Acidentalmente, falei, numa das minhas
crónicas (e a propósito do calçado usado no Verão pela mocidade, como
grande moda), nos esterqueiros que a actual juventude – e até outras
pessoas que já a ultrapassaram – não sabe que existiram e as funções que
desempenhavam na vida da cidade.
Como foram personagens focadas na
revista-fantasia «Ao Cantar do Galo», vou transcrever não só a
explicação dada no folheto a que me referi na altura em que falei da
Romaria da Senhora das Dores, como, também, darei, daquela peça, o que
consta a tal respeito.
Vejamos, pois, o folheto:
«AVEIRO DE NOITE – Junto ao canal da cidade,
a Igreja da Misericórdia ao alto. Uma pobre rapariga, que passa fome,
espera uma esmola. O RICAÇO julga-a de fama suspeita; o OPERÁRIO, porém,
compreende-a e acarinha-a.
Na proa dum barco moliceiro, que se vê ao
fundo, dormita o HOMEM DA RIA, lá dos lados do norte, dentre a Murtosa e
Ovar; levanta-se estremunhado, com o canto da MENDIGA e, segundo o mau
uso, escarra para o chão. Mas isto está proibido e o polícia intervém
ensinando-lhe a usar um escarrador de bolso.
O PESCADOR DO BACALHAU, que chegou de Ílhavo
para tomar o comboio da meia noite, é conhecido do VAREIRO e travam um
pitoresco colóquio, nas suas falas tão típicas discutindo se o Farol da
Barra é de Ílhavo ou de Aveiro (velha questão entre as duas terras
irmãs) e vão discreteando sobre a projectada pretensão da Murtosa de
fazer uma ponte que a ligue à Torreira, até que se lhes junta o HOMEM
DAS AFLIÇÕES, que, encontrando fechados os gabinetes municipais, se vê
entre a espada e a parede por causa da vigilância policial…
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E chega a hora dos ESTERQUEIROS, beneméritos
lavradores dos arrabaldes, que poupam ao Município e aos particulares as
despesas dos esgotos modernos e que, pelas horas mortas, com os seus
carros de bois e as mulheres que os auxiliam, fazem a limpeza da cidade…
Como beneméritos da limpeza, foram
condecorados».
Vejamos, agora, a revista-fantasia:
– O polícia, intrigado com a faixa que
trazem os esterqueiros (Albino e Maria) pergunta-lhes a razão de ser de
tal atavio, ao que o Albino responde tratar-se da condecoração que lhes
foi dada por eles «alimparem» a cidade, tendo a Maria completado a
informação, afirmando: «diz que fazemos as vezes de canos de esgoto».
O Albino não se conforma com a explicação de
Maria, e, muito ancho, explica, novamente: «Nós semos os hingienistas de
Aveiro, percevêste?»
O polícia repara que as faixas têm as letras
COH e pede para lhe ser explicado o que elas querem dizer ao que o
Albino, muito senhor de si, responde: «Cavaleiro da orde da Hingiene».
A seguir a esta conversa, cantam:
Albino – Vamos lá pingente
nesse estreco da cidade
Maria – Viva o presidente
mai'la sua amezidade
Albino – Toca «põe-te andar»
há perfumes fecundantes
Maria – Que nos podem dar
escorrências abundantes
Coro
Eixe boi, leva a carrada
que cheirosa, perfumada,
faz crescer a hortaliça...
Adubos p'rás nossas terras.
Teu destino tu não erras
ao dares força à nabiça…
Albino – Anda cá Maria
vai o nabo encher o olho…
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Maria – Que grande alegria
vai no grelo e no repolho
Albino – Anda pr'a diente,
tem juízo, muito tino.
Maria – Eu só vou contente
a
teu lado, meu Albino.
Albino – Vamos, minha qu'rida,
eixe boi, leva a carrada...
Maria – Vamos, que esta vida
é
cheirosa e perfumada.
A limpeza da cidade era feita, não só pelos
esterqueiros, como também pelos VARREDORES que, por sua conta e risco,
e de canastra, pá e vassoura, esta feita de «gibardeiras», percorriam as
ruas da cidade, varrendo as ruas e recolhendo o junco que os carros de
bois (que faziam o seu transporte) iam deixando cair com a trepidação
que esses carros faziam nas ruas, então calcetadas com pedregulhos
vindos dos Açores como lastro de navios que, para aquelas ilhas,
transportavam, do nosso porto, sal e outros produtos (calçada à
portuguesa, se chamava) tal como ainda se vê (um pouco mais
aperfeiçoada, é certo) nas Ruas de S. Roque e do Carril que parece terem
ficado para «museu», apesar do seu mau aspecto e do incómodo que causam
às pessoas que, a pé, por elas têm necessidade de transitar; e tão
incómodas e de tão má aparência são essas ruas que a FEPU, no seu
programa de propaganda, aquando das eleições para a Câmara Municipal e
para as Juntas de Freguesia, se propunha, como obra prioritária,
remodelar a sua pavimentação.
E, já agora, e depois das novas construções
que por lá se têm erguido, parece que o projecto da FEPU deveria ser
acarinhado e executado pela actual Câmara Municipal, apesar do cariz
político em que esta se situa, em relação àquele agrupamento.
Já não se faz, por aquelas ruas, o
transporte do junco e da bajunça para os currais das terras de cultura
da cidade e dos arredores; e os poucos carros de bois, ou carroças de
vaca, que hoje por lá passam, com erva vinda das marinhas, já estão
munidos das rodas autorizadas para transitarem nas restantes ruas da
cidade devidamente asfaltadas.
E os varredores aproveitavam, e, para as
canastras metiam, não só o junco, mas, também, os excrementos dos vários
animais que atravessavam a cidade,
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ou, nela, tinham currais, estábulos ou pocilgas, indo depositá-los em
mulas ou mesas na Fonte Nova, nos Santos Mártires e no Cais de S. Roque,
aguardando a oportunidade de as vender aos esterqueiros; nessas mulas, a
rapaziada armava as ratoeiras ou «costelos» para apanhar pardais que,
nelas, se juntavam aos centos, a depenicar na estrumeira.
Mas continuemos a falar dos esterqueiros.
Em tempo: Dizem-me que as ruas do Carril e
de S. Roque, tal como se conservam, são utilizadas pelos mecânicos dos
automóveis para verificarem o estado da suspensão dos mesmos após a
reparação: será, por isso, que não se arranjam os pisos?
Os esterqueiros, de engaço ao ombro,
apareciampela manhã, na cidade, a bater às portas e a perguntar se
havia estrume para vender ou cova para limpar.
Se a pessoa contactada tinha necessidade de
que fosse feita a limpeza, o esterqueiro ia observar a cova, não só para
calcular o volume, como também a qualidade do estrume (isto é, se
tinha muito ou pouco junco) – e oferecia o seu preço; e, se chegavam a
acordo, o esterqueiro pagava o ajuste feito e combinava o dia e a hora
em que viria fazer a limpeza, marcando, em seguida, na porta, a giz, um
sinal próprio que os outros colegas, normalmente, conheciam, sendo certo
que nenhum deles bateria a porta que já tivesse aquele sinal, pois sabia
que o estrume dessa residência já estava vendido, e a quem.
Os esterqueiros, ao contrário dos varredores
que juntavam o estrume das ruas para, depois, o venderem, compravam-no
para uso próprio, isto é, para adubarem as suas terras de lavoura, pois,
nesse tempo, não se empregavam os adubos químicos de que, hoje, a
agricultura usa (e abusa...) para fazer crescer os seus produtos com
rapidez. É o que acontece com os frangos de aviário, obrigados a comer
as rações, quimicamente preparadas, quer de dia, quer de noite, o que
permite estarem prontos a ser comidos numa altura em que, dantes, não
passavam de franguitos.
E outros animais também atingem, com as
químicas empregadas, corpo de adulto, sem, contudo, terem a formação
necessária para aquele efeito…
Nesse tempo, sem haver as redes de esgoto e
de águas que hoje há, não existiam os quartos de banho com as
comodidades de que, actualmente, dispomos, pois, para satisfazermos as
nossas necessidades fisiológicas, tínhamos de ir à casinha, à qual se
chamava, também, latrina, comua ou privada, que ficava
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fora de casa, num pátio ou num quintal ou, então, se à noite, em penicos
que, de manhã, se despejavam na cova (se a havia) ou na ria (se perto
dos cais) e, até, para a rua.
Nas casas ricas usavam-se, para aquele
efeito, as peniqueiras (caixas que tinham, dentro, os potes que se
despejavam na cova ou na fossa da cozinha).
Estas peniqueiras ainda hoje se usam para
doentes que não têm possibilidade de se deslocarem às retretes, e,
dentro dos quartos, nem fraco aspecto dão, quando são bem feitas.
Para a mesma fossa eram despejadas, a balde,
as águas de lavar as louças e, também, as dos banhos que eram tomados em
bacias grandes de chapa zincada (quem as tinha) ou em tinas de madeira;
e, nas casas mais ricas, em banheiras de zinco, sendo certo que, para
encher ou despejar estes objectos, havia necessidade de usar vasilhas
mais pequenas.
E tomava-se banho na cozinha, ou no quarto,
ou em qualquer outro compartimento que estivesse disponível na ocasião
do banho.
E, já agora, sempre quero dizer que havia,
por toda a parte, retretes com água canalizada, ou, pelo menos, ligadas
a esgotos; e a Costa Nova mantinha, ainda, o sistema antigo, mesmo nas
casas de primeiro andar.
Havia um cidadão lisboeta que dizia que
vinha veranear para a Costa porque, pelo menos, durante um mês, no ano,
sabia o que largava, pelo barulho que os seus dejectos faziam, ao
chegarem à fossa; e dava-lhe grande prazer ouvir o chape com mais ou
menos som.
Havia fossas com porta de limpeza,
directamente, para a rua; serviam mais de uma habitação, como acontecia
no Bairro dos Santos Mártires, construído por Domingos João dos Reis
(por alcunha o Santo Tirso) – cidadão que, tendo vivido no Brasil, e,
aí, conseguido reunir um capital muito regular para aquele tempo, o
aplicou, não só na construção desse Bairro, como em outras iniciativas,
designadamente no abarracamento da Feira de Março, numa praça de touros,
empresário tauromáquico que era, e em prédios no Rossio. Isto, quanto eu
sei.
Estabeleceu, para o Bairro dos Santos
Mártires, um sistema de renda resolúvel, isto é, calculou as rendas a
pagar pelos seus inquilinos, de forma tal que, ao fim de vinte anos, as
casas eram propriedade destes, cálculo baseado no custo do Bairro (as
casas eram todas iguais) acrescido dos juros desse capital.
Este sistema foi uma novidade – diria,
mesmo, um atrevimento – para a época, sendo certo que as coisas não lhe
correram de feição, pelo que teve de retomar ao Brasil, para refazer os
seus capitais. E já não era novo!
Nunca se lhe prestou a homenagem que me
parece lhe era devida pelo seu esforço e vontade de servir Aveiro; nem,
ao menos, ao bairro que ele construiu foi dado o seu nome!... Nem uma
rua, naquele bairro, tem o nome do seu construtor, que o fez do seu
bolso, sem ajuda de ninguém!...
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Mais sorte teve o Canastro: a ilha que ele
construiu em Sá, e que em nada se parece com o bairro que o Santo Tirso
ergueu, tem o seu nome.
E, dizia-me ele há anos: – Sabe, eu sou mais
importante que os presidentes que têm passado pela Câmara: eles morrem e
mais ninguém se lembra deles, ao passo que o meu nome não esquece mais,
ainda que ponham abaixo as casas que existem na minha ilha; é a ilha do
Canastro que, quem vier depois de nós, há-de julgar tratar-se de pessoa
muito importante cá na nossa terra.
Será que a falta de, na altura, se lhe fazer
a justiça merecida, proviria do seu feitio independente e, até, rezingão
que tinha o Domingos João dos Reis?
Voltemos, porém, aos esterqueiros.
Havia fossas, porém, que, para serem limpas,
os intervenientes neste serviço tinham de atravessar toda a casa, visto
que ficavam ao fundo desta, a seguir à cozinha; era este o caso de quase
todas as da beira-mar, em que os pavimentos dos vários compartimentos
eram de terra batida cobertos de junco ou feno.
Os esterqueiros só podiam começar o seu
trabalho depois das onze horas da noite, hora a que já não havia – há já
muito tempo – movimento nas ruas, e, até mesmo, nas casas em que eles
teriam de bater às portas para entrar e proceder à limpeza das fossas,
toda a gente dormia, à excepção do familiar encarregado de os esperar,
pois, à hora combinada (mais coisa, menos coisa) eles, ou as suas
ajudantes, lá estariam a bater.
Aguardavam, à entrada da cidade, com os seus
carros de bois e acompanhados de mulheres com gasómetros de carboneto
(destinados a iluminar, não só os locais aonde iriam fazer o serviço,
como, também, as próprias ruas por onde haviam de transitar) que na
torre da Cadeia (era assim que, então, se chamava ao relógio da Câmara
Municipal pelo facto dos baixos do edifício daquela serem ocupados pela
cadeia comarcã) batessem as onze badaladas, para, então, iniciarem a
marcha para os seus destinos.
Eram aquelas mulheres que transportavam, em
cestos de verga, à cabeça, para os carros que estavam na rua, o estrume
que os maridos ou os patrões iam retirando das fossas.
Só alta madrugada saíam da cidade os últimos
carros de estrume.
Um amigo, a quem mostrei o original dos
artigos que escrevi acerca dos esterqueiros, informou-me de que o grande
jornalista aveirense Homem Christo, na sua obra NOTAS DA MINHA VIDA E DO
MEU TEMPO, conta uma partida feita aos esterqueiros.
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Na realidade, verifiquei que a pág. 226 do
vol. lII daquela obra, editada em 1936, o autor conta-nos o seguinte,
que eu não resisto a transcrever na íntegra:
«Há cinquenta e oito anos, nas pândegas,
operários de construção civil lembraram-se de barrar, uma noite, a
passagem da Rua Direita, da cidade de Aveiro, com um muro de adobos, a
fim de impedir que por ela descessem, como era costume, os carros dos
pategos que vinham todas as noites limpar as cloacas da cidade, levando
o estrume para as hortas e terras lavradias das aldeias próximas. Não
havia polícia.
Estávamos naquela época em que, segundo
António Enes, «o país, a bem dizer, dispensava o governo».
Não havia polícia, não havia governo e nunca
houve tanta paz, tanta ordem, tanta felicidade.
Adoráveis tempos bíblicos, que não tornam a
voltar!
Como não havia polícia e como as construções
de adobos eram muito fáceis e muito rápidas, aquilo foi um ápice. Fez-se
num instante.
Os carros chegavam, iam-se acumulando ao
longo da rua.
Muitos protestos dos pategos.
Acordaram, com a barulheira dos pategos, os
moradores da rua. Muitos protestos dos moradores da rua. Grande
escândalo.
E o “Campeão das Províncias”, dando notícia
do caso, terminava com este comentário: «E o vinho está a meio tostão!
Que faria se estivesse mais barato!» E continua:
«Vem tudo isto a propósito da barateza com
que eu vivia no quartel. Não jogando, não fumando, não bebendo, alheio a
orgias, davam para muito os oito tostões que diariamente cresciam do seu
soldo. Assim vivi durante alguns anos, sem preocupações com o dia de
amanhã.»
Mas... deixemos Homem Cristo e vamos
recordar outras partidas das quais tive conhecimento.
Um alfaiate, que morava na Rua da Sé, e cuja
fossa tinha porta para a rua de Santo António, resolveu, um dia, por
brincadeira, vender o estrume, no mesmo dia, a sete esterqueiros,
marcando, a todos, a mesma hora para a tiradela e combinando que
deixaria a porta aberta para o serviço.
Para conseguir aquele fim, terminado o
negócio com cada um dos compradores, apagava-lhes o sinal que, a giz,
eles marcavam na porta.
À hora combinada foram chegando os
esterqueiros, estando cada um de «per si», convencido de ser o dono do
estrume, censurando-se, mutuamente, de terem apagado a sua marca.
Palavra puxa palavra, os ânimos azedam-se e
aquela malta desata à bordoada.
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E o nosso alfaiate, por dentro de uma janela
do primeiro andar, gozava à farta…
É certo que não sei como ele se safou
posteriormente.
Outro caso que deu brado, e terminou no
Tribunal, passou-se com o Zacarias, sapateiro, com oficina ao alto da
Rua Larga, a actual Rua de José Estêvão.
Era o Zacarias (como, aliás, mais tarde, o
Eduardo Sapateiro) muito conhecido por gostar de fazer as suas
partiditas; e, para tal, servia-se de um objecto de barro modelado e
pintado por algum dos operários da fábrica de louça da Fonte Nova,
situada onde hoje estão as oficinas Gamelas, (não vindo das Caldas),
objecto que mudava de nome e de utilidade, na maneira de ver do
Zacarias, conforme a procura que, na sua oficina, faziam as pessoas para
aí enviadas por outras mal intencionadas, que à sua custa se desejavam
divertir.
Informado por uma vizinha do Zacarias (a
quem tinha perguntado se sabia quem teria esterco para vender)
dirigiu-se o esterqueiro à oficina daquele; e, tendo recebido resposta
afirmativa da existência de tal produto, pediu para o ir ver, a fim de o
adquirir, se tal lhe conviesse.
O Zacarias tinha ao seu serviço o Jacob
(pessoa de pouco entendimento) e do qual se servia para aquelas
brincadeiras, e a quem, na emergência, deu ordem de mostrar o estrume.
O Jacob, já se vê, mostrou-lhe o tal
objecto, o que indignou o esterqueiro de tal forma, que empunhou o
engaço que trazia ao ombro e, barafustando, quis dar cabo do Zacarias,
do Jacob, e da própria oficina, originando grande zaragata, de tal forma
que teve de intervir a polícia: foram presos o Zacarias, o Jacob e o
esterqueiro e apreendido o objecto causador da zaragata.
Tendo sido enviado ao Tribunal o processo
referente a este caso, foi ele acompanhado do «corpo de delito», que por
lá ficou depositado por muitos anos, segundo era voz corrente…
E, ainda a propósito das partidas do
Zacarias, contava-se que a uma pessoa da maior respeitabilidade no meio
aveirense de então, conseguiram convencê-la de que o Zacarias tinha uma
imagem de Santo Antoninho que era uma maravilha de escultura; mas
preveniram o cavalheiro de que mestre Zacarias era avaro em mostrá-la e
não se desfazia dela fosse por que preço fosse.
Um dia, aquele cavalheiro tirou-se dos seus
cuidados e foi até à oficina do Zacarias, o que este estranhou.
Ofereceu-lhe uma tripeça – pois melhor
cadeira ou banco lá não existia para ele se sentar – e inquiriu,
desconfiado, da razão da sua visita.
Exposto o motivo que lá o levara, e tendo o
cuidado de insistir que não pretendia comprar a imagem, por saber do
empenho que o Zacarias tinha nela, pediu que lha mostrasse.
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O Zacarias afirmou que não tinha tal imagem,
jurou a pés juntos que lhe tinham mentido, mas o certo é que o visitante
insistia que só a queria ver e nem, sequer, lhe falaria na venda.
Por fim, e em virtude de tanta insistência,
Zacarias chama o Jacob e diz-lhe para trazer o Santo Antoninho.
O Jacob, com a cara de parvo que tinha, traz
o tal objecto que apresenta ao visitante.
Este, sem se arreliar, nem desconcertar,
diz:
– Mestre Zacarias, vocemecê não tem culpa;
culpa tem quem cá me mandou.
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