Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

Nau Portugal

O lamiré para o assunto que me proponho tratar nestas Achegas – ANTIGOS USOS, COSTUMES E FACTOS DA NOSSA BEIRA-MAR – foi-me dado pelo José Gamelas, que tem como principal profissão a de marnoto e que, nos intervalos das safras das marinhas, exerce, também, a de calafate, como, aliás, acontece com outros seus colegas; esta última actividade vão-na desempenhar nos estaleiros que se dedicam à construção e reparação dos navios de madeira.

Foi nos estaleiros Navais de Manuel Maria Mónica (cujo proprietário, o Manuel Mónica, foi homem muito afamado pela sua grande habilidade e extraordinários conhecimentos práticos no que diz respeito a assuntos de construção naval) que foi construída a NAU PORTUGAL, reproduzindo um dos tipos de navios usados pelos portugueses nas suas descobertas e conquistas, no Século XV, que assombraram o Mundo e que, ainda hoje, são a admiração daqueles que se dedicam aos estudos da História Universal.

Li algures que a ida à Lua, pelos americanos, só tinha comparação com as descobertas dos portugueses.

Na revista teatral MÔLHO DE ESCABECHE, o Dr. Luís Regala, pela boca do Chico da Nau, descreve-a assim, na segunda estrofe do seu fado:

Foi numa Nau como aquela,

Desafiando a procela,

Que partiu Vasco da Gama;

E foi tanta a galhardia,

Que essa sua valentia

Nos deu séculos de fama.

A Nau Portugal foi ideia de Leitão de Barros (Secretário-Geral da EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS), um dos números das grandes festas que se realizaram em 1940 para comemorar o oitavo centenário da fundação da nacionalidade portuguesa, e destinada, não só a figurar na referida Exposição, como, também, após a mesma, servir de mostruário ambulante das indústrias portuguesas junto de várias nações, e, especialmente, no Brasil.

Teve, infelizmente, um fim muito diverso daquele para que foi concebida, pois terminou como barcaça de carga costeira, a navegar a reboque. / 178 /

Logo que o projecto lhe foi entregue, o Mestre Manuel Maria pôs em dúvida as qualidades de navegação da referida Nau, apesar deste projecto ter sido elaborado por um distintíssimo oficial da nossa Armada, e baseado em desenhos antigos.

Entretanto, ela foi construída e acabada com amor e carinho, não se poupando Leitão de Barros – o homem que já organizara o CORTEJO HISTÓRICO DE LISBOA – às despesas necessárias para se fazer uma decoração luxuosa (método que empregava em tudo aquilo em que se metia, até, mesmo, nos vários filmes que realizou), pois a Nau Portugal, depois de figurar na exposição a que fiz referência, destinava-se, como já disse, a fazer a propaganda do nosso País por todo o Mundo – e era indispensável fazê-la com toda a dignidade.

Quando foi do bota-abaixo, Leitão de Barros exigiu que o fosse com os mastros já no local, indo contra a opinião do Mestre Manuel Maria. Este estava convencido de que a Nau Portugal viraria ao chegar à Ria; e, tanto assim, que não permitiu que o nosso saudoso Arcebispo-Bispo, o ilustríssimo Aveirense D. João Evangelista de Lima Vidal (que a benzeu e a visitou interiormente) se mantivesse na Nau durante a sua descida pela carreira, apesar do muito empenho que ele tinha mostrado nisso. E, até no cortar do cabo que a segurava à terra, Mestre Manuel Maria usou de uma fórmula diferente daquela que normalmente usava, dizendo: – Em nome de Deus e do Estado Novo, vamos tentar pôr a flutuar a Nau Portugal.

A enormíssima multidão que assistiu ao lançamento – habituada a ver os barcos feitos naqueles estaleiros chegarem à água e nela deslizarem com toda a garbosidade – sentiu o insucesso deste acto, com lágrimas a correrem pela cara, quando a Nau Portugal tombou, logo após a saída da carreira.

Então, o lançar a nau ao mar correspondeu ao seu significado: realizar uma empresa muito difícil!

A Nau Portugal chegou a figurar na Exposição; mas, para lá chegar, houve que utilizar métodos de navegação que não eram os seus.

Desculpem-me o desvio que fiz do assunto que me propus tratar, mas, numa próxima, já voltaremos a reatar o fio à meada.

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