Voltemos, novamente, e para acabar, à Caixa
Económica de Aveiro. Não foi só o Dr. Jaime de Magalhães Lima que
protestou contra a venda, ou o trespasse (como passou a denominar-se a
operação que pretendia fazer-se) da Caixa. No impresso a que me referi
no último artigo e que, agora, tive oportunidade de reler no jornal “O
Democrata” com o n.º 604, datado de 3-1-1920, aquele ilustre aveirense
faz a história da Caixa, diz-nos dos seus progressos e dificuldades que ela teve através da sua existência, e das crises que
sempre conseguiu vencer mercê da honestidade e competência das suas
administrações, pondo em destaque o facto da Caixa Económica de Aveiro,
tal como estava organizada e as funções que desempenhava, ser a única no
País; e, desse documento, constam números referentes ao movimento dos
vários anos e indicam-se os benefícios prestados pela Caixa a diferentes
instituições de caridade, benefícios que prestou com a distribuição de
lucros obtidos do exercício da sua actividade, através dos anos da sua
existência. E até o Hospital já tinha sido contemplado com sete contos,
até essa altura.
É um documento muito extenso para ser
transcrito para aqui, mas muito interessante pelo seu conteúdo.
Não foi só o Dr. Jaime de Magalhães Lima que
protestou contra a transacção que se pretendia fazer, como acima disse.
Na Imprensa local, e durante meses, a questão agitou-se, bravamente, com
os protestos de uns (a quem lhes parecia que tal transacção era para
«arranjo» do grupo de capitalistas que teve a ideia dessa operação) e
com a defesa de outros (convencidos de que a economia da cidade ganharia
com isso); e não era só na Imprensa que o caso se debatia: também no
público, em geral, havia partidários – a maioria contra a venda – das
duas modalidades que, «assanhadamente», discutiam o caso.
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Assinada por «um depositante», “O Democrata”
de 6-XII-1919 publica uma carta protestando contra a proposta
apresentada na Assembleia Geral para a incorporação daquele
estabelecimento no Banco Regional de Aveiro e para o estudo da qual foi
nomeada uma comissão.
Nessa carta diz-se – «Seja qual fôr a
solução que o assunto venha a têr, ele já não deixou de surpreender,
desagradavelmente, a opinião pública desta cidade e gerar, até, uma
certa desconfiança que levará muitos depositantes a levantar dali os
seus depósitos».
Em 17-IV-1920, no seu número 610, “O
Democrata” publica a seguinte notícia: – «Em assembleia magna
constituída pelos sócios dêste estabelecimento de crédito (referia-se à
Caixa Económica) foi no último domingo, aprovado, em princípio, por
grande maioria, havendo, apenas, 4 votos contra, o trespasse da Caixa
Económica de Aveiro nas seguintes condições: que a transacção se realise
trinta dias após o anúncio feito na imprensa, tornando-a conhecida; que
sirva de base à operação a quantia de duzentos contos; que a licitação
seja verbal, depositando cada licitante cinquenta contos; e em tudo o
mais que sejam observadas as condições expressas na proposta que, para o
mesmo fim, foi apresentada pelo Sr. Máximo Júnior, representando um
grupo de capitalistas».
A Caixa foi vendida ao referido grupo de
capitalistas por duzentos e um mil e cem escudos.
Para efeito da aplicação desta importância,
reuniu-se, em segunda convocatória, no dia 27-VI-1920, a Assembleia
Geral Extraordinária da Caixa Económica de Aveiro. Nela, estiveram
presentes vinte e dois sócios e presidiu (por não ter comparecido o
respectivo titular, o Dr. António Carlos da Silva Mello Guimarães)
Domingos Pereira Campos.
Pediu a palavra o sócio
Dr. Lourenço Simões
Peixinho, que disse: «que a importância acima referida, como está
expresso no artigo 86.º dos Estatutos, tem de reverter em favor de algum
ou alguns estabelecimentos de beneficência existentes na cidade e
concelho de Aveiro», expondo, a seguir, as precárias condições em que se
encontra, quanto a recursos, o Hospital da Misericórdia, exposição esta
que, noutra reunião, teve ensejo de fazer. E continuou, dizendo que, na
sua qualidade de Provedor da Irmandade da Misericórdia, declara que o
Hospital, com os deficientíssimos rendimentos que tem – apenas cerca de
três contos anuais –, terá de fechar a sua porta aos doentes e
desgraçados que, em tão grande número, ali aparecem a pedir tratamento e
agasalho, se lhe não forem prestados auxílios suficientes, de imediato,
nesta conjuntura de grande crise e em melhores dias. E, depois de uma
série de considerações, terminou por propor que a importância líquida do
produto da venda da Caixa reverta, integralmente, em favor da
Misericórdia de Aveiro, para, com o rendimento, poder fazer face aos
seus encargos e poder continuar a dispensar benefícios à pobreza enferma
e a internar no Hospital um maior número de necessitados.
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Posta à votação esta proposta,
Francisco
António Meireles (comerciante da nossa praça, pessoa honesta e
inteligente com grande poder de argumentação e teimoso nas suas atitudes
quando julgava estar dentro da razão – com quem, aliás, na minha
qualidade de dirigente associativo tive os meus desaguisados, visto que
defendíamos interesses opostos – e a quem presto a minha homenagem)
propôs que ao Montepio Aveirense fossem dados vinte mil escudos,
proposta contra a qual se manifestou parte da assistência, interrompendo
o orador, quando ele justificava a sua proposta. Aliás, ele já o devia
ter previsto, dadas as pessoas que compunham a Assembleia, todas
afeiçoadas ao Dr. Lourenço Peixinho.
O Dr. Joaquim Peixinho, advogado e irmão do
Dr. Lourenço, propôs, então, em aditamento à proposta deste, que à
Irmandade da Misericórdia fosse entregue todo o líquido produto da venda
da Caixa, com a obrigação, porém, daquela instituição subsidiar, todos
os anos, a Associação de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas, até à
quantia de quinhentos escudos, a começar em 1922, com o fim especial, e
não de outro, de ser aplicado em donativos pecuniários, ou doutra
espécie, aos sócios reconhecidamente pobres e impossibilitados de
angariarem, pelo trabalho, o seu pão e o de suas famílias, e isso no
caso desses sócios não estarem, na conjuntura, recebendo doutra origem,
oficial ou oficiosa, quaisquer auxílios ou salários suficientes.
Justificou a sua proposta alegando que, sendo certo que aquela
associação, não sendo de beneficência – pois se trata de uma sociedade
de socorros mútuos –, tem muitos associados que não são necessitados,
como acontece com ele, orador, não é menos certo que, nela, sempre
houve, e há, chefes de família que vivem apenas do parco produto do seu
trabalho quotidiano e que, por vezes, estão sem recursos por motivo de
doença, ou inabilidade. Assim, parece-lhe que a sua proposta, a ser
aprovada, não contraria os Estatutos, nesta parte.
Esta proposta foi aprovada, e, dela, consta
a forma como regular o assunto entre as duas entidades.
Isto é o que consta da cópia da Acta, pela
qual me estou guiando para escrever este artigo; porém, noutro local,
encontrei que, além daquela verba, também ficou estabelecido que,
anualmente, seriam distribuídos 50$00 pelos pobres, em comemoração do
aniversário da fundação da Caixa, e 30$00 para manter o prémio Nicolau
Bettencourt, criado para galardoar, no Liceu, o aluno mais distinto
desta cidade.
E, já agora, direi que o primeiro aluno a
receber este prémio foi o Dr. Francisco Ferreira Neves.
E, também, que o Banco Regional de Aveiro,
sociedade por quotas, iniciou as suas operações em 1-11-1920, com o
capital de 500 contos, aumentando-o, em Maio do mesmo ano, como
sociedade anónima, para 4.000 contos, sendo a primeira emissão de 2.000
contos em acções de 100$00.
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Terminou em 1920 a Caixa Económica de
Aveiro que, em 1858, foi fundada por Nicolau Bettencourt, açoriano que
então era Governador Civil do Distrito de Aveiro.
A inauguração realizou-se no dia 22 de Maio
desse ano e a sua primeira direcção foi constituída por: Mendes Leite,
Sebastião Lima, Bento de Magalhães, Agostinho Pinheiro e Padre José
Goes. |