A história
que vão ler foi-me contada por um ceboleiro que me afirmou que ela não
foi inventada por nenhum cagaréu.
Aí vai ela:
– Dois amigos, um dos quais muito pacato, com uma vida muito metódica,
e, até, relativamente, religiosa, e o outro um «estoira vergas», «rapioqueiro»
e desordenado, morreram na mesma ocasião, sendo a morte de ambos
motivada por um desastre de automóveis.
Passado um
ano, um amigo comum, também morreu; e, chegado que foi junto de S.
Pedro, pediu-lhe informações acerca do caminho que cada um levou.
Prestou-se
S. Pedro a dar essa informação; e, depois de consultar os seus
apontamentos, disse-lhe que o primeiro estava no Purgatório; e, perante
a admiração do amigo, S. Pedro informou-o de que, apesar da vida que ele
fazia, havia uns «pecadinhos» pelos quais precisava de penitenciar-se. O
segundo estava no Inferno; e mostrou-lhe um diorama no qual se via
aquele cavalheiro muito bem instalado, com uma «loiraça» espampanante a
seu lado, uma mesa com frascos, garrafas e copos e, na frente, uma
piscina.
Em face do
que viu, o amigo, muito entusiasmado, diz a S. Pedro que, se aquilo é o
Inferno, também ele gostava de ir para lá. S. Pedro, porém, modera-lhe o
entusiasmo e diz-lhe que, antes de tomar qualquer resolução, ouça a
explicação que vai dar-lhe.
A «loiraça»,
diz S. Pedro, é a esposa que, durante todo o dia, e ralada de ciúmes,
lhe quebra a cabeça; os frascos e garrafas são de «uísque» fabricado em
Sacavém, e que ele tem que beber; a piscina é cheia com água do Canal
Central da Ria de Aveiro, aquando da maré baixa.
Na verdade,
a historieta não podia ser inventada por nenhum cagaréu, pois todos
sabem que, se em certas ocasiões, o Canal Central e o da Praça do Peixe
exalam cheio pouco agradável, não é menos verdade que, daí a pouco, a
maré enche e temos um espectáculo lindíssimo e de que poucas terras se
poderão orgulhar.
E, a
propósito do termo cagaréu com que são designados os naturais de Aveiro,
ou melhor, os da freguesia da Vera-Cruz, confesso que, de positivo, nada
sei; no entretanto, numa conversa que tive, há anos, com o saudoso
professor Dr. José Pereira Tavares e o meu ilustre amigo
Dr.
David Cristo, ouvi duas hipóteses para o caso. Uma delas é que
cagaréu podia provir do termo cagarete que, nos barcos, é o lugar onde
os barqueiros se assentam para satisfazerem as suas necessidades
fisiológicas para a Ria; outra, que cagaréu era um caranguejo
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muito pequeno, que então existia em muita abundância e que as gentes da
beira-mar apanhavam para vender para «escaço», isto é, para adubar as
terras, depois de, devidamente, curtido.
Este
«escaço» era vendido para os lavradores das margens da Ria; e essa
gente, quando se queria referir aos seus fornecedores chamava-lhes os
«homens do cagaréu» ou, simplesmente, os «cagaréus».
Quanto ao
termo ceboleiros parece não oferecer dúvidas, pois que a freguesia da
Glória era composta de lugares onde imperava a horticultura: Santiago,
Vilar, S. Bernardo e parte da Quinta do Gato, sendo os seus habitantes
em muito maior número do que os da cidade, que daquela freguesia, faziam
parte.
– Com
estas achegas terei ajudado alguém a procurar a verdade? |