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A transição e os
primeiros anos / 13 / do século XX reflectem um total controlo da cidade
pela burguesia colonial, marítima, industrial e comercial, e bem assim
sectores de profissões livres, cuItural e economicamente influentes.
Nascem belos exemplares de «vilas» de feição neoclassizante, a par com
outras de inspiração «arte-nova», lado a lado com os palacetes das
tradicionais famílias nobres, um pouco por todo o espaço urbano,
dilatando este para fora dos núcleos antigos. Para o facto muito veio a
contribuir a abertura da grande avenida, que se abriu da «ponte-praça» à
estação e que viria a revolucionar totalmente a via citadina, a ponto de
constituir, já no segundo quartel de Novecentos, o centro urbano por
excelência, fruto da visão esclarecida do médico e político Dr. Lourenço
Peixinho.
Mas a primeira
república possibilitaria ainda o arranque de outras grandes construções,
ajustadas ao rápido crescimento da urbe como aconteceu, em extremos
opostos, com o hospital da Santa Casa da Misericórdia, a oeste o Parque
Municipal, aproveitado da antiga cerca do Convento de Santo António, e a
estação do caminho de ferro, o quartel, o mercado, etc. Com elas se
esbateu por completo o bairrismo local dos três focos principais da
cidade: os CEBOLEIROS, identificados com a paróquia da Glória, os
CAGARÉUS do outro lado do canal, genericamente habitando a Vera-Cruz
(paróquia da Sagrada Apresentação) e os BICUDOS, da antiga vila de
Esgueira.
Ao atingir o
primeiro quartel deste século, a população rondava, os números atingidos
no final de Quinhentos. Começava então a desenhar-se a dispersão por
lugares limítrofes, invadindo o espaço de Esgueira, ligada por estradas
de grande movimento, obrigando a pensar seriamente no planeamento
urbano. Aldeias vizinhas tornam-se «dormitórios» da cidade, casos de
Aradas, Cacia, Oliveirinha, Gafanhas e, mais que outra qualquer, a vila
de Ílhavo.
Deste afluxo
resultou um espartilhar de estruturas antigas, traduzido de forma
evidente pela abertura, em meados da nossa centúria, de novas escolas
secundárias (Liceu e Escola Industrial e Comercial), o Seminário de
Santa Joana Princesa e o Conservatório Regional.
Da mesma forma se
verificou período de esplendor nas tradicionais indústrias cerâmicas,
com as grandes fábricas de Jerónimo Pereira Campos, Aleluia, S. Roque; a
pesca do bacalhau e construções navais, o tradicional sal de Aveiro e a
pesca artesanal, que obrigam a rever o espaço do porto marítimo; a
intensa agricultura e comércio, num crescimento de olhos no futuro, sem
esquecer as raízes económicas que tinham outrora tornado grande a «vila
notável», seduzem cada vez mais a fixação, que nos meados do século XX
se aproximava dos 30.000 a 35.000 habitantes, transbordando pelas
aldeias vizinhas (o censo de 1960 dava 9.422 habitantes à freguesia da
Glória; 7.787 à de Vera-Cruz; 6.858 à de Esgueira e 5.660 à de Aradas)
que dentro do espaço urbano fazem parte da sua vida, tendo em conta a
escassa distância que as separa da cidade, caso, da vila de Ílhavo, a 3
quilómetros de Aveiro que, em 1960 contava cerca de 13.000 habitantes.
Mas Aveiro não pode
ser entendido apenas na arquitectura, nas «artes maiores», nos
documentos do passado. Este, como ainda o seu presente e em perfeita
identidade histórica de muitos séculos, continua por excelência patente
no segredo de saber lutar com o mar e a terra tornando áreas pantanosas
em marinhas «artisticamente» concebidas, domesticando a laguna e as
marés, produzindo, em cada tabuleiro – palmo de terra –, o precioso
minério que lhe deu fama mundial e para aqui fez convergir interesses
sociais bem diferenciados na Europa medieval ou mesmo contemporânea.
Também foi arte,
saber encontrar os tipos de barcos mais ajustados a cada actividade de
sobrevivência anfíbia, tanto nas águas ribeirinhas como da laguna, da
costa marítima como do alto mar, até aos mais escondidos confins do
império colonial. Pode ser encantador contemplar um barco moliceiro bem
decorado e arquitectado, sabendo que em toda a Ria de Aveiro há
presentemente pouco mais de uma dúzia desses sobreviventes, acabada que
foi a geração dos seus construtores. Mas, em meados do nosso século,
eram ainda muitas as dezenas dessas autênticas obras de arte que
sulcavam os canais da cidade e da laguna. Outros povos, outras
sensibilidades os contam já entre as peças de arte contemporânea e
certamente mais moliceiros (e outros tipos de embarcações regionais)
seguirão o mesmo caminho, com prejuízo para a cultura da Região, perante
uma certa indiferença dos poderes, face à extinção que se avizinha.
História e arte são
os barros da região aveirense que se podem documentar na primeira metade
do século XV, com pergaminhos de Olarias que ganharam prestígio
nacional, nomeadamente a partir de Quinhentos. A tradição rejuvenesceu e
as artes cerâmicas contam-se entre as primeiras de âmbito urbano, desde
as técnicas artesanais às mais sofisticadas indústrias, nas porcelanas,
nos revestimentos, na barrística, no doméstico e decorativo, etc…
É no fundo, uma
trilogia intrínseca às condições naturais da região em que,
anonimamente, muitos contribuíram, em terra pobre de «materiais pobres»
para a grandeza histórica e artística desta cidade da beira-mar.
In: AMARO NEVES, «História
e Arte de Aveiro».
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