Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

Os guinchos fornecidos por Bóia & Irmão

A firma BÓIA & IRMÃO atingiu, na construção de aparelhos destinados a navios, grande fama; para o demonstrar, não resisto à tentação de contar um facto passado por altura da segunda Guerra Mundial.

A C.U.F. – o grande empório industrial português – que, então, explorava os Estaleiros Navais de Lisboa, tinha em construção, nestes, o navio COSTEIRO III, destinado às ligações com a Guiné.


Aspecto do navio Costeiro Terceiro (1940) em Leixões. Créditos: Fotomar, Matosinhos.

O seu acabamento estava a demorar mais tempo do que o previsto, por falta dos guinchos que, como os dos barcos da mesma classe anteriormente construídos nos mesmos Estaleiros, teriam de ser importados; porém, devido à guerra, os fornecedores habituais, que tinham de abastecer os seus estaleiros, demoravam muito a satisfação das encomendas do exterior.

O Administrador da C.U.F. – o grande industrial Alfredo da Silva – um dia chama ao seu gabinete os engenheiros encarregados da construção do COSTEIRO III, e quer saber da razão por que este ainda não foi acabado, e exigindo que o mesmo fosse lançado à água até uma data que determinou, pois tinha necessidade do mesmo para cumprir um programa de transportes pré-estabelecido e já ultrapassado, devido à demora da entrega do Costeiro III.

Os engenheiros confessam a impossibilidade de cumprirem essa ordem, por falta dos guinchos. Alfredo da Silva, exaltado, pergunta qual seja a dificuldade do fabrico e se não haverá, em Portugal, quem seja capaz de os fabricar a tempo do barco ficar pronto na data que ele exigia.

A engenharia da C.U.F. informa que tem conhecimento de que uma oficina de Aveiro os tem fornecido para navios construídos no Norte, sendo certo que ainda não tinham procurado contactar com a mesma, receosos de que o Sr. Administrador se aborrecesse pelo facto dos Estaleiros de Lisboa terem de recorrer a uma pequena oficina da província que, ao seu serviço, nem sequer tinha um engenheiro.

Alfredo da Silva deu ordem para que, pessoalmente, entrassem em contacto com essa firma e acertassem na forma desses aparelhos serem acabados o mais rapidamente possível, sem olhar ao custo que essa rapidez acarretaria.

Acordadas as condições, Bóia & Irmão cede os seus moldes para serem fundidas as peças nas oficinas da C.U.F. e, em seguida, enviadas para Aveiro para o seu acabamento; e, para aqui, veio um engenheiro, não só para acompanhar a execução da obra, como, também, pelo telefone, e sobre os desenhos de Bóia & Irmão (de que havia cópia em Lisboa), ir dando, à medida que as peças iam sendo acabadas, os elementos necessários para a preparação das / 172 / bases no navio, de forma a que estas estivessem em condições de receberem os guinchos logo que estes chegassem a Lisboa – o que aconteceu.

Alfredo da Silva, alguns domingos, veio a Aveiro ver o andamento da obra; e, ao despedir-se, gratificava o pessoal que estava a trabalhar, isto, apesar do mesmo ser pago a dobrar pelas horas extraordinárias que fazia.

Este serviço fez-se a contento daquele industrial, que manifestou a sua gratidão pela ajuda que lhe foi prestada.

Mercê do seu dinamismo, da sua persistência e da sua honestidade, Manuel Bóia, ao falecer – e isso aconteceu muito cedo –, deixou a sua oficina (já no local onde ela se encontra) bastante bem estruturada e com uma sólida base económica, ainda que com uma situação financeira bastante difícil, devido aos inúmeros serviços que, então, tinha em acabamento, serviços de morosa execução e, consequentemente, de grande empate de capital.

A sua viúva e os seus filhos – os engenheiros Manuel e António Bóia –, com a colaboração dedicada do pessoal de chefia (parte do qual presta o seu serviço na firma desde o tempo do seu fundador), deram a esta um grande desenvolvimento, modernizando as suas instalações e mantendo, junto dos industriais de todo o País, o enorme prestígio que seu pai tinha adquirido, produzindo máquinas com novos aperfeiçoamentos que a técnica moderna exige e as actuais máquinas-ferramentas, de que dotaram a firma, o permitem.

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