Sérgio
Paulo Silva, Palavras de trazer por casa, 1ª ed., Estarreja, 2007,146 págs. |
Vi um
dia, numa exposição do pintor José Mendonça, alguns quadros com
paisagens e ruas de Estarreja. Guardei-os na memória, ora pela festa das
cores, ora pela beleza dos recantos que o pintor, com a sua grande
sensibilidade, parecia dizer: "nunca os viste? estavam ali!..."
Foram
passando os anos e muitas dessas pinturas de José Mendonça eram hoje
impossíveis. As exigências de disponibilidade de habitação, de
rentabilização de espaços, a avidez sôfrega de lucro, numa rápida
vintena de anos, descaracterizou o coração do concelho. Um pouco por
outras terras do país vai sucedendo o mesmo; e é provável que tenha que
ser mesmo assim.
Há em
Aveiro um lugar (um cruzamento na estrada que segue para Verdemilho)
conhecido por "Eucalipto". O tal eucalipto viveu lá, de facto, muitos
anos, mas agora quantos se lembrarão dele? De igual maneira, temos aqui
entre nós um lugar conhecido por "Pia dos Burros". Quantos saberão
porquê? E vive lá tanta gente... O local (1) já vai guardando pouco do
passado: as torres de andares atropelam-se umas às outras, sem a folga
dum recanto para uma árvore, a misericórdia dum portão para uns cachos
de glicínias, o milagre duma varanda vestida de sardinheiras...
A ter
a pintura de J. Mendonça algum parentesco de estilo com a pintura de
Nadir Afonso, Amadeu S. Cardoso ou Cesariny, talvez esse novo espaço e
outros que se estão fermentando pudesse servir-lhe de modelo para novas
pinturas. Não tendo, vai assim, sub-repticiamente, o Concelho
escorraçando um dos artistas que mais se emocionava com a beleza dos
seus recantos.
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(1) No
local, quando ainda não existia o supermercado Couto e um muro de
cimento ia por ali acima, esteve uma das expressões pictóricas mais
lúcidas que tivemos. Rezava assim: EM ESTARREJA VISITE O CAFÉ MIRANDA,
VINHOS PETISCOS E PROPAGANDA – lembram-se?
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