O meu amigo, também colaborador do LITORAL,
aliás muito distinto, Arnilde Alberto Casimiro Marques que, em Angra do
Heroísmo, foi gerente do Banco Nacional Ultramarino, teve a gentileza de
me oferecer fotocópia da biografia de Nicolau Anastácio Bettencourt, que
foi Governador Civil do nosso distrito e o fundador da Caixa Económica
de Aveiro, biografia que vem publicada a fls. 104 e seguintes do ALMANACH INSULANO PARA AÇORES E MADEIRA = ESTATÍSTICO, HISTÓRICO E
LITERÁRIO = PARA O ANO DE 1874 = 1.º ANO.
A sua leitura exige que eu rectifique a
afirmativa que fiz de que ele era açoriano – como sempre ouvi dizer –
pois da referida biografia consta que ele nasceu no Funchal, portanto,
na Ilha da Madeira, em 14 de Fevereiro de 1810.
Explica-se a confusão não só porque ele
viveu muitos anos nos Açores, como, também, porque escolheu, depois de
reformado, a cidade de Angra de Heroísmo para sua residência definitiva.
Nicolau Anastácio
Bettencourt era fidalgo cavaleiro da Casa Real, com carta do
conselho de Sua Majestade; comendador das ordens de Nossa Senhora de
Vila Viçosa, e de Cristo; e, ainda, cavaleiro destas ordens. Também foi
homem de letras, possuindo uma cultura intelectual pouco vulgar.
Aos 10 anos, Nicolau Bettencourt «traduzia
os afectos do seu coração liberal, recitando, na Madeira, em 1820, as
estrofes de uma poesia saudando a aurora da liberdade, que despontava
com a revolução que, naquela época, se operou em Portugal», escreve,
textualmente, o biógrafo, Augusto Ribeiro.
Tendo-se matriculado, em 1825, na
Universidade de Coimbra, quando se formou o batalhão académico destinado
a defender os princípios liberais proclamados pela revolução, «trocou as
vestes académicas pela farda de militar» e, sob o comando do conde de
Vila-Flor, foi tomar parte na campanha da Beira, combatendo as forças
realistas comandadas pelo marquês de Chaves. Em 1828, toma parte nas
acções da Cruz de Morouços e da Ponte do Vouga, onde combateu,
denodadamente, em prol dos novos princípios.
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Acompanhou a divisão constitucional que
emigrou para a Galiza e, daqui, para Inglaterra, partindo, depois, para
a Ilha Terceira – única esperança da liberdade – aonde chegou em 14 de
Fevereiro de 1829, dia em que completava 19 anos de idade.
Fazia parte do Batalhão dos Voluntários da
Rainha, que tinha, por primeira companhia, o corpo académico, e
pertenciam às hostes dos valentes que, abrigados pelos rochedos
terceirenses, triunfaram, na luta com uma esquadra miguelista, na vila
da Praia que, hoje, e devido àquele feito, se denomina Praia da Vitória.
Nicolau Bettencourt também fez parte das
várias expedições enviadas ao Faial, Pico, S. Jorge e S. Miguel,
destinadas a libertar essas ilhas do jugo miguelista. Nesta última ilha
houve a acção decisiva da Ladeira Velha que teve lugar em 2 de Agosto de
1831.
Em Agosto p.p., na companhia dos casais
Almeida (João e Maria Helena) – agentes em Portugal da HONDA – e Eloire
(Marcel e Huguette) – franceses que, de há muitos anos passam as suas
férias no nosso país –, tive a oportunidade de visitar 4 das ilhas dos
Açores, pelo que estive em vários dos locais em que se travaram as lutas
de que tenho vindo a falar.
Recordei, com emoção, na vila da Praia da
Vitória, aquilo que, na escola primária, me foi ensinado acerca da luta
havida naquela povoação; e, quando o guia do grupo excursionista de que
fazíamos parte – professor metodólogo da Escola do Magistério Primário
de Ponta Delgada, e guia por amor à sua terra – nos indicou, quando lá
passámos, o local da Ladeira Velha e evocou a luta havida, fazendo o
elogio do Batalhão Académico, do qual fazia parte o patrono cívico da
nossa cidade, José Estêvão, eu exultei, recordando todo o seu esforço no
derrube do regime absolutista.
Nicolau Bettencourt desembarcou no Mindelo e
tomou parte na notável acção da Serra do Pilar, em 14 de Outubro de
1832, na qual se distinguiu o batalhão dos voluntários; esta posição,
segundo o general Torres, que a comandava, era a mais importante para o
triunfo liberal.
Era possuidor da Medalha n.º 9 das campanhas
da liberdade.
Em 1833, começa a sua carreira
administrativa como secretário Geral da Prefeitura de Angra; em 1836,
foi transferido para Administrador Geral e, depois, para Governador
Civil do distrito de Ponta Delgada.
Em 1843, foi colocado no distrito de Aveiro,
onde dirigiu a administração pública com inteligência, conseguindo
manter a ordem pública e a tranquilidade exigidas pelo bem-estar do país
e das instituições políticas que, então, o regiam.
Em 1844, volta para Governador Civil de
Angra do Heroísmo. É neste ano, que ele toma a iniciativa de organizar
uma sociedade com o fim de fundar, em Angra, uma Caixa Económica, que
foi inaugurada em 3 de Março de 1845, e que ainda hoje existe.
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No pouco tempo que dispus na minha visita
aos Açores (8 dias), tive oportunidade de ver, em várias freguesias,
edifícios com letreiros indicativos de, ali, serem a sede das Caixas
Económicas privativas dessas freguesias, possivelmente nascidas por
influência daquela que Nicolau Bettencourt fundou em Angra do Heroísmo.
Durante os doze anos que ele se conservou à
frente daquele distrito, deu grande impulso à instrução, fundando
escolas primárias; e devido à sua influência, foram estabelecidos o
liceu, a alfândega, o paço das justiças e as cadeias públicas. Também se
fizeram várias muralhas para a defesa do litoral.
Foi, a seguir, nomeado Governador Civil da
Horta; e, de tal modo se comportou, que, em 1853, os faialenses
concederam-lhe o diploma de deputado, que ele recusou, para vir ocupar,
novamente, o cargo de Governador Civil do distrito de Aveiro. É então
que, em 1858, ele toma a iniciativa de organizar a Caixa Económica de
Aveiro, baseada na de Angra, que continuava a prestar muitos e grandes
benefícios.
Nicolau Bettencourt terminou a sua carreira
administrativa em Portalegre (para onde foi transferido de Aveiro),
tendo-se reformado, devido aos seus achaques; e escolheu Angra do
Heroísmo para sua última residência.
Na altura em que a biografia foi publicada,
Nicolau Bettencourt ainda vivia. |