartel estava situado, maioritariamente, no
rés-do-chão, na parte de trás, do magnífico Convento de Mafra, com
grande parte da Tapada Real e uma Parada Militar. Foi tão marcante para
mim que ainda hoje me lembro, como se fosse ontem. A minha recruta de
soldado cadete foi iniciada a 3 de Maio de 1965, nesse estabelecimento
Militar e deram-me o número 193 do segundo pelotão, primeira Companhia
de recrutas. Meu comandante de pelotão chamava-se Tenente Morais.
Iniciei os caminhos de "Pronto" militar. Foram três longos meses... De
Coimbra levei uma "guia de marcha" e um bilhete de comboio pago pelo
Estado para o mancebo civil universitário servir militarmente. No fim
desse longo período de dureza e muito diferente de tudo o que eu tinha
vivido até aí, e após três meses de instrução de recruta, jurei bandeira
pela Pátria. Que compromisso... Quase todos os jovens do meu tempo o
fizeram e todos sabíamos que um dia éramos mobilizados para o "Ultramar
Português", principalmente para a chamada "Guerra Colonial" nas
províncias portuguesas da Guiné, Angola e Moçambique, que queriam ser
independentes dos europeus, como os seus vizinhos africanos.
Caiu-me nas "sortes" ir para Timor. Era então um jovem
Alferes Miliciano de Administração Militar, de Secretariado, que por ter
boa classificação quase não era mobilizado! Mas fui e adorei ter estado
em Timor.
/ 144 /
Sabia, na quarta classe me ensinaram, que Tata-Mailau era
a montanha portuguesa mais alta de Portugal e ficava na Insulíndia e, a
segunda era o monte de Matebian, também em Timor.
Eu, como muitíssimos jovens, nunca tinha ido ao
estrangeiro. Ficávamos na Metrópole ou fugíamos (ir a salto) para
Espanha, França, Suíça, Alemanha, Suécia, Luxemburgo e, também, para a
pesca do bacalhau; no alto mar Norte. Quem fizesse campanhas marítimas
de pesca, estipuladas pelo estado, eram dispensados de fazer serviço
militar obrigatório e de serem mobilizados para a Guerra do Ultramar em
África. Para descobrir e ir ao encontro de outros povos fomos os
primeiros e fomos também uma grande potência naval e comercial em tempos
de Expansão Europeia no mundo, a partir do séc. XV. Repito, para
descobrir fomos primeiros e pioneiros, mas para libertar e actualizar
fomos dos últimos europeus. Factos são factos. Claro que fomos e porquê?
Indagando aqui e acolá, lendo principalmente, constatei: «Portugal
iniciou o ciclo dos Descobrimentos, em 1415, com o avanço para o Norte
de África. Esta movimentação possibilitou o contacto entre os povos e
civilizações até então desconhecidos. De uma maneira amistosa ou pela
força das armas, os portugueses foram pioneiros ao inaugurar esta
dinâmica global. O país destacou-se por outro lado, como das últimas
nações europeias a iniciar o processo de descolonização em meados dos
anos de 1960, mais tarde do que os franceses, britânicos, belgas e
holandeses. Tratando-se de um país de fracos recursos, sem estatuto de
potência militar e com uma população (europeia) de cerca de dez milhões
de habitantes. Interrogamo-nos como foi possível tal longevidade,
sobretudo no caso de África, onde Portugal enfrentou uma guerra ao longo
de treze anos, em três territórios descontínuos." (Vicente Paiva
Brandão).
«A descoberta de petróleo em Angola, a construção da
barragem de Cabora Bassa, em Moçambique, e a ameaça proveniente de
movimentos
/ 145 / nacionalistas negros motivam uma colaboração
crescente entre Portugal e a República da África do Sul. Esta
reflectia-se, em última análise do acordo Alcora e na cooperação militar
bilateral. A gradual aproximação política e militar entre os dois
Estados, a identificação das estratégias e dos meios utilizados e a
permanência concentrada de que era necessário aguentar em Portugal e
resistir na República da África do Sul, substanciam a motivação
principal do nosso "estudo.» (Vicente Paiva Brandão).
«O acordo Alcora reuniu
Portugal, a África do Sul e a Rodésia em Outubro de 1970 com o objectivo
de melhorar a articulação dos esforços bélicos entre os três. Face ao
alastramento da guerra e à necessidade dos países de domínio branco,
alcançarem os seus propósitos de uma forma mais célere, o entendimento
foi celebrado secretamente, mascarado de exercício. Envolvia o
estabelecimento de vários organismos com uma estrutura muito semelhante
ao dos Estados Maiores Nacionais, num modelo em que sobressaíam
repartições de logística, operações e informações.
Na sequência desta estrutura, visava-se a cooperação ao
nível de fornecimento de equipamento militar, bem como estudos
cartográficos e a obtenção de fotografias através de meios aéreos. Após
o 25 de Abril de 1974 o Alcora deixou de vigorar devido à alteração
política verificada em Lisboa.»
(Vicente Paiva Brandão).
«Este panorama conduziria Lisboa a arquitectar uma
orientação defensiva a longo prazo o que suporia a obtenção de meios
avultados. E estes só seriam possíveis de ser adquiridos mediante
colaboração externa, com destaque para África do Sul. Nesta matéria
Lisboa precisava de Pretória para aguentar o conjunto ultramarino, e os
sul-africanos necessitavam que os portugueses mantivessem as suas
posições africanas de modo, por um lado, a guerra não atingir território
Africânder (branco sul africano descendente de holandeses) e, por outro
lado a evitar a instalação de regimes hostis nos espaços contíguos. No
rescaldo da agitação em tomo da questão
/ 146 / de Tete, o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, deslocou-se a África
do Sul, no primeiro trimestre de 1973. Os jornais “Times”, “The
Guardian” e “Financial Times” I" (Vicente Paiva Brandão).
«As relações luso-sul africanas são marcadas, no
período em que medeia entre o pós-lI Guerra Mundial e os meados da
década de 1970, e, sem prejuízo de outras fases de menor relevância, por
quatro etapas: A segunda metade da década de 1950 e até 1961, desde essa
data até à Declaração Unilateral de Independência da Rodésia, em 11 de
Novembro de 1965, daqui à criação do "Exercício Alcora", em
Outubro de 1970, desde essa época até 25 de Abril de 1974 (...).
A cooperação militar existia e a partir de
1968, intensificou-se gradualmente. O acordo Alcora proporcionou uma
abrangência para o futuro. (...)
Como foi possível sustentar uma guerra ao longo de treze
anos em três territórios descontínuos e qual a influência de África do
Sul neste
/ 147 / processo; os elementos analisados ao longo deste estudo
poderão na nossa opinião, conduzir a respostas que sustentam a ideia de
que a longevidade da guerra travada pelos portugueses em África foi
alcançada a elementos internos designadamente a boa preparação das
elites militares e o espírito de abnegação dos soldados portugueses; e
que a influência da África do sul neste processo, ainda que relevante,
não terá sido decisiva." (Vicente Paiva Brandão).
Sabe-se então que o Alcora foi um acordo altamente
secreto e que a África do sul sustentou a Guerra do Ultramar português,
por ser um acordo da África Austral contra o comunismo.
Vivi durante o ano de 1966, momentos difíceis dum mancebo
em plena ditadura, com rumo a Timor, lá lonjão ('muito longe'), resquício
do Império Marítimo Português do séc. XV, únicos a vencer os muçulmanos
no Oriente (na batalha naval de Diu) e, o seu poderio marítimo-comercial,
nas rotas do Oriente com o vice Rei D. Francisco de Almeida, em 3 de
Fevereiro de 1509.
Testemunho que me despedi da minha noiva, minha mulher há
52 anos, meus pais, irmãs, restante família e amigos. Parti para "o fim
do mundo", no mar azul sem fim, para uma meia ilha quente, ainda sob o
domínio de Portugal.
Lembrei-me sempre dos meus antepassados portugueses que
na educação do Estado Novo eram muito exaltados. Fui no navio denominado
Timor, onde disse adeus ao meu irmão Jorge no cais de Alcântara a
caminho do Oriente. Saí da barra do Tejo, mirei Lisboa, e fomos rumo ao
sul do Continente Europeu, através de Oceano Atlântico e virando para o
Mar Mediterrâneo. Parámos ao largo de Alexandria porque fomos
considerados militares e a grande maioria até era. Logo a seguir
passámos o Canal Suez (franco-britânico), novidade para muitos e depois
parámos em Áden, cidade do Iémen, a mais importante sob o ponto de
/ 148
/ vista económico. Dá o nome ao Golfo adjacente, no Oceano Índico. Porto
chave do Mar Vermelho, junto ao estreito de Baba al-Mandab, possui uma
grande refinaria petrolífera. Devido ao seu valor estratégico, Afonso de
Albuquerque tentou conquistá-la, sem êxito, em 1513.
Estivemos no porto e foi altura de trocar escudos por
dólares, para fazermos as compras habituais dessas paragens. Estávamos
em fila e eis se não quando foi passada a palavra de que o agente dos
câmbios estava a trocar, todo feliz, notas de cem escudos por treze
dólares, na altura, dava mais dez dólares do que o devido, pensando que
nos enganava, pois fez as contas mal. O certo é que todas as notas de
cem escudos, que havia no "Timor" foram trocadas sempre com o sorriso do
agente que pensava estar a enganar-nos. Lembro-me que o padre
acompanhante não trocou nenhuma nota de cinquenta escudos mas apenas
emprestou... Mais tarde, ainda no navio, antes de chegarmos a Díli,
recebeu-se um telegrama dizendo que o agente tinha levado um grande
rombo e se era devolvido o excedente. Como bons portugueses, ninguém
tinha cambiado! Tudo se fechou em copas... Todos os portugueses com
receio dos dólares serem falsos, os gastaram na compra de rádios,
gravadores, relógios, máquinas fotográficas, ficando as peças numa
verdadeira bagatela.
Queria enganar-nos e não se podia rir. Aconteceu... Vá
lá, o senhor padre capelão recebeu o emprestado. Atravessámos o Mar
Vermelho, o Oceano Índico e passados trinta dias de alto mar desde que
saímos de Lisboa, estávamos com terra à vista.
Pouco antes sentimos a terra quente e vimos as montanhas
de Timor. Não enxerguei o porto de Díli e ficámos ao largo. Na altura
logo alguém disse que o porto não podia ser fundeado, dado a uma grande
restinga de corais existente ao longo da praia do porto de Díli.
Falou-se também que os tubarões evitavam circular, ferindo-se muitos
deles nos corais.
Ao desembarcar, os naturais de Timor saudaram-nos,
falando connosco em Português. Que bom! Estava longe mas em casa, no
meio da minha gente.
Logo de seguida estava um furriel miliciano português e
um condutor num jipe militar que me levou sem demora para um local de
montanha interior, que se chamava Laclubar.
/ 150 /
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Unimogue na ponte nova de Manatuto.
Meu destino era ser adjunto do comandante do sector 4
militar durante um ano. Era um lugar isolado na montanha, por isso mais
fresco, sendo que de Outubro a Março quase todos os dias chovia.
Jamais esquecerei que Deus nos salvou na Ribeira de
Manatuto, em Timor, ilha de Santa Cruz. Dado que Timor é muito
montanhoso, quando chovia, as ribeiras enchiam-se rapidamente de
enxurrada para se despejar no Mar Homem (norte). Ao tempo, a ribeira em
Manatuto não tinha ponte. Com uma comitiva militar fomos e viemos num "unimog"
do Destacamento Sanitário Base. Quando começámos a atravessar a ribeira
estava quase "chão", mas mais adiante, vem uma avalanche de água e
nestas circunstâncias não se deve deixar o motor ir a baixo, para se
poder lutar contra o pequeno dilúvio. À frente ia eu, o Alferes Rocha, e
o condutor, acho eu que era o Manuel. Acontece que o Manuel paralisou e
começou a rezar a "Avé Maria cheia de Graça... Nossa Senhora de Fátima
salva-me". Num ápice ponho o meu pé por cima do dele no acelerador e não
/ 151 / deixei que o "unimog" fosse a baixo e passámos para o outro lado
rumo a Díli. Depois, todos nos ajoelhámos e rezámos. Estávamos salvos.
Um dia regressaríamos a Portugal. O condutor Manuel deu-me um abraço e
disse: "Mê Alferes, tive medo, obrigado, já poderei ver a minha mãezinha
e os meus". Com fé e a protecção de Deus estávamos em "terra a varar".
Felizes, sim.
Em Laclubar estava instalada uma Companhia de caçadores
portugueses e o comando do sector militar. Além de nós portugueses pouco
se falava Português e até Tétum. Falavam um dialecto desse reino do
liurap, isto é "pequeno rei", Moniz. Mais tarde constatei que o
Tétum e o Português eram falados em Díli e que em todo Timor Loro Sae
havia muitos reinos e dialectos. Esses factos anteriores eram causadores
de guerrilha e divisões, originando atraso e pouca abertura. Eram
pessoas e por isso hoje admiro o papel notável da Igreja Portuguesa que
lhes levou Luz, catequizou, conviveu com eles e conseguiu que no seu ADN
se considerassem católicos apostólicos romanos. Convivi com duas pessoas
importantes de Laclubar. O primeiro foi o liurai Moniz do reino de
Laclubar que falava Português e era amistoso connosco. O segundo era o
proprietário da cantina, que era chinês, arrazoava Português e explorava
os naturais com o abastecimento de produtos de monopólio. Foi lá que eu
senti que éramos uns polícias sinaleiros, deixando explorar os naturais
à vontade. Lembro-me ainda que, como alferes miliciano do sector 4,
estava responsabilizado para dar instrução militar às companhias de
instrução de segunda linha de naturais desse sector (reserva militar),
onde pouquíssimos falavam português, longe do mundo e das escolas. Dava
logística militar, instrução militar e ordem unida. Adorava a minha
livre iniciativa de dar aulas de civilização humanista aos quadros de
oficiais de segunda linha que falavam bem português, ensinado por
catequistas da Igreja Católica.
/
152 /
Constatei quão fora o papel notável da Igreja Portuguesa
apoiada pela coroa portuguesa ao longo de quase cinco séculos. O poder
em Timor foi: claramente muitas vezes exercido em nome de Portugal pelos
próprios naturais e quando as autoridades eram portuguesas agiam por
intermédio e respeitando muito a autonomia dos poderes nativos.
Antes de conhecer e de lá ter estado 28 meses em Timor, o
que sabia? Sabia, que se tratava de uma colónia portuguesa no Extremo
Oriente, com clima quente do equador, que tinha muita floresta, era rica
em sândai o e café e o povo respeitava a sombra da bandeira portuguesa.
Havia, também, uma reminiscência do poderio naval mundial da Expansão
Portuguesa no Oriente, no séc. XVI.
Mais sabia que era uma colónia longínqua e em assim ser
foi muito esquecida pela Coroa e República, pese embora o trabalho de
Missão da Igreja Católica fosse simplesmente notável.
Os meus primeiros tempos de Serviço Militar Obrigatório
foram
/ 153 / passados na montanha em Laclubar, onde esteve instalado o
comando do Sector 4 militar.
O clima era mais fresco e durante um período de Tempo
chovia de manhã, por volta das 11 horas. A Messe dos Oficiais era boa e
tínhamos um cozinheiro nativo que cozinhava comida portuguesa. Os dias
eram passados no Serviço e com a Natureza. Em Laclubar havia uma
Companhia Militar Portuguesa, que construiu o quartel e um campo de
futebol, onde aos fins-de-semana jogávamos futebol. Ao princípio ainda
ouvíamos os relatos de futebol do Benfica, Sporting e Porto que eram das
duas da manhã de segunda-feira até cerca das quatro da manhã. Foi sol de
pouca dura. Naturalmente, fomo-nos integrando ao real de Timor.
Íamos matando saudades da Metrópole com o dia de "São
Correio" que era às terças-feiras, dia da chegada do avião de Lisboa. O
fim-de-semana era passado a escrever para os nossos, porque o "unimog"
transportava os nossos aerogramas gratuitos do Movimento Nacional
Feminino às segundas-feiras.
/ 156 /
Passava o tempo a ler, ouvir boa música, dado a que os
senhores alferes tinham potentes gravadores Sony e outros, além de gira
discos, últimos modelos japoneses, com discos australianos modernos.
Havia uma cantina chinesa onde se falava português e havia cerveja "Laurentina"
e petiscos para os senhores alferes (cinco): eu, do Sector 4, um médico
do mesmo Sector e três da Companhia de Caçadores Portugueses.
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Fazia, sempre que podia, passeios a cavalo (kuda) com o
alferes médico e um impedido Manel às redondezas. Recordo-me que fomos a
um Colégio em Soibada da Igreja Católica Missionária e aí, os alunos
falavam e cantavam em bom Português e saudavam-nos com alegria. Bonito
momento emocional e gratificante. No Reino do liurai Moniz em Laclubar
falava-se pouco Português. Havia uma Escola Primária nova e através da
nossa Língua, iniciava-se o futuro da civilização da juventude
Timorense. Em Laclubar fui um eremita militar da Natureza da montanha.
/ 157 / |
Alferes da companhia de
2.ª linha vestido à moda timorense. |
Timor encontra-se bem destacada numa vasta zona insular
denominada Insulíndia ou Indonésia, no Hemisfério Sul do Extremo
Oriente, entre os paralelos 8° 20' e 10° 22' e os Meridianos 132° 37' e
136° 50' (Este de Greenwich). A costa norte é banhada pelo Mar Savo,
estreito de Ombai e de Wetar; a costa sul pelo Mar de Timor, que separa
a Ilha do Continente Australiano. Juntamente com Bali, Lamboc e Sumbawa,
Flores, Loblem, Pantar, Alor, Wetar e outras ilhas de somenos e de área
militar reduzida, constituem o Arquipélago chamado "Sunda Menor", um dos
vários em que se arbitrou agrupar as inúmeras ilhas daquelas paragens. O
terreno está classificado como sendo de natureza vulcânica, embora não
existam ali vestígios claros de antigas crateras, nem se registem
frequentes e fortes abalos sísmicos (Artur de Sá). Os férteis
territórios de Leste são: Timor Loro Sae, metade da ilha,
aproximadamente com 18.909 km e Indonésia, a região, um tanto árida,
prolongada para Ocidente. Nesta zona, Timor possui ainda um enclave de
Oecussi, com uma área calculada em cerca de 850 km2, e em frente de
Timor, a ilha de Ataúro (Pulo Cambing) com a superficie de 144 km2 e
ainda, o desabitado ilhéu – Pulo Jaco – no Extremo Leste.
O timorense imagina a sua ilha sob a forma de um
monstruoso lafaec (crocodilo), emergindo das águas, o dorso extenso de
semelhante configuração e formado por uma cadeia de montanhas alterosas
que, desde os Extremos Leste e Oeste, vêm subindo, até se encontrarem no
cume do monte Tata-Malau (Ramelau) com, perto de 3.000 metros de
altitude, centro e zénite da ilha. Desta cadeia central derivam as
longas vertentes Norte e Sul, em lento e, acidentado declive, com as
mais variadas paisagens orográficas, até morrerem na planura, da
beira-mar. A orografia timorense é de grande importância na vida daquela
terra, não só pela influência que exerce, na meteorologia local, mas
também pelas características que imprime na psicologia das populações,
que fazem das montanhas o seu
/
158 / habitat preferido, durante a vida e
após a morte, o lugar santo do repouso eterno (Sociedade da Geografia de
Lisboa).
Em Laclubar, o mais importante agente hidrográfico, são
as chuvas reguladas pelo fenómeno das monções. De Outubro a Dezembro
chove abundante e regularmente, em toda a ilha, correspondendo à
primeira época das chuvas. A segunda época pluviosa ocorre de Maio a
Julho, na qual continuam os aguaceiros na costa sul.
Quanto à fauna, viam-se muitas lagartixas e toquês
(lagartixas brancas) a espreitar e a perseguir enxames de baratas
voadoras. O búfalo, o cavalo, o porco, entre outros, constituem a
riqueza animal de Timor. Estes animais vivem à solta, em manadas, ao
sol, à chuva, e à fome no tempo de estiagem.
As cabrinhas vivem também em regime bravio,
empoleirando-se no telhado da palhota ou nos ramos de árvores comuns da
povoação, como os gondões, árvores centenárias, cujas folhas se
imobilizam, cobertas de pirilampos. No mato existe uma espécie de animal
felino chamado "lacu", manhoso, lento de olhos muito vivos, escondido
durante o dia e de noite, o seu miar imita perfeitamente o choro das
crianças. O mais bravio é o veado que aparece em manadas, por toda a
parte. Existem também cobras, ratos, macacos e um grande furão,
importante animal, chamado "meda" degenerado marsupial, que se aproxima
do canguru e é domesticável.
Na família das aves, além das de capoeira (como o galo e
a galinha), existe em grande abundância o pato e pombos. Existem aves
mais típicas como o lorico, um pequeno papagaio, e a catatua, que
ensinada, chega a ganhar certo hábito oral articulatório.
O crocodilo é o animal mais perigoso da fauna timorense,
aninhado em correntes estagnadas aonde, por vezes, arrasta vítimas
incautas, triturando-as sem possibilidade de socorro. Apesar de tudo,
ainda alguns timorenses o tratam como a mascote da terra, servindo-o
supersticiosamente,
/ 159 /
permitindo-lhe todos os abusos que possa praticar em pessoas e animais,
nas zonas mais frequentadas da ribeira. Ali mesmo nas suas margens, vão
colocar-lhe alimentos, para que não passe fome, o monstro, do qual
descende a raça timorense, segundo as teorias do transformismo indígena.
Apesar de ser diferente, os meus primeiros seis meses
foram duros e difíceis. Não se preocupavam em ser mais úteis, conforme
as suas aptidões, simplesmente se construía uma espécie de capitulação
com dignidade. Esse ambiente era doentio, passar o tempo e marcar mais
um dia que faltava para o regresso à metrópole. Não era desterro mas o
que é certo é que era marcante e dizia-se que vínhamos "apanhados pelo
clima". A um comandante do Sector Militar do Interior Laclubar
tinham-lhe atribuído muito pouca verba financeira para o orçamento, e um
dia ordenaram-lhe que se apresentasse a uma reunião de comandantes, em
Díli. Posto isto, passou a si próprio, uma guia de marcha militar para
se apresentar no quartel General, em Díli, a cavalo num "Kuda" (cavalo
timorense).
Mexi com o meu destino e fui mudar a minha sorte. Os
altos comandos de Díli souberam que tinha jogado na Académica de Coimbra
e transferiram-me para Díli. Integrei-me, fui timorense, fui feliz,
realizei-me. Apoiei o desporto, futebol e basquetebol, e o jornalismo
desportivo. O tempo passou depressa. Foram gratos e louvaram-me. Jamais
esquecerei a festa de despedida no Estádio dos Coqueiros, ao atleta e ao
homem. |