Achegas para a Historiografia Aveirense - 1988

A Caixa Económica – A sua História

Tanto quanto é do meu conhecimento, a Caixa Económica de Aveiro foi fundada por Nicolau Bettencourt (que foi Governador Civil do Distrito de Aveiro), não só para incitar ao aforro de pequenas importâncias, mas, também, para acudir às necessidades ocasionais de comerciantes e particulares, regulando o juro, e livrando-os da usura quando, atrapalhados, necessitavam de pedir dinheiro emprestado para satisfazerem os seus compromissos e não faltarem à palavra dada.

Com um pequeno acréscimo ao juro pago ao depositante (5% salvo erro), a Caixa estava habilitada a acudir às pessoas com necessidades financeiras ocasionais; e era negócio sério que interessava à Caixa e a quem a ela tinha de recorrer.

Mercê do cuidado e da honestidade com que era feita a sua administração (ainda conheci como seus administradores os comerciantes José Gonçalves Gamelas e Domingos José dos Santos Leite e, mais tarde, o Director da Escola de Fernando Caldeira, Francisco Augusto da Silva Rocha) e, com relativamente poucos empregados (José da Fonseca Prat, Luís Lopes dos Santos, Abel Gonçalves e, ainda, o Brito dos Correios) a Caixa Económica de Aveiro conseguiu realizar um bom Fundo de Reserva, para o seu tempo.

E a Caixa fez, ou adquiriu, o edifício da sua sede, ali, na Rua de José Estêvão; e tinha as suas reservas, não só em moeda corrente, como, também, em objectos de ouro que alguns mutuários não resgatavam, ou por não lhes interessar fazê-lo, ou por não terem possibilidades disso, mas que a Caixa conservava em seu poder, talvez na esperança de que aos seus donos surgisse, ainda, uma oportunidade para os resgatarem.

A Caixa Económica de Aveiro foi, como já se disse, administrada pelos aveirenses do final do século passado, como o foram: o Montepio das Classes Laboriosas (que tantos e tão grandes benefícios prestou aos seus associados antes da implantação do regime da Previdência); a Associação de Classe dos Marnotos e Bateleiros da Ria de Aveiro; a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro; e, até, a Sociedade Recreio Artístico que, organizada e dirigida por operários (artistas se chamavam então), conseguiu, devido à honestidade, modéstia e persistência das suas direcções, sobreviver até aos nossos dias, quando é certo que outras associações do mesmo género, fundadas, nessas alturas, por pessoas de outras classes sociais, soçobravam ao fim de algum tempo.

A esta geração do final do século XIX (industriais, comerciantes e operários) / 63/ muito deve o progresso de Aveiro; é a ela que se deve a estátua do grande tribuno José Estêvão, patrono cívico da nossa cidade.

Com o evoluir dos tempos, principalmente durante e após a Primeira Grande Guerra (1914-1918) – em que Portugal participou –, a economia mundial foi alterada profundamente, e a inflação foi enorme; assim, houve enorme modificação no sistema económico mundial, e Aveiro, que, até aí, além da Caixa Económica e do Banco de Portugal apenas tinha – e chegavam bem para o seu comércio – uns correspondentes bancários (que me lembre, as firmas Salgueiro & Filhos, Testa & Amadores, Albino Miranda e os irmãos Pereira Júnior), passou a dispor, no seu meio comercial, dumas poucas de agências de bancos, a fazerem transacções da sua especialidade.

Por essa altura, é fundado o Banco Regional de Aveiro, com capitais aveirenses, Banco destinado, segundo os seus estatutos, a promover e auxiliar a economia da cidade e da região.

A evolução atrás referida ocasionou que a Caixa Económica de Aveiro perdesse muito das suas actividades, ficando reduzida quase que só ao empréstimo sobre penhores.

Houve quem pensasse, na altura, na sua remodelação, como se vê de um artigo publicado no número 169 do jornal “O de Aveiro”, de 4-1-1920.

Nesse artigo diz-se que a Caixa Económica de Aveiro cumpriu a sua missão, aquela para que fora fundada e, bem assim, que prestou benefícios à gente do concelho de Aveiro e limítrofes, principalmente pela regularização do juro, livrando-a, desse modo, das garras da usura e amealhando as pequenas economias de quem não podia depositar grandes importâncias. E continua dizendo que há, agora, quem faça mais e em melhores condições, pelo que terá de transformar-se, pois, dessa transformação irá beneficiar a pobreza, tanto mais que a Caixa, actualmente, não vive, vegeta; e, com a concorrência que se está estabelecendo em Aveiro das outras casas bancárias, não é provável que o seu viver melhore. E, a seguir: foi apresentada à Assembleia da Caixa Económica de Aveiro uma proposta, na qual, ficando a casa na mesma, com as mesmas paredes, com os mesmos empregados (em melhores condições de vida), com as mesmas operações garantidas, ainda se depositariam, onde melhor conviesse, duzentos mil escudos, cujo rendimento anual de dez contos, aproximadamente, seria destinado a ser distribuído, todos os anos, pela miséria e pela pobreza, perguntando a seguir: haverá alguém de espírito lúcido, pensando a sangue frio e sem paixão, que seja capaz de defender a continuação da Caixa Económica como está, com prejuízo da distribuição de dez contos de réis de esmolas todos os anos; e explicando, a seguir, a razão deste artigo: «Vem isto a propósito de um impresso que o Dr. Jaime Magalhães Lima fez espalhar pela cidade e onde, por sinal, vem uma referência ao Dr. Lourenço Peixinho, que é injusta». / 64 /

O artigo termina, textualmente, assim: – «O Dr. Lourenço Peixinho que todo o mundo tem visto que não poupamos quando discordamos dos seus actos, tem prestado relevantes serviços como provedor da Santa Casa da Misericórdia, e nesse cargo tem mostrado tanto zêlo, que censurá-lo ainda por cima é ir um pouco além do que a paixão permite.

Nunca deixaremos de mostrar ao Dr. Lourenço Peixinho a nossa discordância quando não estivermos de acordo. Mas, também, nunca deixaremos de afirmar que, até hoje, no conjunto dos seus actos, como presidente da Câmara e provedor da Santa Casa, só há muito, e muito, que aplaudir».

Tenham todos muita paciência, mas eu ainda voltarei a falar da Caixa.

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