A firma BÓIA & IRMÃO
atingiu, na construção de aparelhos destinados a navios, grande fama;
para o demonstrar, não resisto à tentação de contar um facto passado por
altura da segunda Guerra Mundial.
A C.U.F. – o grande
empório industrial português – que, então, explorava os Estaleiros
Navais de Lisboa, tinha em construção, nestes, o navio COSTEIRO III,
destinado às ligações com a Guiné.
Aspecto do navio Costeiro Terceiro (1940) em
Leixões. Créditos: Fotomar, Matosinhos.
O seu acabamento estava a
demorar mais tempo do que o previsto, por falta dos guinchos que, como
os dos barcos da mesma classe anteriormente construídos nos mesmos
Estaleiros, teriam de ser importados; porém, devido à guerra, os
fornecedores habituais, que tinham de abastecer os seus estaleiros,
demoravam muito a satisfação das encomendas do exterior.
O Administrador da C.U.F.
– o grande industrial
Alfredo da Silva – um dia chama ao seu
gabinete os engenheiros encarregados da construção do COSTEIRO III, e
quer saber da razão por que este ainda não foi acabado, e exigindo que o
mesmo fosse lançado à água até uma data que determinou, pois tinha
necessidade do mesmo para cumprir um programa de transportes
pré-estabelecido e já ultrapassado, devido à demora da entrega do
Costeiro III.
Os engenheiros confessam a
impossibilidade de cumprirem essa ordem, por falta dos guinchos. Alfredo
da Silva, exaltado, pergunta qual seja a dificuldade do fabrico e se não
haverá, em Portugal, quem seja capaz de os fabricar a tempo do barco
ficar pronto na data que ele exigia.
A engenharia da C.U.F.
informa que tem conhecimento de que uma oficina de Aveiro os tem
fornecido para navios construídos no Norte, sendo certo que ainda não
tinham procurado contactar com a mesma, receosos de que o Sr.
Administrador se aborrecesse pelo facto dos Estaleiros de Lisboa terem
de recorrer a uma pequena oficina da província que, ao seu serviço, nem
sequer tinha um engenheiro.
Alfredo da Silva deu ordem
para que, pessoalmente, entrassem em contacto com essa firma e
acertassem na forma desses aparelhos serem acabados o mais rapidamente
possível, sem olhar ao custo que essa rapidez acarretaria.
Acordadas as condições,
Bóia & Irmão cede os seus moldes para serem fundidas as peças nas
oficinas da C.U.F. e, em seguida, enviadas para Aveiro para o seu
acabamento; e, para aqui, veio um engenheiro, não só para acompanhar a
execução da obra, como, também, pelo telefone, e sobre os desenhos de
Bóia & Irmão (de que havia cópia em Lisboa), ir dando, à medida que as
peças iam sendo acabadas, os elementos necessários para a preparação das
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bases no navio, de forma a que estas estivessem em condições de
receberem os guinchos logo que estes chegassem a Lisboa – o que
aconteceu.
Alfredo da Silva, alguns
domingos, veio a Aveiro ver o andamento da obra; e, ao despedir-se,
gratificava o pessoal que estava a trabalhar, isto, apesar do mesmo ser pago a dobrar
pelas horas extraordinárias que fazia.
Este serviço fez-se a
contento daquele industrial, que manifestou a sua gratidão pela ajuda
que lhe foi prestada.
Mercê do seu dinamismo, da
sua persistência e da sua honestidade,
Manuel Bóia, ao falecer – e isso
aconteceu muito cedo –, deixou a sua oficina (já no local onde ela se
encontra) bastante bem estruturada e com uma sólida base económica,
ainda que com uma situação financeira bastante difícil, devido aos
inúmeros serviços que, então, tinha em acabamento, serviços de morosa
execução e, consequentemente, de grande empate de capital.
A sua viúva e os seus filhos – os engenheiros
Manuel
e António Bóia
–, com a colaboração dedicada do pessoal de chefia
(parte do qual presta o seu serviço na firma desde o tempo do seu
fundador), deram a esta um grande desenvolvimento, modernizando as suas
instalações e mantendo, junto dos industriais de todo o País, o enorme
prestígio que seu pai tinha adquirido, produzindo máquinas com novos
aperfeiçoamentos que a técnica moderna exige e as actuais máquinas-ferramentas, de que dotaram a firma, o permitem. |