Agora vou tentar recordar um caso que, na
altura, deu muito brado e serviu de gáudio a toda a cidade.
No mês de Dezembro de 1923, tomou posse dos
cargos de Administrador do Concelho de Aveiro e de Comissário-Geral da
Polícia Distrital (não havia, então, o de Comandante)
Joaquim Tomaz
Júdice Bicker que, no discurso feito naquele acto, prometeu moralizar os
costumes da cidade e disciplinar os seus hábitos que – segundo ele –
eram uma anarquia porca e brava.
O jornal “O Debate” fez um comentário
chistoso a este discurso, o que levou Homem Christo no seu jornal “O de
Aveiro” não só a descompor o autor do comentário, como, também, a chamar
a atenção do novo Comissário para o abuso do lançamento de foguetes de
dinamite que, a propósito de tudo e de nada, atroavam os ares citadinos
– quer de dia, quer de noite – incomodando as pessoas que tinham
necessidade de descansar, e até metiam medo às crianças, segundo a carta
de um leitor do referido “O de Aveiro” e que este publicou.
Deve ter contribuído para esta atitude de
Homem Christo o facto de, dias antes, e aquando da entrega dos ramos,
ter havido foguetório bravio, durante muito tempo, e sem interrupção,
sendo os foguetes lançados, quer do Rossio para o Alboi, quer do Alboi
para o Rossio.
Expliquemos a razão de ser deste foguetório.
O facto de um indivíduo receber o ramo de
uma das Confrarias implantadas nas igrejas das sedes das duas freguesias
da cidade era considerado uma honra e dava-lhe grande satisfação. Assim,
os amigos, para lhe manifestarem a sua amizade e se associarem à sua
satisfação, atiravam foguetes; e quanto maior era a intimidade, maior
era a quantidade atirada, e mais sonantes eles eram.
E eram estes amigos – os de maior intimidade
– que começavam a lançar os foguetes, muito antes da música, com o seu
acompanhamento, chegar à casa do homenageado.
Este, de porta aberta e mesa posta, esperava
esses amigos (que apareciam aos grupos) e com eles confraternizava; e
todos – se não queriam comer – tinham de beber, pelo menos, um copo de
vinho, sendo certo que o anfitrião os tinha de acompanhar nestas
libações.
Era da praxe chegar o grupo, cada um dos
seus componentes abraçar o anfitrião e, a seguir, entrarem nas
comedorias e bebidas.
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E isto estendia-se pela noite dentro…
Um terno de música que havia feito a festa
da Entrega dos Ramos, acompanhada dos parceiros e de muito povo,
visitava todos aqueles que haviam recebido o ramo e, ao som das
contra-danças (compostas com as músicas mais em voga durante o ano),
toda a gente dançava e o parceiro atirava, então, os seus foguetes, no
que era acompanhado, também, pelos amigos menos íntimos do homenageado.
E, em compartimento do rés-do-chão, todos
podiam entrar e comer uma bucha e beber uns copitos para matar a sede e
limpar as goelas da poeira levantada das ruas (não eram asfaltadas)
durante a dança.
Ora, na noite a que atrás me referi,
festejava-se a Entrega dos Ramos; entre outros, recebeu-o o Zé Cidadão,
homem de muita respeitabilidade e bastas relações, especialmente entre
marnotos, negociantes de sal e barqueiros, que se reuniam no seu
estabelecimento, no Alboi, e lá faziam os seus contratos e os seus
negócios de sal e respectivos transportes, que o «alborque» pago pelos
interessados firmava, e era válido, como se de documento em papel selado
e feito pelo tabelião se tratasse.
Era já de prever o que seria à noite aquando
da visita aos novos parceiros, pois que, na altura em que o Zé Cidadão
recebeu o ramo, na igreja da Misericórdia, subiu ao ar, na Praça da
República, uma enorme girândola de foguetes, de tal sorte que, por
instantes, deu a impressão de que sobre a cidade havia descido um
nevoeiro cerrado, pois as pessoas que estavam naquela Praça não se viam
umas às outras.
Ora, como já acima se disse, nessa noite, e
até bastante tarde, manteve-se o foguetório, com muitos morteiros à
mistura, lançado, à compita, no Alboi e no Rossio, cruzando-se sobre a
Ria: foi um barulho tremendo que agravou, portanto, a indignação de
Homem Christo que, de há muito tempo, barafustava contra tal abuso.
Este acicatava, quer no seu jornal “O de
Aveiro”, quer nas suas conversas pessoais, o Comissário que, em 15 de
Dezembro de 1923, publicou o seguinte:
EDITAL
Joaquim Tomaz Júdice Bicker, Administrador
do Concelho de Aveiro:
Faz público que por ordem de S. Ex.ª o
Ministro do Interior e para evitar o incómodo público, é expressamente
proibido o arremesso de estoiros, bombas de qualquer espécie ou
artifício que contenham dinamite, clorato de potassa ou quaisquer
explosivos que detonem pelo choque ou com cápsula detonadora, e bem
assim que por determinação do Ex.mo Senhor Governador Civil deste
distrito só é permitido na cidade o lançamento de foguetes de pólvora
ordinária, feito com prévia licença, o máximo até às 22 horas.
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Para constar se passou este e outros de
igual teor que vão ser afixados no lugar do costume.
Administração do Concelho de Aveiro, 17 de
Dezembro de 1923.
(a) Joaquim Tomaz Júdice Bicker
Homem Christo comentou, no “O de Aveiro”, este Edital, da seguinte
maneira: – «Muito bem. O que se estava aí a passar com foguetes de
dinamite, a toda a hora da noite, era uma selvajaria sem nome.»
Vejamos o que se passou depois disto.
Devido às afirmações feitas por Júdice
Bicker aquando da sua tomada de posse, e ao seu comportamento imoral,
ninguém o tomava a sério; foi, mesmo, alcunhado de «Cabo Bico» (nome por
que toda a gente o conhecia).
Veio-lhe esta alcunha por – dizia-se, então
– ter sido cabo no exército (e daí não ter passado) e por, agora mesmo,
sendo Comissário de Polícia, se tomar da pinga, tomando, quando no
estado de pingado, atitudes menos dignas.
Para o arreliar, e arreliar também Homem
Christo, que o defendia, juntou-se um grupo de pândegos (homens e
rapazes) que resolveu montar uma rede para lançar todas as noites, a
partir de certa altura, um ou mais foguetes, em lugares centrais.
Assim, uma noite, um morteiro atroou os
ares, sem que se soubesse de festa ou motivo para tal; vinha do Rossio o
foguete e era o início da brincadeira que se prolongou por muito tempo.
A polícia ficou surpresa pelo atrevimento de
se desrespeitar, descaradamente, o Edital que o Comissário, na sua
qualidade de Administrador, tinha mandado afixar nos lugares públicos do
costume.
A partir daí, todas as noites, um foguete
(mais ou menos barulhento) estoirava, ora aqui, ora ali, e – grandes
marotos – à hora em que a polícia, na esquadra, mudava de turno; isto,
para que estivessem, juntos, muitos guardas.
Logo que começou a haver uma certa
regularidade no lançamento dos foguetes, o Comissário tomou as suas
providências, dizendo-se, nessa altura, que ele prometera promover a
cabo o guarda que fosse capaz de deitar a mão aos autores de tais
proezas. E proibiu que as oficinas de pirotécnica fizessem os
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foguetes proibidos pelo Edital, e fê-las vigiar, mandando vigiar,
também, a estação do caminho-de-ferro, à chegada dos comboios, para que
não viessem de fora os malditos dos foguetes que tanto o arreliavam e
consumiam.
E mandou, também, vigiar alguns daqueles
rapazes que eram suspeitos de serem os autores da brincadeira; e, se os
não mandava prender, é porque estávamos, então, em período de completo
respeito pela Constituição, que não permitia que um cidadão fosse preso,
salvo apanhado em flagrante delito.
E, quando o foguete estoirava, eis que a
polícia, tendo à frente o Cabo Duarte (muito dedicado ao Comissário)
partia da esquadra em vários sentidos, vindo uns guardas de bicicleta a
pedais (não havia outras) e outros, a pé, em correria tola; e até o
Comissário, acompanhado da sua fiel e dedicada ordenança – à qual ele
chamava «Fera» – o Pina (um imoralão que foi expulso de Cabo de Mar da
Vagueira ou de Mira por patifarias que por lá praticou) vinha para a rua
barafustar e fazer fitas, na esperança de ver caçar os atrevidos.
Porém, ninguém era apanhado com a boca na botija…
Para a rua, e para as janelas, vinha,
também, quase toda a população citadina, para assistir a este
espectáculo. E os foguetes surgiam dos lugares mais
incríveis; e o atrevimento e o arrojo dos lançadores redobravam a zanga
da polícia e do seu Comissário.
Uma noite, à hora do costume, não tinha
havido foguete; porém, daí por um bocado, o guarda de serviço nos Arcos
fica enormemente surpreendido e assarapantado, pois um estoiro tremendo
se ouve na Praça de Joaquim de Melo Freitas e um rabo-de-foguete vem
cair, mesmo, na sua frente.
Donde o teriam atirado?
Dois dos mais activos (ia a escrever
atrevidos) lançadores de foguetes que estavam a petiscar no café
Amarantino (que tinha entrada pelos Arcos e pela Rua de José Estêvão)
lembraram-se de fazer a partidinha; subiram ao primeiro andar do café e,
de uma das janelas viradas para aquela rua, lançaram o foguete. Porém, o
vento dirigiu-o, por cima do telhado, para aquela Praça.
Juntou-se muita gente e os autores da
brincadeira não faltaram, também a fazer comentários. E a polícia, o seu
Comissário e a ordenança lá estiveram e convenceram-se que o foguete
havia sido lançado nas barbas do polícia de serviço nos Arcos, contra o
que ele protestava, e com razão.
Doutra vez, na altura em que muitos amadores
de música da beira-mar estavam reunidos na taberna do
Zé Palhuça para
assistirem à inauguração de um gramofone e de discos de música da sua
predilecção, como Guilherme Tell, Norma, Cavalaria Rusticana, etc., os
dois rapazes a que atrás me referi (ainda vivos, felizmente) apesar de
vigiados por um guarda à paisana, tiveram artes de, à sorrelfa, se
escaparem à vigilância e, do quintal das traseiras daquela taberna,
fizeram subir um foguete de morteiro.
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Pouco depois – o sítio era fácil de
localizar – apareceu, esbaforido, o Cabo Duarte e alguns guardas que,
vendo lá os dois amigos de quem, há muito desconfiavam – e com razão –
tentou prendê-los; porém, todos os presentes, incluindo o guarda
vigilante, afirmavam que eles não haviam saído da sala e que, portanto,
não havia razão para os prender. E como podia o Cabo Duarte afirmar que
o foguete fora lançado do quintal da Palhuça e não doutro vizinho deste,
ou, mesmo, da rua?
Muito pouco convencido da afirmativa daquela
gente toda o Cabo Duarte lá se retirou, derrotado mais uma vez.
Ainda há pouco tempo me dizia um daqueles
rapazes que se, então, o prendiam e o revistavam, estava tudo perdido,
pois tinha em seu poder mais duas cabeças de foguetes.
Não quero deixar de contar um caso passado na minha presença:
Estava com o Zé Fiúza, a conversar,
encostados à Câmara Municipal e virados para a Rua 31 de Janeiro, onde
aquele morava, quando passou o Chefe Vidal que ia para a esquadra, e
parou; dirigindo-se ao Fiúza, disse-lhe que sabia que ele, também,
pertencia à panelinha dos que atiravam foguetes e que, do seu quintal,
já várias vezes tinham sido atirados alguns, o que o Meireles negou,
como lhe competia. Logo a seguir, e antes do Chefe Vidal seguir o seu
caminho, daquela rua sobe um foguete e, após o estrondo, o Zé Fiúza
interroga o Vidal: – Então fui eu que lancei este, apesar dele vir dos
meus lados?
Podia contar muitos mais casos, mas vou
terminar esta série com um que deu brado: a um daqueles que estavam na
taberna do Zé Palhuça e que, daqui, atirou o foguete, foi-lhe entregue,
vindo de Travanca, uma cabeça de foguete de tal tamanho, que ele –
apesar da sua prática – teve medo de atirar.
Um outro amigo, a quem ele a mostrou, e lhe
disse do seu receio, tomou o compromisso de a fazer subir. Dirigiu-se à
Praça do Peixe, tirou a vara de uma bateira, ligou-lhe a cabeça e foi
atirá-la na Rua do Sol. O foguete pouco subiu, bateu nos beirais de uma
das casas (que espatifou) estilhaçou os vidros da maior parte das casas
daquela rua, e o estrondo foi de tal ordem que assustou toda a gente,
não só das redondezas, como, também, doutros pontos da cidade, que
acorrera àquele local para ver se teria havido qualquer desgraça.
A polícia apareceu, em força, com o
Comissário e o Fera, mas o certo é que o lançador do foguete já tinha
desaparecido, cheio de medo, pela sua obra.
Apesar deste artigo já estar muito extenso,
vamos referir mais uns episódios.
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Lembro-me agora de um amigo que foi perseguido pela polícia após a
subida de um foguete no Rossio. Escondeu-se na fossa do estrume de sua
casa e lá teve de continuar enquanto a polícia lhe rondava a casa, que
também era naquele largo.
Com o seu peso, o estrume foi abatendo e
quando lhe foi possível sair daquele local teve de ir tomar banho à Ria
e deixar a roupa que tinha vestida, visto que o sugo a tinha perfumado
intensivamente.
Mas... como era possível, com a vigilância
apertada que a polícia montou, obter os foguetes?
Ainda, hoje, o não sei; porém, é do meu
conhecimento que os atiradores os iam buscar a dois estabelecimentos
comerciais da cidade: uma farmácia e uma relojoaria.
Quem os depositava? Suponho que nem a
rapaziada comprometida nessa brincadeira sabia como as cabeças de
foguete lá iam parar.
Os rabos (em feitio de bengalas) eram
torneados pelo Picado, guarda-soleiro, na Rua Direita, e a rapaziada
preparava, de antemão, as cabeças dos foguetes com os fios necessários
para as segurar às referidas bengalas, sendo a ligação feita, somente,
na altura em que o foguete tinha de ser lançado, tanto mais que, por
conveniência do transporte, e não dar nas vistas, cada um dos dois
parceiros da equipa levava a sua peça.
Muitas vezes, a anteceder a subida do
foguete, faziam-se umas manobras de despiste.
Certa vez, o Zé Fiúza saiu do
estabelecimento do Pai, na Praça de 14 Julho, de gabão; levava, debaixo
deste, um objecto que ao guarda de serviço nos Arcos lhe pareceu serem
foguetes, pelo que o intimou aparar, o interrogou e exigiu que lhe
mostrasse o que levava. O Zé Fiúza foi empatando, com vária conversa, o
guarda (o que fez juntar muita gente) levantando-se, mesmo, entre eles,
uma questiúncula. Ora, quando estavam nisto, vê-se subir, ali perto, um
foguete de dinamite; então, o Zé Fiúza, abrindo o gabão, mostrou uma
vassoura que, segundo ele, levava para casa, aonde lhe fazia falta.
A polícia apareceu em correria, mas o
atrevido já se tinha posto ao fresco.
Mais uma: três melros, de sobretudo,
deixavam ver, debaixo destes, as pontas de umas bengalitas; e, passando
em frente do Comissário e da ordenança, para estes os verem, seguiram a
caminho do Rossio.
Quando aqueles se aperceberam do facto,
seguiram-nos; e, quando voltavam para a Rua de Trindade Coelho, foram
interceptados pelo Comissário, que exigia que lhe fosse mostrado o que
eles transportavam debaixo dos sobretudos.
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Enquanto davam explicações e se resolviam,
demoradamente, a abrir os sobretudos, em pleno Rossio ouviu-se o estoiro
de um foguete.
Calcule-se a fúria do Comissário, que
alegava que os rapazes os haviam enganado…
Como tudo, esta brincadeira começou a cansar
e, até, a deixar de ter interesse; além disso, para os responsáveis
pelos foguetes, iam crescendo as possibilidades de serem apanhados.
Assim, resolveram terminar, mas fazendo-o «em beleza».
Uma noite, na Rua da Corredoura, em frente
ao Cemitério, e na saída de um quintal, uma girândola de grande
categoria fechou o círculo do foguetório que tanto arreliou o Cabo Bico
e Homem Christo, e que tanto divertiu toda a cidade.
Júdice Bicker era tão dedicado a Homem
Christo que foi secretário de uma comissão que ofereceu um jantar de
homenagem, no Porto, a este jornalista.
Não acabaram os casos provenientes do
lançamento dos foguetes de dinamite.
Percorrendo a colecção de “O de Aveiro”,
após o encerramento da brincadeira que relatei – e quantos pormenores
ficaram por dizer?! – verifica-se que, no número 370 de 7 de Julho de
1924, aquele jornal informava que «foram autuados vários figurões que
andavam para aí a atirar foguetes de dinamite»; e os números 384 e 385,
respectivamente, de 28 de Dezembro de 1924 e 11 de Janeiro de 1925,
diziam que na véspera de Natal houve abuso no atirar de foguetes por o
Comissário não estar em Aveiro e o Chefe Vidal não ligar nada aos
estoiros.
Porém, Júdice Bicker, por carta enviada àquele jornal, defende o Chefe
Vidal da acusação de Homem Christo e acusa uns marinheiros de atirarem
foguetes dentro do terreno da Capitania.
O artigo FOGUETES, publicado no número 399
de “O de Aveiro” de 19 de Abril de 1925, descompunha os dois
governadores civis de então (o efectivo e o substituto) por terem
consentido que, em Mataduços, por ocasião das festas da Páscoa, fossem
lançados foguetes de dinamite, quando é certo que existe um Edital que
proíbe tal lançamento.
A indignação de Homem Christo é tanto maior
quanto é certo que havia avisado o Comissário que estes foguetes iam ser
lançados.
Segundo o mesmo artigo, não tinha sido
permitido o lançamento de foguetes daquela categoria nas festas de S.
Bernardo, Vilar, Santiago, Esgueira, etc..
No caso de Mataduços, não houve, na verdade,
qualquer autorização; porém, o Comissário, apesar de avisado – como
acima se diz – não mandou para lá a polícia necessária que evitasse o
arremesso dos foguetes, pressionado que foi pelos dois governadores
civis, por uma questão de política.
/ 23 /
Estes determinaram-lhe que, se fossem
lançados foguetes proibidos pelo Edital e para os quais não tinham
licença, deveria, no dia seguinte, mandar um guarda averiguar quem
tinham sido os autores e levantar o competente auto.
Apesar de Homem Christo ter muito pouca fé
neste procedimento – dizia que o guarda que fosse fazer aquele serviço
não devia mostrar grande interesse em descobrir os autores – o certo é
que o auto de transgressão foi levantado e enviado ao Tribunal, como se
vê no número 400 do seu jornal; e, ao dar esta notícia, aproveita para,
mais uma vez, fazer o elogio de Júdice Bicker, dizendo que, desde que
ele veio para Aveiro, moralizou os costumes da cidade e que dantes era
uma anarquia porca e brava.
E, por agora, deixemos os foguetes de
dinamite, e o Cabo Bico em paz. Se, porém, Deus me der vida e saúde, e,
também, um pouco de pachorra para umas pesquisas, é natural que eu ainda
venha a recordar a actuação daquele na sua passagem por Aveiro, pois deu
muito que falar no tempo em que por cá andou.
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