Rangel de Quadros, Aveirenses Notáveis. Aveiro, 1ª edição, Aveiro, Câmara Municipal de Aveiro, 2000, (Revisão de J. Gonçalves Gaspar), pp. 350-352.


Luís dos Santos Regala
(1800-1886)

Nasceu em 1800 e, segundo creio, foi baptizado na igreja paroquial da Vera­ Cruz. Era filho de José dos Santos Regala, negociante de sal e de pescado, e de Rosa Maria de Jesus.

Depois de haver estudado em Aveiro os preparatórios, seguiu na Universidade e sempre muito regularmente as aulas de direito e concluiu a formatura em 1825.

Em Aveiro exerceu a advocacia e aqui se casou em 1833 com D. Inocência Leo­poldina Ferreira de Lemos, educanda no convento da Madre de Deus (vulgo, convento de Sá) e natural da vila de Ílhavo. Era filha de Manuel Daniel Ferreira Félix, irmão de D. Inocência Ludovina do Céu, abadessa do mesmo convento.

Deste consórcio nasceram dezassete filhos, dos quais existem actualmente (1907) cinco; alguns deles nasceram em Aveiro.

No mesmo ano de 1833, posto que não pretendesse figurar na política nem se quisesse manifestar por nenhuma dos partidos, que então se guerrearam, foi apontado como partidário da causa do primeiro imperador do Brasil e, como tal, foi perseguido e teria sido maltratado, se não tivesse fugido de noite. Vagueando pelas marinhas e por diversos sítios da Ria, pôde arranjar ensejo de ausentar-se para o Porto, onde então se achava seu irmão, João Maria Regala, que fora cirurgião-mor do Batalhão dos Voluntá­rios Realistas de Aveiro, mas que já a esse tempo se havia apresentado aos partidários / pág. 351 / de D. Pedro. Como militar, se não praticou actos de bravura que o distinguisse, tam­bém não mostrou cobardia, quando era mister entrar em peleja.

Pacificado aparentemente o país, voltou o Dr. Luís Regala para a sua terra e aqui viveu algum tempo com sua família, em companhia daquele seu irmão, de quem de­pois e por amigável combinação houve de separar-se. Continuou a advogar, não só no auditório de Aveiro, mas também nos julgados, de que então se compunha esta Comarca e que eram Aveiro, Ílhavo, Eixo e Vagos, não deixando também de advogar noutras Comarcas próximas.

Em Agosto de 1834, foi eleita a Câmara Municipal pelos partidários de augusta filha do primeiro imperador do Brasil. Luís dos Santos Regala foi um dos vereadores eleitos. Os outros foram: - Dr. Joaquim António Plácido, presidente; Domingos dos Santos Barbosa Maia, vice-presidente; e João António de Morais.

Desde 1836 a 1839, foi provedor da Misericórdia e ali fez todas as reformas que pôde e entendeu indispensáveis para a boa economia daquele estabelecimento de cari­dade. Por diversas vezes, aqui exerceu o lugar de administrador do Concelho, posto que disso não auferisse grandes lucros.

Luís dos Santos Regala foi um dos aveirenses que, em 27 de Maio de 1842, assi­naram o protesto contra os abusos da autoridade administrativa, do qual falei nas bio­grafias de António Augusto Coelho de Magalhães e de Joaquim António Plácido. Isso, decerto, concorreu para ele sofrer algumas perseguições políticas, como vou referir.

Em 1846, estava o país em grande agitação, pois, como é sabido, muitos povos se haviam manifestado contra o procedimento do Ministério, então presidido por António Bernardo da Costa Cabral. Luís dos Santos Ragala não era tímido, mas tinha génio pacífico e só procurava o bem-estar da sua família e a aquisição dos meios para a sustentar. Com os amigos, porém, era expansivo, alegre e amante da boa palestra; e, dentro dos limites das suas circunstâncias, era obsequiador e franco. Seu irmão era mais arrojado e, ini­migo declarado dos cabralistas, não receava sair, ora a pé ora a cavalo, para exercer os seus trabalhos, como facultativo ou sob esse pretexto.

Numa dessas ocasiões, quando voltava das imediações de Ílhavo, foi atrozmente espancado e seria vítima, se o cavalo, em que montava, não fosse tão ligeiro e ele não fosse tão dextro em guiar o animal. Luís dos Santos Regala, que até aí havia censurado os abusos, que estavam cometendo os partidários do Governo e destes havia recebido demonstrações de desagrado, manifestou-se então abertamente pelo partido popular e, junto à ponte da Praça, foi muito maltratado por alguns caceteiros, que o deixaram em perigo de vida.

Novamente pacificado o país, continuou Luís dos Santos Ragala os seus traba­lhos de advocacia e pouco tratou de figurar na política. Em 1850 e a pedido de seu / pág. 352 / sogro, foi estabelecer definitivamente, com sua família, a residência em Ílhavo. Conti­nuou aí iguais trabalhos e tratava da administração dos haveres do sogro, que eram importantes, por cujo motivo fora para ali chamado. Em Ílhavo, exerceu algumas vezes o cargo de administrador do Concelho e o de presidente da Câmara.

Desenganado da política e tratando de esquecer antigos desgostos, que por ela sofrera, só tratava do bem-estar da sua família e recebia em sua casa numerosos ami­gos, sem recordar agravos.

Foi sempre muito religioso e muito sincero. Gostava que fosse festejada com todo o esplendor Nossa Senhora do Pranto, cuja capela não fica longe da casa, que ha­bitava em Ílhavo.

Para a festa (15 de Agosto) convidava alguns dos seus numerosos amigos de Aveiro, brindando-os com abundante jantar, que era sempre tão apreciado, como a pa­lestra que ele promovia entre os convivas.

Em 7 de Agosto de 1886, rodeado de sua numerosa e estimável família, faleceu Luís dos Santos Ragala. Não deixou inimigos, mas deixou muitas saudades a todas as pessoas, que com ele tratavam. Não deixou a seus filhos grandes riquezas, mas deixou­-lhes a memória de um nome honrado, pois sempre soube limitar-se às suas circunstân­cias, sem jamais prejudicar ninguém nem abusar dos cargos que tinha servido.


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