Estão agora muito em moda as competições
entre motorizadas (os veículos que vieram resolver muitos problemas de
transportes pessoais e, pela falta de consciência de grande parte dos
seus utilizadores, serem a causa da maioria dos desastres que ocorrem
nas estradas do nosso País); também, entre os veículos de duas rodas
mais potentes, as motocicletas, há grandes competições.
Constroem-se campos destinados especialmente
para neles se praticarem, não só corridas de velocidade, como também «moto-cross»,
quer com motocicletas, quer com motorizadas, procurando interessar o
público na exibição daqueles desportos.
Apesar de não gostar das motorizadas, pelo
abuso que delas fazem os seus utentes, que, além dos desastres que
ocasionam nas estradas, nos dão cabo dos ouvidos com a barulheira
infernal que os que as tripulam se permitem fazer, andando com os
escapes abertos, sou obrigado a reconhecer a sua grande, mesmo enorme,
utilidade, permitindo as deslocações, que dificilmente se conseguiriam
com as bicicletas a pedais.
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Nos anos trinta, em que ainda não havia os
motociclos actuais, já existiam as motocicletas – algumas de grande
potência como eram as HARLEY DAVIDSON, as NORTON e as B.S.A., com as
quais se organizavam corridas de competição que atraíam muitos adeptos
de tais desportos.
Para se conseguirem transportes rápidos, e
porque não havia automóveis em quantidade, como hoje há, às motos
atrelavam-se-lhes, ao lado, uns carritos denominados «side-car»,
que transportavam, com comodidade relativa, um passageiro. Havia mesmo
destes veículos para alugar.
Moto com «side-car». Fotografia tirada na
Barra em 22 de Junho de 1922, por um aveirense apaixonado por fotografia
e motos, Lívio Salgueiro.
Na corporação da Polícia local existia uma
moto, com «side-car», normalmente conduzida pelo Chefe Vidal, e
que levava como tripulante o Comandante da referida Corporação.
Foi essa moto, e o seu condutor, que
aborreceram o falecido Ministro
Duarte Pacheco, aquando da
inauguração da Ponte de Angeja, a ponto de exigir que o livrassem de tal
praga que o perseguia e não o deixava em paz, a ele que pretendia andar
à vontade para examinar aquilo que tinha interesse em ver.
E, no entretanto, era por bem que o Chefe
Vidal acompanhava o Ministro, e fazia-o por ordem superior…
Antes de aparecerem as actuais motorizadas,
houve – e estiveram muito em moda – as bicicletas a pedais com motores
auxiliares: as «mobilettes» (francesas) e as «cuciolos»
(italianas) e, ainda, outras marcas. Mais tarde, apareceram no mercado
motores avulso, para serem aplicados com facilidade às bicicletas que
andavam em circulação.
E houve entusiasmo na sua aplicação, tanto
assim que, quando os Galitos, para disputarem o campeonato mundial de
remo, foram a Itália, aos acompanhantes da equipa foi-lhes entregue
dinheiro para lá comprarem motores «cucciolo»(1), na convicção em
que estavam os pretendentes à aquisição daqueles motores de que os
adquiriram muito mais baratos do que no mercado português, pois tais
motores eram de fabrico italiano.
Os remadores não trouxeram os motores
encomendados, pois verificaram que eles eram mais caros lá do que cá,
sendo este fenómeno resultante do auxílio prestado pelo Governo às
mercadorias destinadas à exportação.
As bicicletas com motor davam, salvo erro, o
máximo de 20 Kms horários e destinavam-se, especialmente, a ajudar a
subir as ladeiras.
O que ficou escrito é, apenas, o intróito
daquilo que contarei em seguida.
Em 1930, um grupo de carolas dos «Bombeiros
Novos», com o intuito de obter receitas para aquela corporação,
lembraram-se de aproveitar o enorme
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entusiasmo que, nessa altura, havia pelas corridas de motos, organizando
em Aveiro uma competição daquele género, convictos, como estavam, de
conseguirem bons resultados financeiros, pois, para verem as corridas de
motos, deslocavam-se de longes terras multidões de pessoas.
Estudaram qual seria o melhor local para a
pista (em Aveiro ou nos arredores) e concluíram, com a ajuda de
corredores profissionais que consultaram, que o triângulo formado pelas
estradas saídas da Ponte da Barra para o Farol e para a Costa Nova, pela
marginal da Ria (linda estrada que os temporais estragaram e as
autoridades não repararam a tempo e horas), até ao encontro da que, do
Farol vai até à Costa Nova, seria a pista ideal, visto ter um percurso
de 5 kms, ser fácil de fechar ao trânsito (sem causar grandes
transtornos ao público) e a brisa marítima refrescar os motores das
motos, mantendo-os em boa carburação. Além disso, as areias que bordam
as estradas serviam, não só para os mirones observarem as provas sem
perigo de maior, como, ainda, para amortecer os choques de quaisquer
trambolhões que viessem a dar-se.
Houve quem entendesse (há-os sempre!) ser
atrevimento tal organização e receasse o insucesso financeiro deste
empreendimento, não só pela pista ficar afastada da cidade, como também
por ser a sua área de difícil fiscalização, quer ao longo da Ria, quer
ao longo do mar.
Com o entusiasmo dos organizadores e a boa
vontade de todos os que aceitaram colaborar com eles, incluindo todas as
autoridades, conseguiram levar a bom termo a tarefa que se propuseram e
obter alguns resultados financeiros: foi uma boa experiência.
A Direcção das Estradas tomou ao seu encargo
ter em boas condições o piso da pista, por forma a que os concorrentes
não tivessem motivo para fazer reclamações. O Regimento de Cavalaria
destacou soldados a cavalo para vigiar a estrada paralela ao mar; os
Bombeiros encarregaram-se de vender os bilhetes em bilheteiras montadas
em Aveiro, à entrada da Ponte da Barra e na estrada da Costa Nova; a
Polícia de Segurança Pública determinou o encerramento, com a devida
antecedência, do trânsito para a Costa Nova e para a Barra,
estabelecendo que, quem tivesse necessidade de ir para aquela praia, se
servisse da estrada de Ílhavo, devendo, para a Barra, os peões seguirem
pelo paredão; e a Polícia também ajudou os Bombeiros nos problemas que
surgiram com a missão de que estavam encarregados.
A organização – sem que ninguém, alguma vez,
tivesse andado metido nestas andanças – teve de montar a parte técnica
da corrida: partidas e chegadas dos corredores; tempos gastos por cada
um dos concorrentes; velocidades médias de cada volta; fiscalização da
pista, etc., etc.
Disto se encarregou o meu saudoso amigo
José Duarte Simão
que, dotado de grande capacidade de organização e grande dinamismo,
formou várias equipas
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com as quais discutiu o plano que idealizou e estudou e por quem
distribuiu as missões que entendeu serem indispensáveis para se
atingirem os fins em vista.
Para uma destas equipas, também eu fui
caçado – eu, que era todo dos «Bombeiros Velhos» –, não só pela amizade
que havia entre mim e o Simão, mas, também, e principalmente, pelo facto
de ter prática de cronometrar provas atléticas; e, apesar de não termos
a aparelhagem que hoje há para este efeito, lá nos safámos, sem motivo
para reclamações, daquela missão que, de entrada, nos pareceu um bicho
de sete cabeças. E fomos ao pormenor de indicar os quintos de segundo, e
o Simão, a indicar, de imediato, o tempo gasto em cada volta e a média
horária a que este tempo correspondia.
E não havia as calculadoras electrónicas
para fazer essas contas…
O José Simão (e a sua gente) instalou-se
numa tribuna que, para aquele efeito, foi montada a meio da recta da
estrada que do Farol vai até à Costa; e, dali e através da aparelhagem
sonora, eram fornecidas ao público informações à medida que a prova se
ia desenrolando.
Esta primeira corrida (denominada I CIRCUITO
DO CENTRO DE PORTUGAL) foi realizada em 31 de Agosto de 1930,
patrocinada pela Comissão Desportiva do Moto Clube de Portugal e constou
de 40 voltas ao triângulo, ou seja, 200 Kms, nela tomando parte motos de
500 c.c. e de 350 c.c., com os seguintes corredores:
Manuel Machado
em Triumph;
Augusto Reis em Monet Gayon;
Ângelo
Bastos
em New Hudson;
Enrique Emiliano
em Monet
Gayon;
Fernando Sousa
em B.S.A.; e J.M.S. em
New Hudson.
A melhor média obtida foi a de 81,874 Kms.,
por
Mário Teixeira, seguindo-se-lhe a de 79,426, por
Ângelo
Bastos
e a de 76,120, por
Fernando de Sousa.
Os prémios distribuídos foram: 300$00
(trezentos escudos) em dinheiro, oferecidos pela Comissão Municipal de
Turismo, uma taça de prata, oferta dos «Bombeiros Novos» e, ainda,
medalhas de ouro e diversos objectos artísticos oferecidos por várias
firmas da cidade.
Houve, apenas, um desastre, por choque, logo
à primeira volta, com ferimentos sem muita gravidade, que foram tratados
no Hospital.
Esta corrida trouxe a Aveiro – como se
esperava – enorme multidão de entusiastas e o seu êxito foi tal que
entusiasmou os «Bombeiros Novos» a organizar, no ano seguinte,
propriamente em 30 de Agosto, nova corrida (II CIRCUITO
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DO CENTRO DE PORTUGAL), esta já com o concurso da Comissão Desportiva do
Moto Clube de Portugal, tendo a Comissão Organizadora ido a Vila do
Conde – onde havia corridas deste género – ver uma prova e observar a
organização da mesma.
Nesta segunda corrida já houve um Júri da
Prova, composto pelo Presidente da Comissão Desportiva do Moto Clube de
Portugal e pelos senhores
Dr. Alberto Souto
e
Alberto Ruela.
Vieram do Porto quatro cronometristas oficiais; houve um Director de
Corrida, o
Engenheiro José Bernardes
(das Obras Públicas) e foram
Comissários Desportivos
Manuel dos Santos Ivo,
José Teles de
Meneses,
Humberto Trindade,
António Osório
e
Herculano Graça.
Nova corrida se realizou (III CIRCUITO) em
28 de Agosto de 1932 e nela tomaram parte – e foram classificados – dois
amadores aveirenses:
José da Costa Canal, marujo do Centro de
Aviação Naval, que correu em B.S.A. de 350 c.c. na categoria de «sport»
(100 Kms.) e
Armando Pereira Campos, em Saroléa de 500
c.c., também na categoria de «sport» (125 Kms.), os quais
competiram, o primeiro, com
António de Figueiredo, em New
Imperial, e o segundo com
Ângelo Bastos
em Rudge e
Jaime Correia Campos
em Royal Enfield.
Na categoria de corridas (150 Kms.) tomaram
parte:
Alexandre Black,
Ângelo Bastos
e
Inocêncio Pinto,
em Rudg;
Mário Teixeira, em Norton e
Ernesto
Von Haff,
em D K W.
Passou o grande entusiasmo das corridas de
motos e aos carolas dos «Bombeiros Novos» passou também o interesse de
repetir a prova que, para ser organizada, exigia muito trabalho,
dispêndio de energias e de tempo e, ainda, a colaboração de pessoas
estranhas aos Bombeiros.
Tenho pena de não prestar a minha homenagem
a muitos dos que colaboraram nestas provas (que trouxeram a Aveiro muita
gente e que deram origem a que, por todo o País, o nome da nossa terra
fosse falado) trazendo para estas achegas os seus nomes.
Porém – e apesar de toda a minha boa vontade
e das diligências que fiz –, não tive possibilidade de chegar até aos
arquivos dos «Bombeiros Novos», porque estes – segundo me informaram –
devem estar para o sótão, juntamente com outra papelada, devido à falta
de espaço – se é que lá estão.
Não estranhei este facto porque, na altura
em que os «Bombeiros Velhos»
fizeram
cinquenta anos, foi resolvido editar um número comemorativo – que se
fez, e a que chamámos HUMANITÁRIA –, e o ilustre aveirense
Dr.
Alberto
Souto,
então Presidente da Assembleia Geral, tentou consultar o
arquivo para elaborar uma monografia, e nada
encontrou.
Ele e eu procedemos a averiguações e
soubemos que o referido arquivo foi pelos comandantes Isaías e Firmino, ou
queimado, ou vendido à farrapeira, por estar a ocupar espaço!
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O mesmo aconteceu – soubemo-lo depois – aos
das duas Confrarias do Senhor dos Passos, em que ambos
pontificavam!
Há quem – mesmo hoje – tenha a fobia dos
papéis! |