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Sérgio Paulo Silva, Palavras de trazer por casa, 1ª ed., Estarreja, 2007,146 págs.

Pedinchices

Sinto-me muito honrado – não, não é presunção – porque me vou dando conta por conversas de acaso, por haver muita gente que vai tendo a curiosidade e a gentileza de me ler nas páginas deste jornal. Muito honrado e, naturalmente, muito agradecido.

Alguns fazem-me críticas, o que me é ainda grato. E dizem-me que por vezes sou confuso e que alguns títulos parecem desgarrados dos artigos. Claro que ambiciono ser entendido e penso estar sempre a ser claro e transparente como a água e que presumo que as pessoas que me lêem conheçam o que às vezes é brevemente referido. Por exemplo, dei uma vez o título a uma croniqueta utilizando um verso de Camões "E por força do muito amar". Pensava que os meus ocasionais leitores o reconheceriam e completariam mentalmente e, de imediato, antes da leitura do meu artigo, aparecia "se torna o amador na coisa amada". Neste caso, o conhecimento do poema de Camões era a ferramenta necessária sem a qual, de facto, a leitura do meu artiguelho ficava mutilada. Assim, também noutras voltas destas minhas ocasionais prosas, que ao longo dos meses fui procurando diversificar, para não fastidiar. Mas há uma coisa que pertence à sabedoria das nações: o que é demais é moléstia. Para quem lê e para quem escreve. No meu caso, os escritos ocasionais para este jornal tornaram-se regulares pela insistência amiga dos seus responsáveis, a que não me soube furtar. Contudo isto é-me penoso.

Quero escrever sobre moliceiros, quero amanhar outras bateiras, quero escrever sobre os touros da minha querida raia (sabei que eu não sou vosso, que tenho a alma noutros montes, onde gostava de ter nascido), quero gastar a minha tinta em proveito dos meus silêncios. Quero ceder o passo, dar o lugar a outros.

Em nome do porvir é fundamental que os mais jovens criem o seu espaço, se imponham, abram novas janelas. Eu confesso-me fatigado, mesmo que a enxada vos pareça leveira. E a terra por desbravar é tão vasta... Não, não é preciso que a vossa pena se gaste e se agaste na política local. A um tempo isso seria demasiado fácil e escusado, já que, como sabeis, não se deve gastar cera com fracos defuntos. Não haverá quem se proponha render-me? Fico expectante.

Entretanto, há coisas das quais posso ainda falar. Como dum papelinho com que me deparei não há muito e que é uma preciosidade nos meus arquivos: uma licença para usar isqueiro de 1966. Era primeiro-ministro Oliveira Salazar; e não se podiam acender cigarros ou quejandos, a não ser com fósforos. Para utilizar um vulgaríssimo isqueiro era preciso, sob pena de pesada multa, tirar licença na magnífica câmara. Devia ser coisa única no mundo. De resto, um certo tipo de mentalidades está constan­temente a urdir singularidades (ainda se lembram da "rua do Táxi"), como esta outra que a gravura recorda e que aqui, no nosso Concelho, ainda se pode ver nas paredes de algumas casas.

Ainda estará em vigor o mencionado Decreto-Lei? Salvo honrosas excep­ções, nunca fizemos nacionalmente outra coisa senão mendigar e desafiando sempre a amplitude dos gráficos...

Talvez na miserável placa até esteja uma ideia de negócio para alguns. Porque não vender placas destas para os bancos afixarem à porta? Para países do terceiro, quarto e quinto mundo? Para as portas dos adminis­tradores das empresas, das nossas casas e de quanto nos couber na imaginação?

Eu próprio estou merecedor de um recuerdo destes, eu, que ainda há instantes mendigava o direito a calar-me, a não escrever croniquetas sem pés nem cabeça...

 

 
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