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Jaime de Magalhães
Lima nasceu em Aveiro a 15 de Outubro de 1859 e faleceu a 25 de
Fevereiro de 1936. Filho de Sebastião de Carvalho Lima e D. Leocádia
Rodrigues de Magalhães, teve três irmãos: D. Lucila Cármina, D. Zulmira
e Sebastião Magalhães Lima.
Alto, magro, de
longas barbas e andar enérgico, é uma figura imponente que deixa
transparecer algo de nórdico, facto que ele mesmo justifica ao escrever
sobre a sua ascendência: «...Nasci em Aveiro... filho de um pai nascido
em Eixo, terra à beira do Vouga e pertencendo ao coração desta região.
Em Eixo habitaram e se multiplicaram os meus antepassados, no correr de
cerca de três séculos, querendo a tradição que o meu quarto avô fosse
estrangeiro, sem todavia lhe designar a nacionalidade.
Teria sido esse homem, (...) que
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fundou e
exerceu na vila a indústria de artefactos de cobre, que se propagou e
prosperou, e que os filhos e netos continuaram até meados do século XIX.
Este meu avô foi povoador notabilíssimo; teve filhos sem conta e parece
que só em um dia casou cinco filhas, o que me instituiu parente
declarado de metade da freguesia, que tem apenas cerca de duas mil
almas.
Mas meu avô paterno
não se contentou com as raparigas da terra e foi casar a Vagos, (...); e
casou com uma mulher que lhe trazia um abastado dote de sangue francês,
manifesto, de inoculação recente, e ainda agora patente em parentes
meus, cuja face estampada numa gazeta parisiense poderia passar pela
máscara de gente que habita as terras mais retintamente gaulesas.
Depois, ampliando a confusão, meu pai casou no Rio de Janeiro com uma
mulher brasileira, mas filha de um português naturalizado brasileiro, o
qual era de Avintes, e por isso mesclado com uma pequena inoculação que
não era temperada com águas do Vouga, mas destiladas das torrentes do
Douro...» (1)
Sereno, austero,
piedoso, eloquente, humanitário e asceta, é retratado por D. João
Evangelista de Lima Vidal (2) como um
homem de coração e um homem de génio, que contudo se viu exilado, não
geograficamente, mas..." num exílio que não é menos angustioso que esse,
o de nos sentirmos sós na própria pátria, vítimas da indiferença ou do
silêncio daqueles que não nos querem compreender, ou vítimas, ainda da
ingratidão que levanta muralhas à nossa volta..."
(3). Isto apesar das palavras de admiração que usa D.
João Evangelista de Lima Vidal quando fala de um episódio ocorrido com
Jaime de Magalhães Lima... «Caía a conversa no desterrado de Ptamos,
como se um génio como o dele (Jaime de Magalhães Lima) pudesse ser
desterrado fosse em que parte do mundo fosse! Não se desterra o Sol...»
(4).
Tal como seu irmão,
Sebastião de Magalhães Lima, Jaime de Magalhães Lima frequentou a
Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Direito em 1880. Pôde
neste período conviver com homens como Ramalho Ortigão, Oliveira
Martins, e Antero de Quental. A este dedicava especial admiração e
tratava-o por "generoso mestre e amigo".
(5)
Podemos ver
testemunhada esta relação de amizade na correspondência trocada entre
ambos, realçando-se o facto de nas cartas o tratamento ser o de "amigo".
Vemos ainda confirmada esta relação numa carta inédita de Jaime de
Magalhães Lima a Luís de Magalhães, existente no arquivo da família
Magalhães, em Moreira da Maia, quando escreve... «pensei em publicar
quase todas as cartas na íntegra, mas algumas delas têm palavras tão
boas para mim que poderia parecer que venho em louvor próprio e não no
engrandecimento alheio...»
Às leis juntou a pena
e a enxada. A pena do escritor, contista, ensaísta, romancista,
conferencista, jornalista, publicista. A enxada, ao dedicar-se à
plantação de eucaliptos na sua quinta de Eixo, criando... «o já famoso
arboreto de eucaliptos, enriquecendo-o em número de espécies e
variedades para o transformar num dos mais completos ou até o mais
completo da Europa em diversidade..." (6).
Via nas árvores um
sinal da grandeza de Deus e uma das suas obras mais belas.
Jaime de Magalhães
Lima é também um homem interveniente. Autor de trinta livros, de catorze
conferências publicadas, de quinze prefácios, de quatro traduções de
obras francesas e inglesas, colaborador de trinta e três revistas e
quarenta jornais, é um exemplo moral e um cidadão mais do que um
político.
Foi representante do
partido monárquico, deputado às cortes por Viana do Castelo e Aveiro,
dirigente do Partido Regenerador Liberal em Aveiro, Governador Civil do
Distrito, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Provedor da Santa
Casa da Misericórdia; termina a sua vida política com a queda do
franquismo, do qual fora adepto, em 1908.
Doutrinalmente oposto
a seu irmão, Sebastião de Magalhães Lima, republicano e Grão-Mestre da
Maçonaria, Jaime de Magalhães Lima é monárquico e católico, embora
chegue a autodenominar-se como "anarquista católico"
(7).
Porém, se era um
opositor político de seu irmão, Sebastião de Magalhães Lima, não devemos
relevar a estreita relação de amizade e respeito que une os dois irmãos,
que buscavam, por caminhos diferentes, a mesma tolerância, fraternidade
e felicidade humana. Este facto é comprovado por João Sarabando, quando,
ao referir-se a Jaime de Magalhães Lima, escreveu «...a maneira
sumamente amiga e carinhosa como se referia ao irmão – que buscava o Bem
por caminhos perfeitamente opostos...» (8).
Contudo, a
instabilidade da vida política portuguesa, nos inícios do século XX,
fazem-no mudar de Aveiro para a quietude de Eixo, onde se dedicará de
corpo e alma à literatura e à natureza.
(9)
Homem que viajou pela
Espanha, França, Holanda, Alemanha, Itália, Norte de África e Rússia,
preferiu a calma de Eixo, local onde viveu a sua infância e adolescência
e onde viria a falecer. Aqui, rodeado pela grande obra de Deus, a
Natureza, pôde escrever o seu vasto reportório literário. Nele está
patente a sua admiração pelas paisagens rurais e naturais, embora
procure sempre a presença humana na paisagem. Na Natureza Jaime de
Magalhães Lima descobre "um pensamento moral, uma voz da consciência,
uma voz do heroísmo, uma voz de humildade e até uma voz de opulência e
dissipação." (10)
Na sua obra literária
reconhecemos o seu interesse pelos mais variados temas. Assim
interessou-se por temas como a religião, política, economia, arte,
linguagem, educação, desporto, silvicultura, agricultura que nos foram
legados em elaboradas sínteses, durante os seus quase cinquenta anos de
actividade literária. Esta iniciou-se com o livro "Estudos sobre a
literatura contemporânea" até ao aparecimento do seu último livro, em
1933, "O Amor das Nossas Coisas".
As obras de Jaime de
Magalhães Lima transmitem-nos a sua preocupação constante com os
problemas sociais e culturais do país, com a língua portuguesa, com os
valores nacionais, com a democracia, mas de essência religiosa, traçando
quadros políticos e sociais da sua época, sem contudo os mutilar. É
assim um homem que, nas palavras de Agostinho Campos
(11), «...para sempre ficará na história da cultura
nacional como exemplo de seriedade, sagacidade, subtileza e
profundeza...» mas cuja grande lição está «...no ensinar-nos a amar a
Beleza, para amarmos o Bem...»
Jaime de Magalhães
Lima é também um homem de contradições, facto asserçado pela admiração
que nutre por dois homens cujo posicionamento na vida é antagónico.
Assim é um admirador de Tolstoi, a quem visitou pessoalmente na Rússia e
com quem trocou correspondência, como testemunha o estudo de William B.
Edgerton, "Tolstoy and Magalhães Lima". Desta forma Jaime de Magalhães
Lima é um pioneiro na divulgação da literatura russa do século XIX, em
Portugal, mas também alarga os horizontes da cultura portuguesa ao
enviar a Tolstoi um exemplar de "Os Sonetos", de Antero de Quental. Este
exemplar foi traduzido por Jaime de Magalhães Lima para alemão.
A admiração por
Tolstoi é para Jaime de Magalhães Lima «uma das mais doces e
encantadoras recordações da minha vida.»
(12)
Contudo é também um
seguidor incondicional de S. Francisco de Assis. Não só baptizou a sua
quinta de Eixo como Quinta de S. Francisco, como lhe dedicou muitos dos
seus escritos. Vê nas doutrinas de Assis um exemplo moral de homem,
homem simples, interveniente e em comunhão com a Natureza.
Esta admiração pode
comprovar-se no jornal "O Ilhavense", n.º 913, de 1932, quando escreveu
«...foram as doutrinas de Tolstoi e os ensinamentos de S. Francisco de
Assis, e o exemplo de uma mulher que um dia encontrou no caminho, que
lhe mostraram a Lei e a Arte de bem servir...»
É contraditório
quando acha que "a alma humana é das coisas cognoscíveis a mais vasta e
cativante", mas contudo não despreza a experimentação, a observação
científica, a descoberta das leis da matéria. Louva a natureza mas não
menospreza o seu escritório revestido de livros, onde estuda e medita. E
um preconizador do naturalismo e amante das caminhadas, mas foi uma das
primeiras pessoas a possuir automóvel em A veiro, louvando o
desenvolvimento da técnica.
Homem extremamente
viajado, prefere o isolamento e a relação com a natureza.
Jaime de Magalhães
Lima é um nacionalista, um romântico, bondoso, conservador, compassivo,
eloquente e é não só um sentimentalista português, como um admirador de
A veiro. Comprova-o ao escrever «...não me atreverei a dizer que José
Estêvão ou Mendes Leite... não teriam sido o que foram se não tivessem
nascido em A veiro, mas quero ver que a privilegiada natureza física e
social desta região tivesse na constituição do seu espírito uma
influência poderosa... " (13)
Toda a sua obra nos
mostra um espírito que primou pela isenção, pela dignidade humana, pelo
amor ao belo, pela simplicidade e coerência, pela cortesia e mesmo por
uma ironia subtil. Porém, ao lê-lo, presenciamos uma moral e uma
cidadania coerentes com a constante busca do Bem.
Compreende-se desta
forma as homenagens prestadas pela cidade de A veiro a esta ilustre
personagem, quer em vida quer póstumas. Assim, a 17 de Julho de 1934, na
Quinta de S. Francisco, em Eixo, foi prestada uma homenagem pública a
Jaime de Magalhães Lima, pelo povo aveirense, a que se juntaram
admiradores de fora, como Joaquim de Carvalho (professor da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra).
A 24 de Fevereiro de
1957, a Câmara Municipal de Aveiro inaugurou um monumento a Jaime de
Magalhães Lima, executado pelo Dr. David Cristo.
A 25 de Fevereiro de
1986, comemorando o quinquagésimo aniversário da morte de Jaime de
Magalhães Lima, a empresa de Celulose e Papel de Portugal, E.P. –
Portucel – homenageou o pensador e escritor, publicando o livro “Entre
pastores e nas serras", do autor. A 16 de Setembro de 1991, no despacho
113/SEAM/91 do Diário da República, II Série de 15/10/91, é aprovada a
proposta apresentada pela Escola Secundária de Esgueira, após
concordância da Câmara Municipal de Aveiro, que pretende para seu
patrono Jaime de Magalhães Lima.
Podemos pois dizer,
tal como Jaime de Magalhães Lima no seu testamento de 13 de Dezembro de
1927 que «...a morte não é pena: é uma glorificação na saudade.»
Josefina Paula Casimiro da Rocha
Professora de História
Escola Secundária Dr. Jaime de Magalhães Lima
Aveiro
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Notas:
(1)
- Os Povos do Baixo Vouga, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa
de Antropologia e Etnologia, voI. lI, pp. 293-294.
(2) - Aveiro, suas Gentes,
Terras e Costumes, D. João Evangelista de Lima Vidal, selec. de João
Gonçalves Gaspar, ed. Junta Distrital de Aveiro, Aveiro, 1967.
(3) - Malpique, Cruz, Jaime
de Magalhães Lima, Pensador de Raiz Poética, Ensaio I, in: Arquivo
do Distrito de Aveiro, voI. XXXI, 1966.
(4) - Idem.
(5) - Lima, Jaime de Magalhães,
O Amor das Nossas Coisas, pág. 185.
(6) - Idem, Entre Pastores e
Serras, Portucel, 1986.
(7) - Idem, Evocações com
Algumas Breves Recordações Pessoais, Aveiro, s. d.
(8) - Sarabando, João, in
República, 8 de Dezembro de 1961.
(9) - Lima, Jaime de Magalhães,
A Arte de Repousar..., pág. 11.
(10) - Boletim Municipal de
Aveiro, Aveiro, Ano IV, n° 7, 1986, pág.19.
(11) - Arquivo do Distrito de
Aveiro, Monumento a Jaime de Magalhães Lima, Aveiro, vol. XXIII,
1957, pág. 20.
(12) - Boletim Municipal de
Aveiro, Aveiro, n° 7, 1986, pág. 17.
(13) - Arquivo do Distrito de
Aveiro, O Monumento de Aveiro ao Dr. Jaime de Magalhães Lima,
Aveiro, voI. XXIII, 1957.
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BIBLIOGRAFIA
GASPAR, João Gonçalves – Aveiro, Notas
Históricas, Aveiro, ed. Câmara Municipal de Aveiro, 1983,pp. -15-16,
145-147 CHRISTO, António; GASP AR, João Gonçalves – Calendário Histórico
de Aveiro, Aveiro, Ed. Câmara Municipal de Aveiro, 1986
OLIVEIRA MARQUES, AH. - Guia de História da Primeira República
Portuguesa. Lisboa, 00. Estampa, 1981.
LIMA, Jaime de Magalhães – Entre Pastores e nas Serras. Aveiro, ed.
Portucel E.P., 1986.
LIMA, Archer de – Magalhães Lima e a sua obra – Notas e Impressões,
Lisboa, 1911.
VIDAL, D. João Evangelista de Lima – Aveiro, Suas Gentes, Terras e
Costumes, selec. de João Gonçalves Gaspar. Aveiro, ed. da Junta
DistritaI de Aveiro, 1967.
BUESCU, Maria Leonor – "JML", in Enciclopédia Luso-brasileira de
Cultura, voI. XII, Lisboa, ed. Verbo, pág. 113 Arquivo do Distrito de
Aveiro, Aveiro, voI. 11, 1936, pp. 45-56 Arquivo do Distrito de Aveiro,
A veiro, voI. XXIII, 1957, pp. 3-22 e 35-45.
Arquivo do Distrito de Aveiro, Aveiro, voI. XXVIII, 1961, pp. 159-160.
Arquivo do Distrito de Aveiro, Aveiro, voI. XXXI, 1965, pp. 5-25,91-116
e 118-194.
Arquivo do Distrito de Aveiro, Aveiro, voI. XXXII, 1966, pp.
3-21,90-106 e 177-192.
Arquivo do Distrito de Aveiro, Aveiro, voI. XLII, 1976, pp. 3l3 e
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Aveiro e o seu Distrito, Aveiro, n.º 36, 1986, pp. 5-35.
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Boletim da ADERAV, Aveiro, n.º 15,1986, pp. 37-38.
Boletim Municipal de Aveiro, Aveiro, n.º 7, 1986, pp. 13-20. |