Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

A Caixa Económica – O seu fundador

O meu amigo, também colaborador do LITORAL, aliás muito distinto, Arnilde Alberto Casimiro Marques que, em Angra do Heroísmo, foi gerente do Banco Nacional Ultramarino, teve a gentileza de me oferecer fotocópia da biografia de Nicolau Anastácio Bettencourt, que foi Governador Civil do nosso distrito e o fundador da Caixa Económica de Aveiro, biografia que vem publicada a fls. 104 e seguintes do ALMANACH INSULANO PARA AÇORES E MADEIRA = ESTATÍSTICO, HISTÓRICO E LITERÁRIO = PARA O ANO DE 1874 = 1.º ANO.

A sua leitura exige que eu rectifique a afirmativa que fiz de que ele era açoriano – como sempre ouvi dizer – pois da referida biografia consta que ele nasceu no Funchal, portanto, na Ilha da Madeira, em 14 de Fevereiro de 1810.

Explica-se a confusão não só porque ele viveu muitos anos nos Açores, como, também, porque escolheu, depois de reformado, a cidade de Angra de Heroísmo para sua residência definitiva.

Nicolau Anastácio Bettencourt era fidalgo cavaleiro da Casa Real, com carta do conselho de Sua Majestade; comendador das ordens de Nossa Senhora de Vila Viçosa, e de Cristo; e, ainda, cavaleiro destas ordens. Também foi homem de letras, possuindo uma cultura intelectual pouco vulgar.

Aos 10 anos, Nicolau Bettencourt «traduzia os afectos do seu coração liberal, recitando, na Madeira, em 1820, as estrofes de uma poesia saudando a aurora da liberdade, que despontava com a revolução que, naquela época, se operou em Portugal», escreve, textualmente, o biógrafo, Augusto Ribeiro.

Tendo-se matriculado, em 1825, na Universidade de Coimbra, quando se formou o batalhão académico destinado a defender os princípios liberais proclamados pela revolução, «trocou as vestes académicas pela farda de militar» e, sob o comando do conde de Vila-Flor, foi tomar parte na campanha da Beira, combatendo as forças realistas comandadas pelo marquês de Chaves. Em 1828, toma parte nas acções da Cruz de Morouços e da Ponte do Vouga, onde combateu, denodadamente, em prol dos novos princípios. / 68 /

Acompanhou a divisão constitucional que emigrou para a Galiza e, daqui, para Inglaterra, partindo, depois, para a Ilha Terceira – única esperança da liberdade – aonde chegou em 14 de Fevereiro de 1829, dia em que completava 19 anos de idade.

Fazia parte do Batalhão dos Voluntários da Rainha, que tinha, por primeira companhia, o corpo académico, e pertenciam às hostes dos valentes que, abrigados pelos rochedos terceirenses, triunfaram, na luta com uma esquadra miguelista, na vila da Praia que, hoje, e devido àquele feito, se denomina Praia da Vitória.

Nicolau Bettencourt também fez parte das várias expedições enviadas ao Faial, Pico, S. Jorge e S. Miguel, destinadas a libertar essas ilhas do jugo miguelista. Nesta última ilha houve a acção decisiva da Ladeira Velha que teve lugar em 2 de Agosto de 1831.

Em Agosto p.p., na companhia dos casais Almeida (João e Maria Helena) – agentes em Portugal da HONDA – e Eloire (Marcel e Huguette) – franceses que, de há muitos anos passam as suas férias no nosso país –, tive a oportunidade de visitar 4 das ilhas dos Açores, pelo que estive em vários dos locais em que se travaram as lutas de que tenho vindo a falar.

Recordei, com emoção, na vila da Praia da Vitória, aquilo que, na escola primária, me foi ensinado acerca da luta havida naquela povoação; e, quando o guia do grupo excursionista de que fazíamos parte – professor metodólogo da Escola do Magistério Primário de Ponta Delgada, e guia por amor à sua terra – nos indicou, quando lá passámos, o local da Ladeira Velha e evocou a luta havida, fazendo o elogio do Batalhão Académico, do qual fazia parte o patrono cívico da nossa cidade, José Estêvão, eu exultei, recordando todo o seu esforço no derrube do regime absolutista.

Nicolau Bettencourt desembarcou no Mindelo e tomou parte na notável acção da Serra do Pilar, em 14 de Outubro de 1832, na qual se distinguiu o batalhão dos voluntários; esta posição, segundo o general Torres, que a comandava, era a mais importante para o triunfo liberal.

Era possuidor da Medalha n.º 9 das campanhas da liberdade.

Em 1833, começa a sua carreira administrativa como secretário Geral da Prefeitura de Angra; em 1836, foi transferido para Administrador Geral e, depois, para Governador Civil do distrito de Ponta Delgada.

Em 1843, foi colocado no distrito de Aveiro, onde dirigiu a administração pública com inteligência, conseguindo manter a ordem pública e a tranquilidade exigidas pelo bem-estar do país e das instituições políticas que, então, o regiam.

Em 1844, volta para Governador Civil de Angra do Heroísmo. É neste ano, que ele toma a iniciativa de organizar uma sociedade com o fim de fundar, em Angra, uma Caixa Económica, que foi inaugurada em 3 de Março de 1845, e que ainda hoje existe. / 69 /

No pouco tempo que dispus na minha visita aos Açores (8 dias), tive oportunidade de ver, em várias freguesias, edifícios com letreiros indicativos de, ali, serem a sede das Caixas Económicas privativas dessas freguesias, possivelmente nascidas por influência daquela que Nicolau Bettencourt fundou em Angra do Heroísmo.

Durante os doze anos que ele se conservou à frente daquele distrito, deu grande impulso à instrução, fundando escolas primárias; e devido à sua influência, foram estabelecidos o liceu, a alfândega, o paço das justiças e as cadeias públicas. Também se fizeram várias muralhas para a defesa do litoral.

Foi, a seguir, nomeado Governador Civil da Horta; e, de tal modo se comportou, que, em 1853, os faialenses concederam-lhe o diploma de deputado, que ele recusou, para vir ocupar, novamente, o cargo de Governador Civil do distrito de Aveiro. É então que, em 1858, ele toma a iniciativa de organizar a Caixa Económica de Aveiro, baseada na de Angra, que continuava a prestar muitos e grandes benefícios.

Nicolau Bettencourt terminou a sua carreira administrativa em Portalegre (para onde foi transferido de Aveiro), tendo-se reformado, devido aos seus achaques; e escolheu Angra do Heroísmo para sua última residência.

Na altura em que a biografia foi publicada, Nicolau Bettencourt ainda vivia.

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