De Portugal a Timor, 2.ª Ed., Coimbra, 2024, pp. 143-179

17. Meu testemunho da presença em Timor

Académica de Timor (juniores).

Em Díli "és capital" fui um senhor Alferes "mimado" por todos. Estava na messe dos oficiais, junto à praia e ao porto, onde se comia muito bem e no bar bebia-se o melhor café do mundo, 1/3 do lote arábica e 2/3 do lote robusto de Timor. Foi um privilégio. Recordo-me que em dias de festa, à meia-noite, íamo-nos refrescar no "mar salgado quanto do teu sal são lágrimas de Portugal (...)" (Fernando Pessoa). Para se recordar é necessário viver e, por isso, vivíamos esses momentos únicos, porque tudo o que é vivido ao máximo é recordado para a vida. Assim, com uma / 162 / garrafa de espumante na mão, brindávamos no mar nosso português e saiu num ápice EFFE-R-A intenso e saudoso da minha terra natal, Coimbra, Capital das Ciências e das Civilizações Ocidentais. A torre da Universidade estava presente no desporto – futebol em Timor com o emblema da marca da sua Académica de Timor.

No dia de "São Correio", por ser único e especial, ia com os meus amigos ao Ácem (cantina de um chinês, em Díli) comer camarões do rio e beber a bela cerveja "Laurentina". Calculem que ainda me lembro, que para desenjoar, alternava com rolas fritas. Uma vez, o senhor chinês referiu que não tinha marisco e eu, Alferes Rocha, fui obrigado a fazer uma busca forçada a todos os frigoríficos do dito senhor. Consegui que o melhor marisco escondido aparecesse na mesa dos senhores Oficiais Alferes. Garanto-vos que nunca mais faltou. Fui humano... Não gostávamos de passar por lorpas. Éramos arrogantes.

Via em Díli alguns jipes militares em mãos de civis. Indignei-me e constatei que eram oriundos do equipamento militar que tinham dado "baixa" com autos de ruína prematura militar, com o fundamento de abate, originado pela formiga branca. Também aconteceu. Há quem seja assim...

Adorei dar educação cívica de minha "lavra" dum alferes miliciano ocidental. Aprendi que o Ocidente era diferente do Oriente. Tinham o direito de ser diferentes e deviam ser respeitados. Ouviu-os e reflecti.

Para mim andavam os seus antepassados sempre em guerra, uns contra os outros, pessoas diferentes, bravas até, falavam muitos dialectos e havia muitos reinos, nunca conseguindo territorialmente um império como o conjunto de muitos liurais de reinos. Os missionários conseguiram unir em Cristo e prepararam para uma vida melhor e mais aberta. Criaram ao longo dos tempos, escolas, oficinas e capelas com catequistas, pregando Cristo Redentor. O seu ADN diferenciador é serem católicos apostólicos romanos muito diferentes dos seus vizinhos indonésios, que são o maior / 163 / país islâmico do mundo. Esses meus oficiais de segunda linha falavam bem Tétum e Português e estavam imbuídos dum espírito cultural missionário católico.

Valeu a pena e senti-me útil e irmão. Respeitei sempre a sua cultura e procurei ser universal humanista cristão. Aprendi aí um pouco de Tétum que me iria ser útil mais tarde em Díli.

Tive direito a um mainato, isto é, um serviçal indígena, que falava Português e se chamava Francisco, duma lealdade amiga ímpar, que me arranjou um cavalo timorense (kuda) para o Senhor alferes Rocha conhecer a terra.

O autor num cavalo timorense.

«O cavalo timorense de proveniência árabe, pequeno e nervoso, duma resistência inesgotável, quando bem tratado, constitui para o indígena e para o europeu uma aquisição indispensável, como animal de condução. Os indígenas empregam-no também no transporte de seus artigos a vender no / 164 / bazar, aparelhado com uma sela feita de corda que lhe faz ganhar chagas crónicas, tratadas depois com tabaco e cal. É impressionante o timorense colado a um cavalo bravio, apanhado na manada, segurar-se destribado, em correrias desenfreadas na pista ou na caça do veado. Não se sabe, então, a que ascendência terá ido buscar o timorense aquela destreza de equitação demoníaca. Não existia gado muar nem asinino em Timor e talvez não fosse desacertado de todo procurar introduzir-se até essa espécie de animais de carga, procurando dar-se ao cavalo timorense serviços mais nobres, compatíveis com as suas qualidades.» (Artur Basílio de Sá).

Falava-se na altura que a província de Timor tinha também muito petróleo e que Portugal não o queria explorar porque havia de ser reserva para o futuro. «No longínquo ano de 1658. Isto quer dizer que um século antes dos estabelecimento da capital o fundeadouro de Deli ou Dilly já era frequentado pelas embarcações dos portuguesses possivelmente já no séc. XV, embarcações de lava, da China, e de Macáçar, Molucas tinham aportado em Dille, Hera, Manatuto e Laga por causa da venda de madeira de sândalo, Dylly ou Dilly fazia parte do Reino de Mutael ou Motael. Em 1702 o rei dessa localidade foi a Lifau prestar vassalagem ao governador António Coelho Guerreiro. No lado oposto, a leste, situava-se o Reino de Bidau, ligado ao Reino de Hera. Entre estes dois reinos estendia-se a praia defendida pela restinga de corais, a que tomava a baía segura e tranquila.» (D. Carlos Filipe Ximenes Belo).

«Os seus limites estavam ainda por definir. Reinos havia que jogavam com o facto da dupla soberania, segundo os seus interesses, acolhendo-se, umas vezes à sombra da bandeira portuguesa, outras quando não cumpriam e receavam o castigo, içavam o pavilhão dos holandeses. A estes mais do que a nós, convinha remediar esta situação. A guerra com os ingleses havia-lhes afectado o seu prestígio. Vários reinos, que os holandeses consideravam sob a sua jurisdição, vinham a Dili prestar vassalagem. Por sua / 165 / conveniência, as autoridades de lava tomaram a iniciativa de estabelecer, definitivamente, os limites de ambas as soberanias.

Em 1848 chegou a Dili o comissário Steyn Parvé, enviado pelo governador geral das ilhas Neerlandesas, com instruções para resolver o caso dos limites. Governava então em Timor, José de Silva Vieira, que não tendo instruções de Lisboa, acordou apenas em se ocupar do assunto, com o fim único de preparar os trabalhos prévios a uma rectificação definitiva e nomeou uma comissão. Reclamava o comissário holandês direitos sobre muitos reinos que obedeciam a Portugal, a comissão portuguesa, contestava inteiramente esses direitos, o resultado final destas negociações foi considerar portugueses, todos os reinos que arvoraram a bandeira portuguesa, e holandeses os que atestavam o pavilhão holandês. Em 1850 o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos voltava ao assunto insistindo para que fosse arrumada a questão dos limites. A 9 de Novembro de 1850 partiu de Lisboa o conselheiro Lopes de Lima, como governador e comissário régio, com poderes para nomear uma comissão na ilha, que negociasse com os representantes holandeses a demarcação dos limites entre os territórios de ambas as nações. O acordo a que chegassem seria definitivamente resolvido pelos dois governos, ficando ad referendum para o governo de sua Majestade Fidelíssima qualquer estipulação em que as duas comissões convenham (art. 4° das instruções). Estas nos encontros vários que realizaram compuseram um acordo em que Portugal cedia à Holanda a ilha de Flores e desistia de quaisquer intenções sobre o arquipélago de Solor e outras ilhas mais pequenas. Em compensação Holanda entregaria ao governo de Timor a quantia de 200.000 florins, em prestações de 80.000, devendo aquelas ilhas passar para o domínio holandês, logo que Timor recebe-se a primeira prestação. Nesta ilha as coisas ficaram mais ou menos como estavam, indicando-se os respectivos reinos limítrofes.

Lopes de Lima aceitou a primeira prestação, e entregou aos holandeses, / 166 / a ilha de Flores e outros territórios. O padre Gregório foi incumbido de assistir ao arrear da nossa bandeira para evitar uma revolta, pois os larantuqueiros recusavam-se a passar para o domínio holandês. O governo de Lisboa, logo que soube do que se passava procurou reparar o mal, dando ordem de prisão a Lopes de Lima, que morreu a caminho da Metrópole, e propondo novos entendimentos a que o holandeses se esquivaram pois o acordo celebrado, pelas comissões em Timor, tinha entrado em execução e a ilha de Flores estava já em sua posse.

Deste modo o governo da Metrópole teve que rectificar o desastre de Lopes de Lima pelo tratado de 20 de Abril de 1860.

Lopes de Lima ignorava por completo o valor da ilha de Flores e, por isso, não teve escrúpulos em vendê-la por 200.000 florins; depois, as dificuldades financeiras, que não permitiam satisfazer as despesas mais urgentes levaram-no a cair no dolo holandês de aceitar a primeira prestação.

A delimitação dos nossos domínios estava feita com imensa desvantagem e infelicidade para nós, o que importava, agora, era valorizar o pouco que nos ficara do quanto fora nosso naquelas paragens, onde somos ainda hoje, respeitados e queridos.» (Artur Basílio de Sá).

«Os nossos domínios estavam definidos. Impunham-se, pois, a sua ocupação, em todos os sectores. Tínhamos passado mais três séculos em pelejas constantes, a fim de evitar que a nossa presença na ilha se extinguisse. Depois acautelar nossos direitos de ambições que faziam concorrência à nossa expansão naquela terra conseguimos enfim salvaguardar a nossa soberania. Era necessário, agora exercê-la em todas as parcelas do território que nos pertenciam, pois até aqui, primeiro Lifau, depois Díli, era os redutos onde, praticamente, nos vinha sendo permitido mandar.»" (Artur Basílio de Sá).

«No prosseguimento das conversações, o residente de Kupang, barão Von Lynden, deslocou-se a Díli durante o mês de Julho, conferenciou / 167 / com Lopes de Lima, que era assessorado pelo régulo leal de Motael, um homem que era considerado como tendo vasto conhecimento das alianças das redes locais em Timor e nas ilhas. Pélisser, que estudou as fontes holandesas sobre este assunto, sugere que Lopes de Lima não estava apenas manietado, era também um homem condenado. Díli estava na Banca Rôta e certas práticas de comércio ilegal eram correntes. Certamente conforme Boxer observa, Lopes de Lima apenas tinha poderes para negociar ad referendum e consequentemente, não podia actuar sem referir o assunto a Lisboa.» (Geoffrey C. Gunn).

«A perda dos territórios em Solor e Flores.

Até meados do séc. XIX, os holandeses tinham praticamente ocupa

do grande parte da Província de Servião (Sonbai) toda a ilha das Flores, excepto Larantuca, as ilhas de Adonara, Lomblem, Pantar, Alor, excepto Solor, e tinham içado a bandeira neerlandesa nesses territórios. O último reduto português a ser usurpado foi Atapupo, em 1818. Nessa província de Servião, Portugal conservava apenas os enclaves de Ouécusse, Ambeno e Noemuti. A Holanda sentia-se cada vez mais forte e iria exigir também a parte oriental da ilha de Timor, apresentando as antigas pretensões de que Timor era uma suserania do reino de Temate (Molucas). Portugal, uma potência distante, assoberbada com outros problemas nos territórios de África, não tinha capacidade para administrar a longínqua colónia de Timor. Contínuos esforços de anexar e desanexar as ilhas de Timor e Solor ao Estado da Índia ou à província de Macau não favoreciam o desenvolvimento do território, sempre em estado de precariedade, por falta de orçamentos financeiros, e mais pelos actos de sublevações dos reinos no interior do território a fim de terminar com a incerteza dos limites entre as duas possessões...» (D. Carlos Filipe Ximenes Belo).

Transcrevi textos anteriores de Artur de Sá, D. Ximenes Belo e de Geoffrey C. Gunn que nos relatam factos históricos de Timor, Flores e / 168 / Solor, em que se evidencia que nas ilhas de Flores existe uma comunidade extraordinária de cristãos-lusos em Larantuca que foi vendida por 200.000 florins aos holandeses, protestantes europeus. É com muita admiração que constato que essencialmente o povo de Larantuca não aceitou a venda do seu território sito na ilha de Flores, dado que no contracto nem se quer tinha sido consignado a garantia de liberdade de culto católico, o humanismo cristão a revelar-se, apesar de ter sido vendida aos holandeses sem terem sido mandatados pela Coroa Portuguesa e serem considerados adversários de Portugal. "Je suis Larantuca".

Não resisto a mencionar um texto de José António Cerejo: «No meio dos mares indonésios, entre Timor e Java, algumas centenas ou milhares de católicos rezam em português, numa ilha chamada Flores e celebrava em Abril os últimos 400 anos da Semana Santa local. São o testemunho vivo de uma tradição que teima em manter-se, com confraria e imagens sacras portuguesas, mesmo se os fiéis já não conhecem senão o vago sentido das suas preces – 40 anos depois de o último missionário e soldado do reino ter deixado a ilha vendida aos holandeses em 1859, por 200.000 mil florins e um pequeno enclave em Timor Leste, esta antiga possessão de Lisboa ainda tem 80% de católicos, em perto de um milhão de habitantes, mas a vila de Larantuca é praticamente o último reduto de Semana Santa dos portugueses(1)

No mesmo artigo é referido que ainda é ocupado o cargo de procurador da confraria Rainha do Rosário de Larantuca que identifica a sua sede – uma Irmandade Católica reconhecida pelo Papa Gregório XVI, desde o ano de 1662. O presidente da irmandade era o rei de Larantuca que deixou de o ser, face ao reino não ter rei. As mulheres católicas ao sábado na "Kapele / 169 / Marie", o tempo privativo de "confraria às Ma-Ma Meji" (mães cantoras da terra), todas as manhãs recitavam os cânticos e rezas que herdaram dos seus antepassados. Mais constatei que no lugar de honra na procissão vão as imagens da Mater Dolorosa e de Maria Aleluia (ou Rainha do Rosário) com o menino e em solenes procissões provenientes de ermidas dos arredores.

O que sabem dos portugueses não vem na História mas o que a Holanda e Jacarta fizeram nas Flores conhecem. Ocultam de quem veio o nome das Flores. O que destas coisas as pessoas entendem aprenderam-nas na vida, na Fé que não explicam, nas raízes que prendem sem se saber até onde vão. O que eles conhecem dos portugueses, uma vaga gente que por aí andou, resume-se com duas palavras - "Semana Santa", que desde há 400 anos nomeiam a maior das festividades religiosas deste território.

«Até ao inicio do séc. XVII eram Solor e Timor e não Timor, que constituíam o foco das actividades comerciais portuguesas e holandesas no arquipélago Oriental, Timor – incluindo as partes de Lifau, Kupang, Bahão na baía de Kupang e Díli – era visitado periodicamente pelos portugueses durante o período de predominância de Solor, mas não havia um estabelecimento permanente português e nenhuma população da ilha se encontrava sob a autoridade portuguesa. Ainda está por estudar como e porque razão a ilha de Timor, chamada de St.ª Cruz pelas primeiras missões veio a surgir nos fins do séc. XVII, na ribalta das rivalidades coloniais no arquipélago. Também ainda está por determinar-se tal como sucedeu em Solor, Portugal também se viu obrigado a uma acomodação e a enquadrar os circuitos comerciais chineses que tomaram comercialmente viável aquele empreendimento.» (Geoffrey C. Gunn).

Devo referir que Timor nunca foi esquecido pela coroa e pelos portugueses. Foi muito relevante. Vejamos: «Mas a indignação na Metrópole pela perda de territórios exigia uma consolação. Em 1858 foi nomeado um novo plenipotenciário português que propôs à Holanda a cedência / 170 / a Portugal de toda a ilha de Timor em troca das cedências já feitas nas Flores e das ilhas e ainda de um indeterminado território português em África. Embora, em princípio os holandeses não fossem avessos à troca de territórios, quando tal lhes convinha, a ideia de uma grande Timor Lusófona não foi aceite.» (Geoffrey C. Gunn).

«Lifau como maior base local de poderio português em Timor, a presença portuguesa era cada vez mais vista como um poder delegado num grupo euro-asiático, católico e crioulo de Língua Portuguesa. Tal como Dampier observou, os indivíduos deste grupo resultavam de uma mistura de ligações de nativos com portugueses, chineses, holandeses e eram chamados Schwartz Portuguese (portugueses pretos), Topasses ou Larantuqueiros (...).

Indubitavelmente o Dampier, que dá o retracto mais colorido dos topasses (europeus) de Lifau, embora não utilize este termo. Na verdade, teve dificuldade em distinguir quem em Lifau era português ou era nativo especialmente porque a língua de todos era Português e a religião romana. Num eloquente comentário sobre as relações do poder, surge que "eles parecem reconhecer nominalmente, o Rei de Portugal como soberano, no entanto não aceitam qualquer autoridade por este enviada." (Geoffrey C. Gunn).

«Não é claro que as autoridades portuguesas alguma vez hajam encarado a completa substituição do Tétum e de outros dialectos na instrução primária, mas reconheceu-se que era impossível ensinar as crianças num babel de línguas diferentes. Também não é muito claro que o propósito oficial mas ao abrigo da nova legislação as escolas de Timor deveriam atingir um equilíbrio com as da Metrópole, o que sugeria um maior papel reservado ao Português, a par do Tétum (...)

Na realidade e como escreveu nos anos 30 o compilador de um dicionário Tétum-Português, mesmo após quatro séculos era inconcebível que / 171 / os timorenses não falassem Português. A estrutura "tribal" de Timor, o extremo isolamento de várias comunidades e a história de guerra intestinas, tudo contribuía para o evitar a generalização do Português. Pelo contrário, eram os Portugueses e as autoridades militares, civis e eclesiásticas, bem como os proprietários de plantações, que tinham de aprender Tétum ou pelo menos a versão latinizada de Tétum chamada Díli Tétum ou praça Tétum. A publicação de vários dicionários, catecismos e outras obras em Tétum ou sobre Tétum aceleram efectivamente o processo que levou à expansão e ao domínio desta língua sobre as outras línguas e dialectos." (Geoffrey C. Gunn).

É importante também saber-se o seguinte:

«Em Kupang (Cupão) deu-se por força da presença dos religiosos do minicanos à conversão ao catolicismo dos reis (liurais) de Cupão, Mera e de Lifau.

Tanto os religiosos dominicanos como os reinos convertidos de Timor e ilhas circunvizinhas tiveram de enfrentar muitos ataques de inimigos da fé e da soberania portuguesa. Aproveitando-se da queda de Malaca em 1641, os seis muçulmanos de Java e das Celebes tentaram apoderar-se dos reinos convertidos convidando-os a obedecer ao Islamismo. Nesse domínio o soberano de Macaçar foi aquele que quis estender o seu domínio para sul das Celebes. Os seus habitantes, os chamados macaçares e bugis, já convertidos ao Islamismo promoveram a islamização pela força dos reinos e pagãos e aprisionamento de nativos para vender aos holandeses. Atacaram a ilha de Sumbava em 1617, Lombok em 1624, Buton em 1624, Solor e Flores em 1641. Derrotado pelos frades e pelos portugueses e Larantuca, o sultão Muzhafar de Talo dirigiu a sua armada para ilha de Timor, atacando em Julho de 1641 alguns reinos da costa e reembarcando a sua frota, carregado de espojos, ao fim de três meses de chacina e devastação. / 172 /

Foi, neste contexto, que as rainhas de Mera e de Lifau celebraram um pacto com o Padre Frei António de S. Jacinto, prometendo dar a EI-Rei de Portugal as minas de ouro que estavam nos seus reinos, ao que EI-Rei os tome debaixo da sua protecção e amparo para as defender dos seus inimigos, que não são mais que os macaçares ficando-lhes só sândalo para vender livremente, por ser o com que se hão-de sustentar.» (D. Carlos Filipe Ximenes Belo).

«No ano de 1661 a Regência de Portugal estabelece um acordo com a Companhia da Índias Orientais fixando bases seguras de ocupação das ilhas de Flores, Solor e Timor. A coroa de Portugal reconheceu aos holandeses posse de Cupão (Kupang ou Coepangue) e os territórios ocidentais já ocupados. A companhia reconheceu a Portugal a soberania sobre a aldeia de Larantuca na ilha das flores e implicitamente as possessões já ocupadas na ilha de Timor. A partir do ano de 1662, resolvem os frades e o Capitão mor escolher uma localidade para aí se estabelecer a capitania. E a escolha recaiu sobre a enseada de Lifau, que se tomou a primeira capital das ilhas de Timor, Flores e Solor.» (D. Carlos Filipe Ximenes Belo).

«Relatam os historiadores dominicanos que as conversões de vários reinos de Timor, no segundo quartel dos século XVII e a derrota dos inimigos de fé (mouros e holandeses luteranos) se devem à intervenção especial do Céu. E esta intervenção produziu-se através de três acontecimentos:

1. O aparecimento da Cruz de Cristo no céu de Timor, em 1641 (...)

2. Segundo facto milagroso. Nossa Senhora suava sangue (...)

3. Terceiro facto milagroso: o próprio patriarca São Domingos de Gusmão pelejava ao lado dos seus filhos (...)

Estes factos e outros que se seguiram ao aparecimento no céu de Timor da Cruz Redentora levaram os frades e os cristãos a chamar à ilha de Timor a "ilha de Sta Cruz".» (D. Carlos Flipe Ximenes Belo).


O autor na messe de oficiais.

Verifiquei que em Timor o futebol nos unia. Em Díli, em 1967, existiam o Benfica, o Sporting, a Académica, o União e o CAFÉ.

Souberam que eu era militar no sector militar de Laclubar, onde teria de permanecer um ano em serviço, regra normal de então para ser transferido. Mais sabiam que tinha jogado futebol na Académica de Coimbra.

 Eis quando excepcionalmente ao fim de seis meses fui colocado em Díli, na Companhia de Formação do Hospital Militar, em que tive a sorte de ter como Comandante um Senhor Coronel Médico Aurélio Afonso dos Reis de Coimbra, que pertenceu ao grupo ímpar de guitarristas/viola de Coimbra com o Professor Doutor Brojo e António Portugal.

Em Díli fui alferes miliciano e desenvolvi o futebol jogando na Académica de Timor. Era convidado para festas familiares, casamentos, enfim era "lá de casa" e ia-me deslocando na minha moto Suzuki 50 para todo o lado. Fui feliz, joguei na Académica de Timor, director, capitão, treinador dos juniores da Académica, dei o meu melhor... Foi bom.

No ano seguinte tive uma proposta do "Pinto da Costa" de Timor, o Senhor Manuel Carrascalão, dono da ACAIT (Associação de café de Timor) e presidente do Benfica Díli. Fui recebido com pompa e circunstância. Seria a transferência do ano para o Benfica, melhor equipa nesse tempo. Se mudasse receberia uma moto e mais regalias... Pedi desculpa e respondi-lhe que não podia aceitar porque adorava a Académica de Timor e também já tinha uma Suzuki 50 cm3.

Não insistiu o senhor Manuel Carrascalão, casado com uma princesa timorense e com muitos filhos. Foi um gentleman, um gentil homem, um homem de posição elevada na sociedade de Díli, um senhor português sempre.

Sei que com eles o tempo passava depressa.

Um dia organizámos dois jogos internacionais com a selecção de Kupang (Indonésia) na capital de Timor indonésio e, que já tinha outrora pertencido a Timor português, antes da limitação de 1851/1852 de Timor actual. Lembro-me como se fosse hoje que jogámos futebol, num estádio cheio e que ganhámos por 1-0 e 7-0, respectivamente nos dois jogos que disputámos. Fomos muito bem recebidos, portugueses e timorenses, por uma multidão amiga. Impressionei-me porque nos beliscavam considerando os "metropolitanos" como quase sobre-humanos, fazendo jus à designação de malai-bote (malaio grande). Seríamos de carne e osso?! Que sensação testemunhei e jamais vou esquecer o que um grupo de jovens católicos nos proporcionou. Os mesmos levaram-nos a uma relíquia misteriosa. Era uma gruta onde estava uma "Nossa Senhora dos Portugueses" e rezámos com eles num Português antigo, mas ainda inteligível – Avé Maria, cheia de graça! o Senhor é convosco; o Creio em Deus, Todo o Poderoso; o Sinal da Cruz e o Pai Nosso. Soubemos que era obra dos dominicanos portugueses. Não consegui saber que Senhora era. Não sei se era a Senhora do Rosário ou da Aleluia, vindas de Malaca ou se era a Senhora mais recente trazida de Fátima. Emocionei-me e chorei de alegria, feliz com os dois jogadores nativos MeIo (Benfica) e Arpad (Sporting) timorenses de Díli. Retratei momentos marcantes da minha vida. Lá longe, no mar azul sem fim, encontrei e senti portugalidade fraterna cristã universal humanista.

Não me esqueço também que quando parti, fizeram uma festa de despedida no Estádio dos Coqueiros, onde foi realçada a minha prestação positiva no desporto de Timor, louvando-me pela minha entrega. Bonito!

Depois de Timor já conheci Guiné-Bissau, ilhas de Bijagós, Cabo Verde (ilhas de S. Vicente, S. Antão e Sal), Macau, Rio de Janeiro (casa das Beiras). Os portugueses fizeram muito mais do que menos.

«Brada o pregador, e não cesses, levanta a tua voz como trombeta, desengana o meu povo, anuncia-lhe os seus pecados e diz-lhe o estado em que estão.» (Padre António Vieira).

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(1) – Designado Tradição Domingo, 28 de Novembro de 1999 – Semana Santa de Larantuca, ilha de Flores – A festa portuguesa dos indonésios
 

Apenas algumas das 23 imagens deste capítulo. Imagens do Autor neste espaço: ███