Já, há muito
tempo, que pensei em falar dos grupos dramáticos em que colaborei, (e
noutros mais antigos), não só dos que foram organizados «a sério», e que
levaram o nome de Aveiro a todo o país, como o foram o TRICANAS E
GALITOS, o GRUPO DE OPERETA AMADORES AVEIRENSES e a ASSOCIAÇÃO DRAMÁTICA
DE AVEIRO, como, também, aqueles que, «a brincar», se organizavam entre
amigos para se passar o tempo fazendo alguma coisa de útil, e mantendo,
com a convivência diária entre todos, a amizade existente entre a
rapaziada que desses grupos fazia parte.
É dos
últimos que vou falar em primeiro lugar, dando a primazia ao que, em
1921, com o nome de GRUPO DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA, uns amigos, dos quais,
hoje, se podem contar pelos dedos de uma das mãos os que ainda pertencem
ao número dos vivos, amigos que o foram, sempre, durante toda a sua vida
e em todas as circunstâncias, apesar de entre eles, através dos tempos,
os haver com situações económicas e sociais de diferentes graus.
Foi seu
primeiro ensaiador João Mendes da Costa (o Costa penhorista) que,
na sua mocidade, foi marinheiro em Lisboa e por lá frequentou os
bastidores dos teatros, e adquiriu a «vicieira» teatral de que estava
imbuído, tomando muito a sério não só o seu papel de ensaiador, como o
de contra-regra, exigindo disciplina e obediência absoluta nos ensaios,
e fazendo questão, nos dias de espectáculo, de que as personagens
estivessem prontas para entrarem no palco logo após a «deixa» anterior e
com todos os objectos de que se teriam de servir na sua representação.
E era vê-lo,
nesses dias, a contactar, um por um, e com a devida antecedência, os
amadores que teriam de entrar para o palco, obrigando-os a mostrarem-lhe
os objectos que ele, por uma lista, ia mencionando.
Por qualquer
circunstância, da qual eu já não me lembro, mas que o devia
/ 124 / ser
pelo feitio ríspido e autoritário, o João Costa zangou-se com a
rapaziada e deixou de aparecer, pois estava convencido de que lhe
iríamos pedir, humildemente, que continuasse a ensaiar-nos, tanto mais
que sabia que não éramos pessoas para desistir de ir até ao fim daquilo
a que nos comprometêssemos; e calculava que nenhum de nós seria capaz de
continuar com os ensaios até ao final.
Tal, porém,
não aconteceu.
Tinha
chegado há pouco tempo a Aveiro, vindo da Beira (não para exercer o
magistério primário em que era diplomado, mas o lugar de Guarda-Livros
da Empresa Comércio e Indústria, com serração e moagem na Estrada da
Barra) e do GRUPO já fazia parte, o inesquecível amigo José Duarte
Simão que, com muita habilidade para o teatro (como o demonstrou
pela vida fora) se comprometeu a concluir o trabalho iniciado pelo João
Costa; e, assim, em 1922, aquele GRUPO, deu, no Teatro Aveirense, um
espectáculo a favor do cofre dos «Bombeiros Velhos», colaborando desta
forma nas festas do seu aniversário.
Os
componentes do Grupo de Educação Artística, muito antes da organização
deste, já eram parceiros de brincadeiras e rapaziadas nocturnas, pois só
à noite se podiam juntar, visto que, durante o dia, todos estavam
ocupados com as suas obrigações profissionais, que não eram de seis ou
oito horas diárias como agora – mas, sim, de dez, doze e, muitas vezes,
mais.
E foram eles
que, com outros, fundaram o ATLÉTICO CLUBE DE AVEIRO, não só para nele
se praticar o atletismo, mas, sobretudo, para terem uma casa onde a
rapaziada do mesmo nível de instrução e educação se pudesse reunir e
conviver.
Na
Associação dos Empregados do Comércio, por essa altura, também, e por
sugestão de João Costa, que para ensaiador se ofereceu, organizou-se
entre os seus associados (rapazes e raparigas) um grupo teatral (que se
denominou GRUPO DRAMÁTICO DA ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DO COMÉRCIO) que,
no Teatro Aveirense, deu dois espectáculos, e nos quais cada um dos
amadores se desempenhou, com relativa segurança, do papel que lhe foi
distribuído, conseguindo agradar ao público que a eles assistiu.
Estou a ver
a Micas, muito jovem ainda, mas já muito jeitosa (ela ainda o é) a
desenrascar-se, no palco, de um problema que lhe surgiu, por se ter
esquecido de levar para a cena uma carta – contra os usos e costumes, o
João Costa não exigiu que ela, antes de entrar, lha mostrasse, – que
teria de esconder aquando da entrada em cena de uma outra personagem
que, apercebendo-se do seu gesto, a interrogaria disso.
Quando
notámos que a Micas não tinha a carta, previmos um fiasco; ficámos,
porém, sossegados, quando a vimos, muito à vontade, dirigir-se para uma
/ 125 /
mesa onde estava aceso um candeeiro de petróleo e baixar-lhe a torcida;
e, quando interrogada quanto ao seu gesto, respondeu ao seu interlocutor
que estava a entrar em cena, que havia ido diminuir a luz do candeeiro,
que estava muito alta, e a incomodava.
E a nossa
atrapalhação era maior por nos lembrarmos de uma história que o João
Costa nos contava ter acontecido, e é a seguinte:
Uma actriz
havia de queimar, em cena, uma carta; e a personagem seguinte, ao
entrar, exclamaria: – «Que cheiro que aqui está a papel queimado!».
Porém, ela não levou fósforos para queimar a referida carta, e rasgou-a;
a personagem, que, dos bastidores, tinha visto aquele gesto, ao entrar
exclamou: «Que cheiro que aqui está a papel rasgado!» – o que resultou
num fiasco.
Continuemos
a falar dos grupos cénicos como prometido.
No
espectáculo realizado em 28 de Janeiro de 1922 pelo Grupo de Educação
Artística a favor dos «Bombeiros Velhos», que, naquela data, comemoravam
mais um aniversário, representaram-se as peças «Amores do Corone!», «As
Andorinhas» e «Um Hotel Modelo»; a este espectáculo deram a sua
colaboração o acrobata Manuel de Sousa e o seu discípulo
Fernando Silva.
O Grupo
Dramático da Associação dos Empregados do Comércio deu o seu primeiro
espectáculo em 12 de Junho de 1922 com a peça o «Genro do Caetano»,
tendo colaborado o «Grupo de Acrobatas Portugalis», que exibiu um número
muito vistoso denominado «As Estátuas de Mármore».
Aquele grupo
realizou novo espectáculo em 17 de Março de 1923, o qual constou de
recitativos, números musicados e duas peças teatrais; foi numa destas
que a Micas se desenrascou da situação criada com a falta do papel que
se esqueceu de levar para o palco.
Estes
espectáculos foram realizados no Teatro Aveirense, o qual ainda não
havia sido remodelado, sendo o aspecto da sala muito diferente do que
hoje o é.
O grupo
cénico, porém, com o qual mais me diverti, foi aquele a quem eu sempre
denominei de «horrível grupo dramático», pelas brincadeiras arranjadas
pelos seus componentes, pelo descaramento, e pela desfaçatez e
atrevimento como se apresentavam nas suas «tournées» a várias
localidades: Gafanha, Costa do Vaiado, Válega, Eixo, etc., onde se
deram peripécias das quais me lembro e que, ainda hoje, despertam o riso
àqueles que a elas assistiram.
/ 126 /
Que me
perdoem os componentes ainda vivos – também já não são muitos – de lhes
não citar, aqui, os nomes, pois podia acontecer que alguns ficassem,
involuntariamente, esquecidos, por lapso da memória que Deus ainda me
conserva, felizmente.
Abrirei,
porém, uma excepção para o Agnelo Coelho, que era o aglutinador
de toda aquela «cambada»; e, à volta dele, tudo era alegria e
compreensão, todos o considerando como o «director» incontestável.
Pelas mesmas
razões, também não vou citar os nomes dos já falecidos, com os quais tão
bons momentos passámos, e que recordamos com saudade.
Não devo,
porém, deixar de evocar o da D. Branca Soares que, com uma
paciência evangélica, se prestava a ensaiar, em sua casa, a parte de
canto, e a emprestar o seu piano para alguns espectáculos, sujeitando-se
aos prejuízos que resultavam da falta de cuidado do seu transporte pelos
eventuais carregadores, que chegavam a transportá-lo em carros de bois,
pelas ruas, então, muito esburacadas.
Os rapazes
faziam de tudo: eram cenógrafos, eram caracterizadores, eram carpinteiros
e eram, também, ensaiadores (pois não havia nenhum, escalado,
especialmente para este fim) e, até, carregadores (visto que não havia
dinheiro para pagar a quem fizesse este trabalho).
Não fui dos
organizadores do grupo, nem dos primeiros a para lá entrar; quando isso
aconteceu – e não me recordo como fui lá parar – já o grupo tinha dado
alguns espectáculos, em várias localidades.
Dos
prospectos que anunciavam um espectáculo de variedades, em Eixo, constava que
eu faria a apresentação do grupo.
Habituado,
como estava, a intervir nas Assembleias Gerais da Sociedade Recreio
Artístico, não fiz qualquer oposição, e não tive dúvidas em me
desempenhar daquela missão, sem, para o efeito, me preparar, pois
pensava que me safaria de qualquer forma, dizendo o que, na ocasião, me
viesse à ideia, não temendo enfrentar o auditório.
No
entretanto, dois ou três dias antes do espectáculo, o Joaquim,
distribuidor postal em Eixo e que era o encarregado de impingir os
bilhetes, veio dizer-nos, «todo ancho», que o Dr. Jaime de Magalhães
Lima tinha comprado, para ele e para a família, a primeira fila de
cadeiras.
Em face
desta notícia, tentei recusar-me a fazer, em frente daquele grande pensador, a
referida apresentação, por entender que seria estultícia da minha parte;
porém, a rapaziada não permitiu que eu levasse avante a minha ideia, não
só para se cumprir o programa, como também para dar tempo a que os
«actores» se preparassem para o espectáculo.
Resolvi o
problema, escrevendo uma palestra explicativa, não só da razão porque se
formara o grupo, como também quem eram os amigos que o compunham;
/ 127 /
lembro-me, até, que lhes chamei «melros de bico amarelo».
E, com as
minhas desculpas pelo atrevimento de falar em frente de pessoas de tal
categoria – e de quem citei o valor – lá me safei, tanto mais que, no
intervalo, o Dr. Jaime chamou-me e, agradecendo as referências que eu
lhe havia feito, pediu-me que transmitisse a todos os componentes a sua
satisfação pela forma como estava a decorrer o espectáculo e pela
modalidade que escolheram para passarem os seus tempos livres.
Foi em Eixo
que um rapaz, para suprir a falta de raparigas, fez um papel feminino,
vestido de «travesti»; e, ao agradecer as palmas recebidas, esqueceu-se
do papel que estava a desempenhar, tirou o chapéu, e com ele a
cabeleira, o que provocou risota geral, tanto mais que ele tinha, até
aí, conseguido enganar a maioria da plateia.
Em Válega,
um amador já falecido, e que tomava muito a sério os seus papéis quando
representava uma peça, fez uma puxada dramática. O público, em vez de
reagir como ele contava, desatou a rir à gargalhada, o que o levou a
desabafar, em alto e bom som, dizendo:
– Isto é
deitar pérolas a porcos!
Num
espectáculo seguinte, mudámos a peça que deu motivo a esta atitude, por
uma outra denominada «Que Noite!...», só com dois ou três ensaios,
havendo mesmo quem não soubesse o seu papel. Foi uma autêntica
chuchadeira, mas que o público aplaudiu pelas macaquices feitas pelos
actores, principalmente quando não sabiam o que deviam dizer, e enquanto
esperavam que o ponto lhes «assoprasse» a sua frase.
Foi, também,
em Válega que se passou o seguinte:
Fazia eu de
apresentador e anunciei que o amador, com quem se deu o caso atrás
citado, iria representar a cançoneta «Lá ter tenho, isso é que tenho».
O ponto
avisou-me de que não tinha em seu poder essa peça. Como aquele, já a
tinha representado inúmeras vezes e nunca precisou da ajuda do ponto,
respondi-lhe que isso não era problema; e mandei seguir o espectáculo,
tanto mais que, por demora da sua auto-caracterização, o espectáculo
estava atrasado e, até alterada a ordem de representação dos vários
números.
Não houve
problema quanto à parte cantada; porém, quando entrou na declamada, a
memória falhou-lhe e ele começou a titubear, dizendo: – ora eu... ora
eu... e, dirigindo-se ao ponto, em voz baixa disse-lhe: – «Aponta, Zé!».
Como o Zé
lhe disse que não tinha o papel, que me tinha avisado e eu houvera dito
que isso não fazia mal, o amador enerva-se e começa a falar alto:
«Aponta, Zé!... Aponta, Zé!...», travando-se entre ambos um diálogo em
que o ponto afirmava não ter o papel e o actor afirmava tê-lo trazido e
lho ter entregue, pois era sempre cuidadoso.
/ 128 /
Em seguida,
acocora-se em frente do ponto, ripa-lhe toda a papelada que este tinha
para o decorrer de todo o espectáculo, folheia aquilo tudo, encontra a
sua parte, exibe-a e proclama bem alto: – «O que vocês queriam é que eu
fosse a terra, pois têm inveja de eu ser o melhor actor do grupo...».
Tudo se
passa com a cena aberta e o público ri-se, supondo, talvez, que a coisa era
mesmo assim.
O actor
volta a entrar; somente que, da primeira vez, ele vinha todo pinoca e a
rebolar-se, pois tinha uma cara que parecia uma maçã camoesa, ao passo
que, da segunda, como, devido ao seu estado de nervos, a vaselina da
caracterização se derreteu e as cores se misturaram, a sua cara era
diferente e os seus gestos e voz eram de pessoa muito zangada, a
condizer com a cara.
E o
espectáculo continuou a seguir, normalmente... e a amizade entre todos
os componentes não foi alterada…
P.S. – Há
dias, e em conversa com o Agnelo, este lembrou-me que, depois do
espectáculo de Eixo, fomos para a loja do Mascarenhas, onde ceámos; e,
para completar esta refeição, foram estrelados oitenta ovos: uma cesta
deles!... E se mais houvesse…
Mas
continuemos a falar das actividades dos nossos amadores teatrais. E
agora dos alunos do Liceu que também tiveram o seu papel no teatro. Pelo
menos, a partir de 1916, deram, em anos seguidos, no teatro Aveirense,
os seus espectáculos de despedida de curso, cujos rendimentos revertiam
a favor da Caixa Escolar do mesmo Liceu. Eram, normalmente, espectáculos
alegres. Constavam de variedades, em que cada um dos componentes
apresentava e exibia as suas habilidades, e também de umas peças
ligeiras.
Porém, em
1924 – estávamos na época das revistas regionais, como adiante veremos –
representaram a revista
PANGLOSS EM AVEIRO, da autoria dos professores
Drs. José Pereira Tavares e
Álvaro Sampaio (felizmente
ainda vivos) com música, parte original e parte adaptada pelo professor
de Canto Coral, Padre António Estêvão.
Em 1930, e
da mesma autoria, representaram
CREPÚSCULO DE PANGLOSS que um estudante
apresentou com as seguintes palavras:
«De novo
ides assistir a uma récita de estudantes da nossa terra. Depois do «Pangloss
em Aveiro», representado há seis anos, tereis a paciência de ver e ouvir
o «Crepúsculo de Pangloss», continuação e comentário daquela revista.
/ 129 /
«Esta peça,
escrita por professores e interpretada por estudantes, não tem – não
podia ter – palavras ásperas ou crítica verrinosa que nos fira. Como a
outra, a de 1924, só contém ligeiras e amigas referências a pessoas,
benévolos piparotes a factos da actualidade, em suma: riso bonacheirão
para pessoas e coisas de Aveiro.»
E terminou,
assim:
– «Nós,
estudantes de hoje e homens de amanhã, vos enviamos, como os autores da
peça, – muito saudar!»
Uma nova
revista,
ÚLTIMA VISITA DE PANGLOSS, da autoria do Dr. José Pereira
Tavares e com música do, então, professor de canto Coral, José Queiroz,
levaram os estudantes à cena em 1956.
Do prólogo,
consta, além doutras, a seguinte quadra:
É revista
escolaresca
leve e muito
variada;
poderá valer
bem pouco
mas não quer
ser pateada.
Todos os
anos, no intervalo das revistas, os estudantes, com espectáculos de maior ou
menor fôlego, fizeram as suas récitas da despedida de curso.
Os alunos da
Escola Normal, não só para seguirem as pisadas dos seus colegas, mas,
também, para reforçar os fundos da sua Caixa Escolar, deram, outrossim,
os seus espectáculos no Teatro Aveirense.
Entre 1917 e
1928, foram dados espectáculos a favor da Sociedade da Cruz Vermelha e
da Cruzada das Mulheres Portuguesas (Delegações de Aveiro) com o fim de
melhorarem a situação económica das famílias dos soldados, nomeadamente
de Infantaria 24, que tomaram parte na Grande Guerra.
Estes
espectáculos foram dados por grupos formados, especialmente, para cada
um dos espectáculos, por pessoas das diferentes classes sociais, e
desfaziam-se logo que se desempenhavam da missão que a si mesmos tinham
imposto.
Os
organizados pelas famílias «da melhor sociedade» constavam, normalmente,
de saraus musicais e literários, havendo-os com peças escritas
propositadamente para o efeito por escritores aveirenses.
Era ao
teatro que se recorria para se obter dinheiro para acudir às desgraças
públicas e a outras necessidades: até os sargentos de Infantaria 19 se
organizaram em grupo cénico, e, com a ajuda de grupos amadores já
conhecidos e sempre prontos a dar a sua colaboração; em 1930, deram um
espectáculo para, com o seu produto, contribuírem para a subscrição
aberta entre os militares da 5.ª Divisão Militar, e destinada à compra
do lampadário monumental que ilumina o túmulo do Soldado
Desconhecido, no Mosteiro da Batalha.
/ 130 /
Mercê,
possivelmente, da influência que nos amadores aveirenses exerceram, os
espectáculos de zarzuela realizados por companhias espanholas, bem como
pelos de opereta apresentados, entre outras, pela companhia de
Armando de Vasconcelos e Auzenda de Oliveira, o Clube dos
Galitos organizou um grupo que, em 1917, representou as zarzuelas
«Marcha de Cádiz» e «A Pastora»; nesse espectáculo cantou-se, também, o
trecho «Cantiga ao Desafio», da ópera SERRANA, e nele tomou parte a nossa
patrícia Augusta Freire, que já se tinha afirmado como artista de
categoria em espectáculos de amadores aveirenses.
E, porque
então não havia as distracções que hoje há, e porque a população
aveirense tinha paixão pela música e pelo teatro, a rapaziada procurava
distrair-se organizando grupos cénicos, tunas e orquestras.
Em fins de
1918 e princípios de 1919, um grupo, ensaiado pelo Dr. Ruela, levou à
cena uma série de espectáculos com a comédia policial de grande fôlego
«20.000 dólares», destinando-se o produto dos mesmos à Cruz Vermelha,
Hospital e «Bombeiros Novos».
Esta mesma
comédia voltou a ser levada à cena, em 1922, por iniciativa do Clube dos
Galitos, mas por outro grupo, ensaiado por Elísio Feio, e
destinada a ser apresentada em Viana do Castelo – como o foi – aquando
de uma excursão promovida por aquele Clube.
Em 1923, o
Clube dos Galitos organizou o Grupo Tricanas e Galitos para levar à cena
a revista «A Caldeirada», com música do Dr. Vasco Rocha e poema
de Luís Couceiro, poema que, com o andar dos espectáculos, ia
sofrendo modificações, introduzidas por alguns dos actores-amadores,
para modernizar o espectáculo.
A referida
revista teve, durante o mês de Junho, seis apresentações em Aveiro,
sempre com casas cheias, e também foi representada no Teatro de S. João,
no Porto, com sucesso.
Devido a
desinteligências entre os seus componentes, houve no Grupo Tricanas e
Galitos uma cisão que motivou a organização de um outro, o Grupo de
Opereta dos Amadores Aveirenses, e, bem assim, a que «A Caldeirada»
fosse modificada nas suas estruturas, com novo ensaiador, passando a
chamar-se «A Filha da Caldeirada», que deu, também, uma série de
espectáculos durante o ano de 1925.
/ 131 /
Em 1930,
voltou a ser resposta em cena, numa adaptação de José Duarte Simão,
em homenagem a Viana do Castelo, aquando das «Bodas de Prata» do Clube
dos Galitos; e, ainda, em 1932, em homenagem à memória do Dr. Vasco
Rocha, e cujo produto se destinou à subscrição aberta com o fim de
se proceder à construção da campa onde repousam os seus restos mortais.
Em 1926, o
Grupo Tricanas e Galitos também levou à cena um espectáculo com as peças
«A Campezina», da autoria do Dr. José Pereira Tavares, «Cavalleria
Rusticana», cantada em Português, – nunca se tinha feito isso –, sendo a
tradução de José Duarte Simão e, ainda, a peça «Amanhã», do
reportório de muitas companhias de profissionais.
Enquanto o
Grupo Tricanas e Galitos se mantinha em actividade, o Grupo de Opereta
dos Amadores Aveirenses ensaiou e pôs em cena, em 1925, uma série de 16
espectáculos, com a opereta «O Moleiro de Alcalá», que foi apresentada
também em Braga e Viseu, sempre com grande sucesso.
E, quando já
se pensava terminar com a exibição desta peça, foram, a pedido das duas
corporações dos Bombeiros e do Hospital, dados mais três espectáculos,
cujas receitas se destinaram a auxiliar os cofres daquelas instituições.
Não quero
deixar de chamar a atenção para o facto de, devido, sobretudo, à
rivalidade existente entre os dois grupos, se conseguir manter em cena
dois espectáculos de categoria, que exigiam, cada um, enorme quantidade
de figuras principais, e coros, e ainda orquestras diferentes. É certo
que, para a organização destas, os maestros tinham de recorrer a alguns
músicos, amadores e profissionais, da nossa região. A peça «O Moleiro de Alcalá» tinha 26 números de música; o corpo coral era composto
por 34
figuras e na orquestra havia 25 executantes.
Era a antiga
rivalidade existente entre os aveirenses que ressurgia: duas freguesias;
duas corporações de Bombeiros; dois clubes; dois «Senhores dos Passos»,
etc., o que não quebrava por completo a amizade entre os componentes dos
grupos rivais, mas que incitava a que cada um fizesse melhor do que o
outro, e que nos estimulava a, cada vez mais, amarmos a terra em que
nascemos e nos formou o carácter. Aqueles que para cá vieram e beberam
água da bica do meio da Fonte dos Arcos, a pouco e pouco integravam-se
na nossa sociedade, adquirindo os mesmos defeitos e as mesmas qualidades
dos nados e criados em Aveiro e, quase sem dar por ela, se faziam
aveirenses e com estes colaboravam com entusiasmo e dedicação.
Os
componentes do Grupo de Opereta e os seus adeptos organizaram, em
seguida, a Associação Dramática de Aveiro, que, em 1926, levou à cena a
peça policial «O Rei dos Gatunos», e, em 1927, «As Alegrias do Lar».
De 1928 a
1929, este grupo deu uma série de espectáculos com a opereta
/ 132 /
«Mascote», peça de muito fôlego, com grandes dificuldades, quer no
canto, quer na parte declamada, e ainda na encenação.
Até se
compreendem estas dificuldades, se tivermos em atenção que tinha 18 figuras
principais, 40 vozes no canto coral e 22 executantes na orquestra.
E
conseguiu-se representar esta peça porque uma senhora muito distinta, a
D. Maria Cândida, professora de piano e de canto e com muito
gosto pelo teatro, se prestou a fazer o papel principal, dificílimo de
executar.
Se tal não
houvera acontecido, nem a enorme boa vontade dos componentes, nem as
lindíssimas vozes das raparigas e rapazes que se prestaram à execução
dos papéis que lhes foram distribuídos, conseguiriam levar ao final tão
atrevida ideia.
Constava,
então, que, jamais, qualquer grupo de amadores tinha tido a coragem de
tentar representar esta opereta; e o Armando Vasconcelos – que,
salvo erro, foi quem a emprestou – entendeu que era atrevimento da
nossa parte a tentativa de a pôr em cena, não só pelas suas
dificuldades, como, sobretudo, por não acreditar que houvesse
possibilidade de juntar um tão grande número de amadores (como o eram os
dos papéis principais) que aliassem à voz a habilidade de representar;
isto, apesar de saber do que os amadores aveirenses eram capazes de
fazer. E afirmou que estava convencido de que ele não seria capaz de a
levar à cena com profissionais, por não conseguir o número deles com as
qualidades necessárias para tal.
Apesar do
número de pessoas envolvidas nos grupos atrás citados, em 1927
organizou-se um outro, o Grupo dos Amadores Unidos, que representou a
revista «Aveiro em Foco» que, como todas as revistas, envolvia grande
número de personagens.
É certo que,
em Aveiro, não havia então muitas distracções para ocupar os tempos
livres, pelo que a rivalidade já referida conseguia que a rapaziada se
virasse para o teatro e fizesse verdadeiros «milagres» neste campo.
Em 1936,
organizou-se o GRUPO CÉNICO DO CLUBE DOS GALITOS, destinado a
representar a revista «Ao Cantar do Galo», com letra, inicialmente, de
José Meireles e Manuel Firmino de Vilhena Ferreira, letra
que, ao longo das representações, foi sendo alterada e acrescentada por
diversos componentes do Grupo. A música era de diversos autores-amadores
e foi compilada por Leonildo Rosa.
/ 133 /
Desta
revista, que deu 20 representações (14 em Aveiro; 1 em Coimbra; 2 em
Viana do Castelo; e 3 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa) já eu falei
nas minhas Achegas 13 e 19, quando me referi, respectivamente, à Romaria
da Senhora das Dores e aos Esterqueiros.
A abertura
era feita com a cena aberta (que mostrava a Praça da República), a meia
luz, com dois varredores municipais a conversar; no entretanto, o galo
canta «É madrugada!» – exclama um dos varredores).
Ouve-se,
como que ao longe, um coro, pelo que os varredores se retiraram e a cena
fica deserta.
A
curiosidade dos espectadores fixa-se no palco, à espera da entrada do
coro, que é o dos romeiros que se dirigem a Verdemilho à festa da
Senhora das Dores.
Estes,
porém, entram pelas várias portas da plateia, para se dirigirem ao
palco.
O público
lisboeta fica surpreendido pelo ineditismo desta entrada; e, então,
ouvem-se uns dez mil, ou mais «ah's» (o Coliseu estava completamente à
cunha), ao mesmo tempo que estrondeia uma enorme salva de palmas, que
incute a maior confiança a todos os componentes do Grupo.
E se, até
aí, alguns deles ainda estavam com receio ou dúvidas quanto ao êxito da
representação, ficaram cheios de confiança, absolutamente sossegados e à
vontade.
Na verdade,
em qualquer espectáculo, as primeiras impressões são as que dispõem o
público para o apreciar e até para desculpar qualquer número menos
feliz.
A ida a
Lisboa serviu, com o passeio, para dar a possibilidade de a maioria dos
componentes do Grupo e os familiares das pequenas, que as acompanhavam,
conhecerem aquela cidade; e, assim, durante o dia, em grupos formados «ad
hoc», espalhavam-se por vários locais: Jardim Zoológico, Estufa Fria,
Grandes Armazéns como o Grandela e os do Chiado, etc., etc.
Foi neste
último que me aconteceu o seguinte:
Estava a
conversar com uma das empregadas daquele estabelecimento, irmã de um
antigo companheiro e amigo, a Estefânia, (vive, hoje, em Aveiro, onde
foi educada) a quem tinha ido procurar, por ser das minhas relações, e a
quem já não via há muito tempo –, quando um grupo das suas colegas pediu
licença para nos interromper, pois queriam perguntar-me se aquelas
meninas que ali andavam vestidas de tricanas o eram na verdade, ou se se
tratava de senhoras de sociedade.
Respondi-lhes que eram, realmente, tricanas, filhas de gente modesta que
vivia do seu trabalho, e, elas mesmo, com as suas profissões,
costureiras, frangistas, etc., ganhando o seu salário para ajudar as
despesas da casa. E, interrogando-as
/ 134 /
da razão de ser da sua curiosidade, responderam-me que, na sua maioria,
duvidavam da afirmativa que, a igual pergunta, a Estefânia já lhes tinha
dado, dúvidas nascidas das maneiras distintas como elas se apresentavam
e comportavam e da sua elegância natural, o que as levava a supor que de
«senhoras da sociedade se tratasse», assim vestidas para justificar os
reclames, que diziam que o Grupo era composto de tricanas e galitos.
No Coliseu,
o entusiasmo foi enorme, indiscutível, tanto mais que, na assistência,
havia muitos aveirenses, não só de Cacia, Sarrazola, Taboeira e
Mataduços, mas também de Estarreja, Ovar e, até de Oliveira de
Azeméis, que de aveirenses se proclamavam.
Ainda, e
dentro das rivalidades a que já me referi, no Carnaval de 1937, uns
patuscos escreveram e representaram a revista «Ao Cacarejar da Galinha»,
da autoria de Adriano Pires, com a colaboração de alguns daqueles
patuscos, revista que era uma «charge» a «Ao Cantar do Galo» e que deu
três espectáculos no Teatro Aveirense, com casas cheias. Era gente da
antiga «Caldeirada…».
O Grupo
Cénico do Clube dos Galitos representou também a revista «Aveiro em
Foco», sob a direcção musical de Alexandre dos Prazeres Rodrigues,
que compôs parte dos 8 números de música que constavam da referida
revista, compilando os restantes; do corpo coral faziam parte 30
figuras.
Já em 1927
aquele Grupo tinha levado à cena uma paródia carnavalesca denominada «O
Processo do Rasga».
Os
prospectos que reclamavam esta peça teatral apresentaram a novidade de
indicar nomes supostos – ainda que, na sua maioria, fossem de relativa
facilidade de identificação – dos amadores, que daquele espectáculo
faziam parte.
Ainda, e a
propósito das tricanas, contarei, na próxima, um facto que eu reputo de
muito interessante.
No MOLHO DE
ESCABECHE há uma cena, na Fonte dos Arcos, referente ao namoro da filha
de um pescador com um fidalgo, que o Dr. Luís Regala (autor dos
versos desta revista) descreve assim:
Fidalgo –
Boas noites, Leonor!
Tricana –
Oh! Boas noites!...
/ 135 /
Fidalgo –
Que graça que hoje levas! / Não sei se há graça igual na Beira Mar…
Tricana –
Desconte um pouco à luz do seu olhar, / O efeito produzido pelas trevas...
Fidalgo –
Não gracejes, esquiva impenitente...
Tricana – Eu, esquiva, senhor?
Fidalgo –
Sabe-o toda a gente… / Sim, Leonor: esquiva ao meu amor. Tricana – Ora!
Lá vem de novo com as queixas.
Fidalgo –
Vá... tem no meu amor alguma fé.
Tricana –
Por mais que cante essas canções lamechas, / O senhor não é chinela p'ró
meu pé.
Fidalgo –
Deixa-te disso. Bem sabes / Que tu não tens razão / E que, afinal, toda
inteirinha cabes / Muito cá dentro, aqui, no coração.
Tricana –
Não faça pouco da pobreza... / Deixe seguir quem segue… / A vida é
redentora. / Filha de pescador que vende peixe / Nunca posso chegar a
ser senhora.
Fidalgo –
Não sejas má. Escuta o que te digo. / Minhas promessas, crê, não são
chalaças. / Serei talvez o teu maior amigo...
Tricana –
(à parte)
Não é com essas loas que me caças...
Fidalgo – Dar-te-ei o
meu coração, meu braço, tudo… / Dar-te-ei meu nome, até, com alegria. /
Uma casinha, um lar risonho... tudo / Que valha mais que a minha
fidalguia.
(Tenta abraçá-la).
Tricana –
Cautela, cautelinha!... / Então que raio de confiança é esta? / Não se
faça parvinho, / Olhe que eu não me ensaio / Para lhe dar com o caneco
no focinho...
Fidalgo –
Tonta. De que é que vale toda essa zanga? / Diz lá se o teu rubor tem
algum jeito! / Tentava apenas segurar-te a manga, / Para te achegar mais
junto do meu peito. / Olha, Leonor: / Quero dizer-te aqui tudo o que
sinto; / E aceita desta vez o meu amor. / Podes crer, Leonor, que não te
minto. / Não sei dizer se te amo... Sei apenas / Que mal te vejo e em ti
o olhar concentro, / Sinto não sei que esvoaçar de penas / Que me fazem
chamar, por ti, cá dentro. / Será isto amor, será adoração / Ou outro
sentimento que ande a esmo?! / Nunca escutaste a voz do coração?
Tricana –
(à parte)
É a voz amor... Eu também sinto o mesmo.
Fidalgo –
Nunca ouviste no peito uma harmonia / Que é mais contentamento que mágoa
/ E que nos faz lembrar a sinfonia / As orações da fonte a deitar água?!
Tricana –
Sim... Não sei bem... Não sei... Talvez… / Parece que nem tenho palavras
para falar! / O amor... o amor é como a água de uma fonte, / Nasce nos
longes dum monte, / Cresce, cresce sem cessar / E vem morrer em síncope
de prece / Desfeito em pranto e dor no nosso olhar. (Chora).
/ 136 /
Fidalgo –
Enfim, Leonor, és minha! Agora vejo / Que tu sentes, como eu, igual
fervor, / Beijo ardente a pedir um outro beijo, / Ardente amor pedindo o
mesmo amor. / É que o amor, o verdadeiro, é prece / Que sai da linda
boca que a rezou / E vem morrer, em beijo que enlouquece, / No beijo
d'outra boca que beijou.
Tricana –
Sim, sou tua! Há muito que sentia / Meu coração chamar-te em alta voz… /
Mas minha Mãe dizia: / «Toma tento. Olha que ele é mais que nós...! / O
que ele quer, eu sei… / Engana-se, ólari! / Eu não consinto nem
consentirei / Que ele adregue a fazer pouco de ti» / E eu, confrangida,
os olhos a chorar / E o coração votado ao desamparo, / Já não queria
cear… / E a noite, amor, passava-a toda em claro.
(Chora).
Fidalgo –
Deixa-te disso agora. Vem comigo. / Então, Leonor, então? / Não chores
mais. / Para veres que sou o teu melhor amigo / Vou pedir a tua mão,
hoje, a teus pais. /
(tira-lhe a cantarinha) Dás licença, Leonor?
(atira a
cantarinha ao chão).
Tricana –
(aflita)
Que disparate! De certo estás tolinho...
Fidalgo - É
que vais ser condessa, meu amor. / E não te fica bem o cantarinho.
Nunca
acreditei na veracidade de tal namoro, apesar de dele ter ouvido falar
desde a minha meninice: julguei-o, sempre, uma fantasia.
Porém,
Homem Christo, a páginas 229 e seguintes do III volume das «MEMÓRIAS
DA MINHA VIDA E DO MEU TEMPO», confirma-o com as palavras que, a seguir,
transcrevo: Todas são bonitas! (refere-se às tricanas da nossa região,
incluindo as de Ovar). Mas as mais finas, as mais elegantes, as mais
insinuantes, são as de Aveiro. Sempre tiveram essa fama. E pela sua
beleza conseguiram muitas delas casar com homens de classe superior.
O mais
célebre destes casos foi o do Marquês de Castelo Melhor. Contava-se que
o Marquês viera a Aveiro para ver a terra em que nascera sua mãe,
creio que filha do Marquês de Ponte de Lima. Gostou da terra, gostou
sobretudo das mulheres, voltou uma, duas, três vezes, e, por fim, foi-se
definitivamente embora, levando consigo uma delas, lindíssima mulher,
que eu muito bem conheci; e de tal forma apaixonado que se dispôs a
casar com ela, o que só não fez por a morte o ter surpreendido três dias
antes daquele que estava marcado para o casamento.
Eu sabia
isso muito bem, pelas relações de intimidade e parentesco que tinha com
pessoas de família da nubente. Uma sua sobrinha, muito linda também,
essa casara com meu irmão mais velho.
Sabia isso
muito bem. Mas tive a confirmação da boca do Conde de Figueiró, primo do
Marquês, António de Vasconcelos, durante um almoço no Paço das
Necessidades.
/ 137 /
A rainha
Maria Amélia, sempre muito faladora, principalmente quando o rei não
estava, e era o caso nesse dia, contava as impressões que recebera da
filha do Marquês, a qual, na véspera, acabado o período da sua educação
no estrangeiro, fizera, pela primeira vez, a sua apresentação no Paço. A
rainha achara-a muito simpática, tímida mas sem «gaucherie», e,
voltando-se de repente para o Conde de Figueiró, interrogou:
– Sempre é
certo, Conde, que o Marquês estava para casar com a mãe quando morreu?
– Sim, minha
senhora. Até já tinha pedido licença para isso a Sua Majestade El-Rei o
senhor D. Luís, que lha concedera.
– É notável
a gentileza e o ar senhoril daquelas mulheres de Aveiro. Como a ama
do príncipe, por exemplo, pisava uma sala!
A ama do
príncipe era a Florinda Pirré, mulher do
Francisco Maracas,
que o Artur Ravara, muito bairrista, levara para o Paço.
Não havia,
pois, que duvidar. A linda Isabel de Almeida, filha do pescador,
deixou, por três dias, de ser a Marquesa de Castelo Melhor, um dos
títulos mais históricos de Portugal.
A filha,
depois Condessa da Ribeira, veio a suicidar-se em Londres, mais tarde.
Não se esqueceu, o que é uma grande virtude, de que era neta de um
pescador.
Em casa de
meu irmão há uma fotografia dela, já mulher, mas ainda solteira, com
esta carinhosa dedicatória: «Ao meu querido avôzinho, com mil beijos e
um grande abraço, da sua neta muito, muito amiga e obrigada –
Maria
Vasconcelos e Sousa».
Não pode
oferecer qualquer dúvida depois deste depoimento de Homem Christo, que o
facto que o Dr. Luís Regala descreveu em versos, isto é, de uma tricana
ter sido requestada por um fidalgo de alta linhagem, foi verdadeiro.
Homem
Christo, no livro citado, conta, além deste, outros casos. Convém
informar que o Dr. Artur Ravara era médico da Casa Real.
Da revista
MOLHO DE ESCABECHE, falarei, em seguida.
Esclarecendo: Na minha Achega número 57 disse que os Galitos
representaram, em 1927, a paródia carnavalesca «O Processo do Rasga».
Um leitor
destes meus escritos chamou a minha atenção para o facto daquela peça,
ensaiada por Aurélio Costa, ter sido representada, na data indicada,
pelos alunos finalistas do 7.º ano do nosso Liceu, curso do qual aquele
meu leitor fez parte; segundo ele, eu devia estar enganado, e, portanto,
fazer a respectiva rectificação, pois outros seus antigos colegas
deviam, como ele, ter dado pelo meu engano, e convinha repor a verdade.
Não estou
enganado, como verifiquei pelos programas anunciadores dos respectivos
espectáculos: os Galitos representaram-na em 15 e 16 de Fevereiro
/ 138 /
(por alturas do Carnaval) só com rapazes e em travesti nos papéis
femininos; e os estudantes, em 23 de Abril.
Encenador, ensaiador e caracterizadores, etc. foram os mesmos;
contra-regra, nos Galitos, foi Frei Natividade... da bola e, nos
estudantes, o Dr. Aníbal Catarino; o ponto, nos Galitos, foi o
Venceslau, e nos estudantes, o Jaime Neves.
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