Tanto quanto é do meu conhecimento, a Caixa
Económica de Aveiro foi fundada por Nicolau Bettencourt (que foi
Governador Civil do Distrito de Aveiro), não só para incitar ao aforro
de pequenas importâncias, mas, também, para acudir às necessidades
ocasionais de comerciantes e particulares, regulando o juro, e
livrando-os da usura quando, atrapalhados, necessitavam de pedir
dinheiro emprestado para satisfazerem os seus compromissos e não
faltarem à palavra dada.
Com um pequeno acréscimo ao juro pago ao
depositante (5% salvo erro), a Caixa estava habilitada a acudir às
pessoas com necessidades financeiras ocasionais; e era negócio sério que
interessava à Caixa e a quem a ela tinha de recorrer.
Mercê do cuidado e da honestidade com que
era feita a sua administração (ainda conheci como seus administradores
os comerciantes José Gonçalves Gamelas e
Domingos José dos Santos Leite
e, mais tarde, o Director da Escola de Fernando Caldeira,
Francisco
Augusto da Silva Rocha) e, com relativamente poucos empregados (José da
Fonseca Prat, Luís Lopes dos Santos,
Abel Gonçalves e, ainda, o Brito
dos Correios) a Caixa Económica de Aveiro conseguiu realizar um bom
Fundo de Reserva, para o seu tempo.
E a Caixa fez, ou adquiriu, o edifício da
sua sede, ali, na Rua de José Estêvão; e tinha as suas reservas, não só
em moeda corrente, como, também, em objectos de ouro que alguns
mutuários não resgatavam, ou por não lhes interessar fazê-lo, ou por não
terem possibilidades disso, mas que a Caixa conservava em seu poder,
talvez na esperança de que aos seus donos surgisse, ainda, uma
oportunidade para os resgatarem.
A Caixa Económica de Aveiro foi, como já se
disse, administrada pelos aveirenses do final do século passado, como o
foram: o Montepio das Classes Laboriosas (que tantos e tão grandes
benefícios prestou aos seus associados antes da implantação do regime da
Previdência); a Associação de Classe dos Marnotos e Bateleiros da Ria de
Aveiro; a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro; e,
até, a Sociedade Recreio Artístico que, organizada e dirigida por
operários (artistas se chamavam então), conseguiu, devido à honestidade,
modéstia e persistência das suas direcções, sobreviver até aos nossos
dias, quando é certo que outras associações do mesmo género, fundadas,
nessas alturas, por pessoas de outras classes sociais, soçobravam ao fim
de algum tempo.
A esta geração do final do século XIX
(industriais, comerciantes e operários)
/ 63/
muito deve o progresso de Aveiro; é a ela que se deve a estátua do
grande tribuno José Estêvão, patrono cívico da nossa cidade.
Com o evoluir dos tempos, principalmente
durante e após a Primeira Grande Guerra (1914-1918) – em que Portugal
participou –, a economia mundial foi alterada profundamente, e a
inflação foi enorme; assim, houve enorme modificação no sistema
económico mundial, e Aveiro, que, até aí, além da Caixa Económica e do
Banco de Portugal apenas tinha – e chegavam bem para o seu comércio –
uns correspondentes bancários (que me lembre, as firmas Salgueiro &
Filhos, Testa & Amadores, Albino Miranda e os irmãos Pereira Júnior),
passou a dispor, no seu meio comercial, dumas poucas de agências de
bancos, a fazerem transacções da sua especialidade.
Por essa altura, é fundado o Banco Regional
de Aveiro, com capitais aveirenses, Banco destinado, segundo os seus
estatutos, a promover e auxiliar a economia da cidade e da região.
A evolução atrás referida ocasionou que a
Caixa Económica de Aveiro perdesse muito das suas actividades, ficando
reduzida quase que só ao empréstimo sobre penhores.
Houve quem pensasse, na altura, na sua
remodelação, como se vê de um artigo publicado no número 169 do jornal
“O de Aveiro”, de 4-1-1920.
Nesse artigo diz-se que a Caixa Económica de
Aveiro cumpriu a sua missão, aquela para que fora fundada e, bem assim,
que prestou benefícios à gente do concelho de Aveiro e limítrofes,
principalmente pela regularização do juro, livrando-a, desse modo, das
garras da usura e amealhando as pequenas economias de quem não podia
depositar grandes importâncias. E continua dizendo que há, agora, quem
faça mais e em melhores condições, pelo que terá de transformar-se,
pois, dessa transformação irá beneficiar a pobreza, tanto mais que a
Caixa, actualmente, não vive, vegeta; e, com a concorrência que se está
estabelecendo em Aveiro das outras casas bancárias, não é provável que o
seu viver melhore. E, a seguir: foi apresentada à Assembleia da Caixa
Económica de Aveiro uma proposta, na qual, ficando a casa na mesma, com
as mesmas paredes, com os mesmos empregados (em melhores condições de
vida), com as mesmas operações garantidas, ainda se depositariam, onde
melhor conviesse, duzentos mil escudos, cujo rendimento anual de dez
contos, aproximadamente, seria destinado a ser distribuído, todos os
anos, pela miséria e pela pobreza, perguntando a seguir: haverá alguém
de espírito lúcido, pensando a sangue frio e sem paixão, que seja capaz
de defender a continuação da Caixa Económica como está, com prejuízo da
distribuição de dez contos de réis de esmolas todos os anos; e
explicando, a seguir, a razão deste artigo: «Vem isto a propósito de um
impresso que o Dr. Jaime Magalhães Lima fez espalhar pela cidade e onde,
por sinal, vem uma referência ao Dr. Lourenço Peixinho, que é injusta».
/ 64 /
O artigo termina, textualmente, assim: – «O
Dr. Lourenço Peixinho que todo o mundo tem visto que não poupamos quando
discordamos dos seus actos, tem prestado relevantes serviços como
provedor da Santa Casa da Misericórdia, e nesse cargo tem mostrado tanto
zêlo, que censurá-lo ainda por cima é ir um pouco além do que a paixão
permite.
Nunca deixaremos de mostrar ao Dr. Lourenço
Peixinho a nossa discordância quando não estivermos de acordo. Mas,
também, nunca deixaremos de afirmar que, até hoje, no conjunto dos seus
actos, como presidente da Câmara e provedor da Santa Casa, só há muito,
e muito, que aplaudir».
Tenham todos muita paciência, mas eu ainda
voltarei a falar da Caixa. |