O lamiré para o assunto
que me proponho tratar nestas Achegas – ANTIGOS USOS, COSTUMES E FACTOS
DA NOSSA BEIRA-MAR – foi-me dado pelo José Gamelas, que tem como
principal profissão a de marnoto e que, nos intervalos das safras das
marinhas, exerce, também, a de calafate, como, aliás, acontece com
outros seus colegas; esta última actividade vão-na desempenhar nos
estaleiros que se dedicam à construção e reparação dos navios de
madeira.
Foi nos estaleiros
Navais de
Manuel Maria Mónica
(cujo proprietário, o Manuel Mónica, foi homem muito afamado pela sua
grande habilidade e extraordinários conhecimentos práticos no que diz
respeito a assuntos de construção naval) que foi construída a NAU
PORTUGAL, reproduzindo um dos tipos de navios usados pelos portugueses
nas suas descobertas e conquistas, no Século XV, que assombraram o Mundo
e que, ainda hoje, são a admiração daqueles que se dedicam aos estudos
da História Universal.
Li algures que a ida à
Lua, pelos americanos, só tinha comparação com as descobertas dos
portugueses.
Na revista teatral MÔLHO
DE ESCABECHE, o
Dr. Luís Regala,
pela boca do Chico da Nau, descreve-a assim, na segunda estrofe do seu
fado:
Foi
numa Nau como aquela,
Desafiando a procela,
Que
partiu Vasco da Gama;
E foi
tanta a galhardia,
Que
essa sua valentia
Nos
deu séculos de fama.
A Nau Portugal foi ideia
de
Leitão de Barros
(Secretário-Geral da EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS), um dos números das
grandes festas que se realizaram em 1940 para comemorar o oitavo
centenário da fundação da nacionalidade portuguesa, e destinada, não só
a figurar na referida Exposição, como, também, após a mesma, servir de
mostruário ambulante das indústrias portuguesas junto de várias nações,
e, especialmente, no Brasil.
Teve, infelizmente, um fim muito diverso
daquele para que foi concebida, pois terminou como barcaça de carga
costeira, a navegar a reboque.
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Logo que o projecto lhe
foi entregue, o Mestre Manuel Maria pôs em dúvida as qualidades de
navegação da referida Nau, apesar deste projecto ter sido elaborado por
um distintíssimo oficial da nossa Armada, e baseado em desenhos antigos.
Entretanto, ela foi
construída e acabada com amor e carinho, não se poupando Leitão de
Barros – o homem que já organizara o CORTEJO HISTÓRICO DE LISBOA – às
despesas necessárias para se fazer uma decoração luxuosa (método que
empregava em tudo aquilo em que se metia, até, mesmo, nos vários filmes
que realizou), pois a Nau Portugal, depois de figurar na exposição a que
fiz referência, destinava-se, como já disse, a fazer a propaganda do
nosso País por todo o Mundo – e era indispensável fazê-la com toda a
dignidade.
Quando foi do bota-abaixo,
Leitão de Barros exigiu que o fosse com os mastros já no local, indo
contra a opinião do Mestre Manuel Maria. Este estava convencido de que
a Nau Portugal viraria ao chegar à Ria; e, tanto assim, que não permitiu
que o nosso saudoso Arcebispo-Bispo, o ilustríssimo Aveirense
D. João
Evangelista de Lima Vidal
(que a benzeu e a visitou interiormente) se mantivesse na Nau durante a
sua descida pela carreira, apesar do muito empenho que ele tinha
mostrado nisso. E, até no cortar do cabo que a segurava à terra, Mestre
Manuel Maria usou de uma fórmula diferente daquela que normalmente
usava, dizendo: –
Em nome de Deus e do Estado Novo, vamos tentar pôr a flutuar a Nau
Portugal.
A enormíssima multidão que
assistiu ao lançamento – habituada a ver os barcos feitos naqueles
estaleiros chegarem à água e nela deslizarem com toda a garbosidade –
sentiu o insucesso deste acto, com lágrimas a correrem pela cara, quando
a Nau Portugal tombou, logo após a saída da carreira.
Então, o lançar a nau ao
mar correspondeu ao seu significado: realizar uma empresa muito difícil!
A Nau Portugal chegou a
figurar na Exposição; mas, para lá chegar, houve que utilizar métodos de
navegação que não eram os seus.
Desculpem-me o desvio que
fiz do assunto que me propus tratar, mas, numa próxima, já voltaremos a
reatar o fio à meada. |