Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

Corridas de motos

Estão agora muito em moda as competições entre motorizadas (os veículos que vieram resolver muitos problemas de transportes pessoais e, pela falta de consciência de grande parte dos seus utilizadores, serem a causa da maioria dos desastres que ocorrem nas estradas do nosso País); também, entre os veículos de duas rodas mais potentes, as motocicletas, há grandes competições.

Constroem-se campos destinados especialmente para neles se praticarem, não só corridas de velocidade, como também «moto-cross», quer com motocicletas, quer com motorizadas, procurando interessar o público na exibição daqueles desportos.

Apesar de não gostar das motorizadas, pelo abuso que delas fazem os seus utentes, que, além dos desastres que ocasionam nas estradas, nos dão cabo dos ouvidos com a barulheira infernal que os que as tripulam se permitem fazer, andando com os escapes abertos, sou obrigado a reconhecer a sua grande, mesmo enorme, utilidade, permitindo as deslocações, que dificilmente se conseguiriam com as bicicletas a pedais. / 173 /

Nos anos trinta, em que ainda não havia os motociclos actuais, já existiam as motocicletas – algumas de grande potência como eram as HARLEY DAVIDSON, as NORTON e as B.S.A., com as quais se organizavam corridas de competição que atraíam muitos adeptos de tais desportos.

Para se conseguirem transportes rápidos, e porque não havia automóveis em quantidade, como hoje há, às motos atrelavam-se-lhes, ao lado, uns carritos denominados «side-car», que transportavam, com comodidade relativa, um passageiro. Havia mesmo destes veículos para alugar.


Moto com «side-car». Fotografia tirada na Barra em 22 de Junho de 1922, por um aveirense apaixonado por fotografia e motos, Lívio Salgueiro.

Na corporação da Polícia local existia uma moto, com «side-car», normalmente conduzida pelo Chefe Vidal, e que levava como tripulante o Comandante da referida Corporação.

Foi essa moto, e o seu condutor, que aborreceram o falecido Ministro Duarte Pacheco, aquando da inauguração da Ponte de Angeja, a ponto de exigir que o livrassem de tal praga que o perseguia e não o deixava em paz, a ele que pretendia andar à vontade para examinar aquilo que tinha interesse em ver.

E, no entretanto, era por bem que o Chefe Vidal acompanhava o Ministro, e fazia-o por ordem superior…

Antes de aparecerem as actuais motorizadas, houve – e estiveram muito em moda – as bicicletas a pedais com motores auxiliares: as «mobilettes» (francesas) e as «cuciolos» (italianas) e, ainda, outras marcas. Mais tarde, apareceram no mercado motores avulso, para serem aplicados com facilidade às bicicletas que andavam em circulação.

E houve entusiasmo na sua aplicação, tanto assim que, quando os Galitos, para disputarem o campeonato mundial de remo, foram a Itália, aos acompanhantes da equipa foi-lhes entregue dinheiro para lá comprarem motores «cucciolo»(1), na convicção em que estavam os pretendentes à aquisição daqueles motores de que os adquiriram muito mais baratos do que no mercado português, pois tais motores eram de fabrico italiano.

Os remadores não trouxeram os motores encomendados, pois verificaram que eles eram mais caros lá do que cá, sendo este fenómeno resultante do auxílio prestado pelo Governo às mercadorias destinadas à exportação.

As bicicletas com motor davam, salvo erro, o máximo de 20 Kms horários e destinavam-se, especialmente, a ajudar a subir as ladeiras.

O que ficou escrito é, apenas, o intróito daquilo que contarei em seguida.

Em 1930, um grupo de carolas dos «Bombeiros Novos», com o intuito de obter receitas para aquela corporação, lembraram-se de aproveitar o enorme / 174 / entusiasmo que, nessa altura, havia pelas corridas de motos, organizando em Aveiro uma competição daquele género, convictos, como estavam, de conseguirem bons resultados financeiros, pois, para verem as corridas de motos, deslocavam-se de longes terras multidões de pessoas.

Estudaram qual seria o melhor local para a pista (em Aveiro ou nos arredores) e concluíram, com a ajuda de corredores profissionais que consultaram, que o triângulo formado pelas estradas saídas da Ponte da Barra para o Farol e para a Costa Nova, pela marginal da Ria (linda estrada que os temporais estragaram e as autoridades não repararam a tempo e horas), até ao encontro da que, do Farol vai até à Costa Nova, seria a pista ideal, visto ter um percurso de 5 kms, ser fácil de fechar ao trânsito (sem causar grandes transtornos ao público) e a brisa marítima refrescar os motores das motos, mantendo-os em boa carburação. Além disso, as areias que bordam as estradas serviam, não só para os mirones observarem as provas sem perigo de maior, como, ainda, para amortecer os choques de quaisquer trambolhões que viessem a dar-se.

Houve quem entendesse (há-os sempre!) ser atrevimento tal organização e receasse o insucesso financeiro deste empreendimento, não só pela pista ficar afastada da cidade, como também por ser a sua área de difícil fiscalização, quer ao longo da Ria, quer ao longo do mar.

Com o entusiasmo dos organizadores e a boa vontade de todos os que aceitaram colaborar com eles, incluindo todas as autoridades, conseguiram levar a bom termo a tarefa que se propuseram e obter alguns resultados financeiros: foi uma boa experiência.

A Direcção das Estradas tomou ao seu encargo ter em boas condições o piso da pista, por forma a que os concorrentes não tivessem motivo para fazer reclamações. O Regimento de Cavalaria destacou soldados a cavalo para vigiar a estrada paralela ao mar; os Bombeiros encarregaram-se de vender os bilhetes em bilheteiras montadas em Aveiro, à entrada da Ponte da Barra e na estrada da Costa Nova; a Polícia de Segurança Pública determinou o encerramento, com a devida antecedência, do trânsito para a Costa Nova e para a Barra, estabelecendo que, quem tivesse necessidade de ir para aquela praia, se servisse da estrada de Ílhavo, devendo, para a Barra, os peões seguirem pelo paredão; e a Polícia também ajudou os Bombeiros nos problemas que surgiram com a missão de que estavam encarregados.

A organização – sem que ninguém, alguma vez, tivesse andado metido nestas andanças – teve de montar a parte técnica da corrida: partidas e chegadas dos corredores; tempos gastos por cada um dos concorrentes; velocidades médias de cada volta; fiscalização da pista, etc., etc.

Disto se encarregou o meu saudoso amigo José Duarte Simão que, dotado de grande capacidade de organização e grande dinamismo, formou várias equipas / 175 / com as quais discutiu o plano que idealizou e estudou e por quem distribuiu as missões que entendeu serem indispensáveis para se atingirem os fins em vista.

Para uma destas equipas, também eu fui caçado – eu, que era todo dos «Bombeiros Velhos» –, não só pela amizade que havia entre mim e o Simão, mas, também, e principalmente, pelo facto de ter prática de cronometrar provas atléticas; e, apesar de não termos a aparelhagem que hoje há para este efeito, lá nos safámos, sem motivo para reclamações, daquela missão que, de entrada, nos pareceu um bicho de sete cabeças. E fomos ao pormenor de indicar os quintos de segundo, e o Simão, a indicar, de imediato, o tempo gasto em cada volta e a média horária a que este tempo correspondia.

E não havia as calculadoras electrónicas para fazer essas contas…

O José Simão (e a sua gente) instalou-se numa tribuna que, para aquele efeito, foi montada a meio da recta da estrada que do Farol vai até à Costa; e, dali e através da aparelhagem sonora, eram fornecidas ao público informações à medida que a prova se ia desenrolando.

Esta primeira corrida (denominada I CIRCUITO DO CENTRO DE PORTUGAL) foi realizada em 31 de Agosto de 1930, patrocinada pela Comissão Desportiva do Moto Clube de Portugal e constou de 40 voltas ao triângulo, ou seja, 200 Kms, nela tomando parte motos de 500 c.c. e de 350 c.c., com os seguintes corredores: Manuel Machado em Triumph; Augusto Reis em Monet Gayon; Ângelo Bastos em New Hudson; Enrique Emiliano em Monet Gayon; Fernando Sousa em B.S.A.; e J.M.S. em New Hudson.

A melhor média obtida foi a de 81,874 Kms., por Mário Teixeira, seguindo-se-lhe a de 79,426, por Ângelo Bastos e a de 76,120, por Fernando de Sousa.

Os prémios distribuídos foram: 300$00 (trezentos escudos) em dinheiro, oferecidos pela Comissão Municipal de Turismo, uma taça de prata, oferta dos «Bombeiros Novos» e, ainda, medalhas de ouro e diversos objectos artísticos oferecidos por várias firmas da cidade.

Houve, apenas, um desastre, por choque, logo à primeira volta, com ferimentos sem muita gravidade, que foram tratados no Hospital.

Esta corrida trouxe a Aveiro – como se esperava – enorme multidão de entusiastas e o seu êxito foi tal que entusiasmou os «Bombeiros Novos» a organizar, no ano seguinte, propriamente em 30 de Agosto, nova corrida (II CIRCUITO / 176 / DO CENTRO DE PORTUGAL), esta já com o concurso da Comissão Desportiva do Moto Clube de Portugal, tendo a Comissão Organizadora ido a Vila do Conde – onde havia corridas deste género – ver uma prova e observar a organização da mesma.

Nesta segunda corrida já houve um Júri da Prova, composto pelo Presidente da Comissão Desportiva do Moto Clube de Portugal e pelos senhores Dr. Alberto Souto e Alberto Ruela. Vieram do Porto quatro cronometristas oficiais; houve um Director de Corrida, o Engenheiro José Bernardes (das Obras Públicas) e foram Comissários Desportivos Manuel dos Santos Ivo, José Teles de Meneses, Humberto Trindade, António Osório e Herculano Graça.

Nova corrida se realizou (III CIRCUITO) em 28 de Agosto de 1932 e nela tomaram parte – e foram classificados – dois amadores aveirenses: José da Costa Canal, marujo do Centro de Aviação Naval, que correu em B.S.A. de 350 c.c. na categoria de «sport» (100 Kms.) e Armando Pereira Campos, em Saroléa de 500 c.c., também na categoria de «sport» (125 Kms.), os quais competiram, o primeiro, com António de Figueiredo, em New Imperial, e o segundo com Ângelo Bastos em Rudge e Jaime Correia Campos em Royal Enfield.

Na categoria de corridas (150 Kms.) tomaram parte: Alexandre Black, Ângelo Bastos e Inocêncio Pinto, em Rudg; Mário Teixeira, em Norton e Ernesto Von Haff, em D K W.

Passou o grande entusiasmo das corridas de motos e aos carolas dos «Bombeiros Novos» passou também o interesse de repetir a prova que, para ser organizada, exigia muito trabalho, dispêndio de energias e de tempo e, ainda, a colaboração de pessoas estranhas aos Bombeiros.

Tenho pena de não prestar a minha homenagem a muitos dos que colaboraram nestas provas (que trouxeram a Aveiro muita gente e que deram origem a que, por todo o País, o nome da nossa terra fosse falado) trazendo para estas achegas os seus nomes.

Porém – e apesar de toda a minha boa vontade e das diligências que fiz –, não tive possibilidade de chegar até aos arquivos dos «Bombeiros Novos», porque estes – segundo me informaram – devem estar para o sótão, juntamente com outra papelada, devido à falta de espaço – se é que lá estão.

Não estranhei este facto porque, na altura em que os «Bombeiros Velhos» fizeram cinquenta anos, foi resolvido editar um número comemorativo – que se fez, e a que chamámos HUMANITÁRIA –, e o ilustre aveirense Dr. Alberto Souto, então Presidente da Assembleia Geral, tentou consultar o arquivo para elaborar uma monografia, e nada encontrou.

Ele e eu procedemos a averiguações e soubemos que o referido arquivo foi pelos comandantes Isaías e Firmino, ou queimado, ou vendido à farrapeira, por estar a ocupar espaço! / 177 /

O mesmo aconteceu – soubemo-lo depois – aos das duas Confrarias do Senhor dos Passos, em que ambos pontificavam!

Há quem – mesmo hoje – tenha a fobia dos papéis!

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(1) – Marca italiana Cucciolo, apresentada pela primeira vez no Salão de Turim em 26 de Julho de 1945. Estas motorizadas eram conhecidas por «Cucciolo-Ducati». São actualmente verdadeiras peças de museu. (R.T.)
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