Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

A Caixa Económica – O seu trespasse

Voltemos, novamente, e para acabar, à Caixa Económica de Aveiro. Não foi só o Dr. Jaime de Magalhães Lima que protestou contra a venda, ou o trespasse (como passou a denominar-se a operação que pretendia fazer-se) da Caixa. No impresso a que me referi no último artigo e que, agora, tive oportunidade de reler no jornal “O Democrata” com o n.º 604, datado de 3-1-1920, aquele ilustre aveirense faz a história da Caixa, diz-nos dos seus progressos e dificuldades que ela teve através da sua existência, e das crises que sempre conseguiu vencer mercê da honestidade e competência das suas administrações, pondo em destaque o facto da Caixa Económica de Aveiro, tal como estava organizada e as funções que desempenhava, ser a única no País; e, desse documento, constam números referentes ao movimento dos vários anos e indicam-se os benefícios prestados pela Caixa a diferentes instituições de caridade, benefícios que prestou com a distribuição de lucros obtidos do exercício da sua actividade, através dos anos da sua existência. E até o Hospital já tinha sido contemplado com sete contos, até essa altura.

É um documento muito extenso para ser transcrito para aqui, mas muito interessante pelo seu conteúdo.

Não foi só o Dr. Jaime de Magalhães Lima que protestou contra a transacção que se pretendia fazer, como acima disse. Na Imprensa local, e durante meses, a questão agitou-se, bravamente, com os protestos de uns (a quem lhes parecia que tal transacção era para «arranjo» do grupo de capitalistas que teve a ideia dessa operação) e com a defesa de outros (convencidos de que a economia da cidade ganharia com isso); e não era só na Imprensa que o caso se debatia: também no público, em geral, havia partidários – a maioria contra a venda – das duas modalidades que, «assanhadamente», discutiam o caso. / 65 /

Assinada por «um depositante», “O Democrata” de 6-XII-1919 publica uma carta protestando contra a proposta apresentada na Assembleia Geral para a incorporação daquele estabelecimento no Banco Regional de Aveiro e para o estudo da qual foi nomeada uma comissão.

Nessa carta diz-se – «Seja qual fôr a solução que o assunto venha a têr, ele já não deixou de surpreender, desagradavelmente, a opinião pública desta cidade e gerar, até, uma certa desconfiança que levará muitos depositantes a levantar dali os seus depósitos».

Em 17-IV-1920, no seu número 610, “O Democrata” publica a seguinte notícia: – «Em assembleia magna constituída pelos sócios dêste estabelecimento de crédito (referia-se à Caixa Económica) foi no último domingo, aprovado, em princípio, por grande maioria, havendo, apenas, 4 votos contra, o trespasse da Caixa Económica de Aveiro nas seguintes condições: que a transacção se realise trinta dias após o anúncio feito na imprensa, tornando-a conhecida; que sirva de base à operação a quantia de duzentos contos; que a licitação seja verbal, depositando cada licitante cinquenta contos; e em tudo o mais que sejam observadas as condições expressas na proposta que, para o mesmo fim, foi apresentada pelo Sr. Máximo Júnior, representando um grupo de capitalistas».

A Caixa foi vendida ao referido grupo de capitalistas por duzentos e um mil e cem escudos.

Para efeito da aplicação desta importância, reuniu-se, em segunda convocatória, no dia 27-VI-1920, a Assembleia Geral Extraordinária da Caixa Económica de Aveiro. Nela, estiveram presentes vinte e dois sócios e presidiu (por não ter comparecido o respectivo titular, o Dr. António Carlos da Silva Mello Guimarães) Domingos Pereira Campos.

Pediu a palavra o sócio Dr. Lourenço Simões Peixinho, que disse: «que a importância acima referida, como está expresso no artigo 86.º dos Estatutos, tem de reverter em favor de algum ou alguns estabelecimentos de beneficência existentes na cidade e concelho de Aveiro», expondo, a seguir, as precárias condições em que se encontra, quanto a recursos, o Hospital da Misericórdia, exposição esta que, noutra reunião, teve ensejo de fazer. E continuou, dizendo que, na sua qualidade de Provedor da Irmandade da Misericórdia, declara que o Hospital, com os deficientíssimos rendimentos que tem – apenas cerca de três contos anuais –, terá de fechar a sua porta aos doentes e desgraçados que, em tão grande número, ali aparecem a pedir tratamento e agasalho, se lhe não forem prestados auxílios suficientes, de imediato, nesta conjuntura de grande crise e em melhores dias. E, depois de uma série de considerações, terminou por propor que a importância líquida do produto da venda da Caixa reverta, integralmente, em favor da Misericórdia de Aveiro, para, com o rendimento, poder fazer face aos seus encargos e poder continuar a dispensar benefícios à pobreza enferma e a internar no Hospital um maior número de necessitados. / 66 /

Posta à votação esta proposta, Francisco António Meireles (comerciante da nossa praça, pessoa honesta e inteligente com grande poder de argumentação e teimoso nas suas atitudes quando julgava estar dentro da razão – com quem, aliás, na minha qualidade de dirigente associativo tive os meus desaguisados, visto que defendíamos interesses opostos – e a quem presto a minha homenagem) propôs que ao Montepio Aveirense fossem dados vinte mil escudos, proposta contra a qual se manifestou parte da assistência, interrompendo o orador, quando ele justificava a sua proposta. Aliás, ele já o devia ter previsto, dadas as pessoas que compunham a Assembleia, todas afeiçoadas ao Dr. Lourenço Peixinho.

O Dr. Joaquim Peixinho, advogado e irmão do Dr. Lourenço, propôs, então, em aditamento à proposta deste, que à Irmandade da Misericórdia fosse entregue todo o líquido produto da venda da Caixa, com a obrigação, porém, daquela instituição subsidiar, todos os anos, a Associação de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas, até à quantia de quinhentos escudos, a começar em 1922, com o fim especial, e não de outro, de ser aplicado em donativos pecuniários, ou doutra espécie, aos sócios reconhecidamente pobres e impossibilitados de angariarem, pelo trabalho, o seu pão e o de suas famílias, e isso no caso desses sócios não estarem, na conjuntura, recebendo doutra origem, oficial ou oficiosa, quaisquer auxílios ou salários suficientes. Justificou a sua proposta alegando que, sendo certo que aquela associação, não sendo de beneficência – pois se trata de uma sociedade de socorros mútuos –, tem muitos associados que não são necessitados, como acontece com ele, orador, não é menos certo que, nela, sempre houve, e há, chefes de família que vivem apenas do parco produto do seu trabalho quotidiano e que, por vezes, estão sem recursos por motivo de doença, ou inabilidade. Assim, parece-lhe que a sua proposta, a ser aprovada, não contraria os Estatutos, nesta parte.

Esta proposta foi aprovada, e, dela, consta a forma como regular o assunto entre as duas entidades.

Isto é o que consta da cópia da Acta, pela qual me estou guiando para escrever este artigo; porém, noutro local, encontrei que, além daquela verba, também ficou estabelecido que, anualmente, seriam distribuídos 50$00 pelos pobres, em comemoração do aniversário da fundação da Caixa, e 30$00 para manter o prémio Nicolau Bettencourt, criado para galardoar, no Liceu, o aluno mais distinto desta cidade.

E, já agora, direi que o primeiro aluno a receber este prémio foi o Dr. Francisco Ferreira Neves.

E, também, que o Banco Regional de Aveiro, sociedade por quotas, iniciou as suas operações em 1-11-1920, com o capital de 500 contos, aumentando-o, em Maio do mesmo ano, como sociedade anónima, para 4.000 contos, sendo a primeira emissão de 2.000 contos em acções de 100$00. / 67 /

Terminou em 1920 a Caixa Económica de Aveiro que, em 1858, foi fundada por Nicolau Bettencourt, açoriano que então era Governador Civil do Distrito de Aveiro.

A inauguração realizou-se no dia 22 de Maio desse ano e a sua primeira direcção foi constituída por: Mendes Leite, Sebastião Lima, Bento de Magalhães, Agostinho Pinheiro e Padre José Goes.

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