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Sérgio Paulo Silva, À bolina pelo Vouga com os Ventos da Memória, 2013, 74 pp.

O São Paio da Torreira

Mas voltemos para a festa. Para a festa rainha das festas dos povos do Baixo-Vouga, o São Paio da Torreira. Meu pai adorava esta festa. Aí estão os seus textos, que compilei para fazer o seu livro, Amor à Terra, para o comprovar.

Pelo São Paio a porta da casa dos meus pais não se fechava. Era um corrupio de amigos que chegavam e partiam. Na sala e na varanda larga, havia coisas que nunca faltavam: leitão assado, caldeirada de enguias, travessas de enguias fritas... e vinhinho.

Alguns eram sempre certinhos todos os anos, como as regueifas: O abade de UI, muito amigo do meu pai e seu oposto na política. O abade era unha e carne com o Conselheiro Albino dos Reis, delfim de Salazar, e aparecia sempre bem provido de tabaco surro e sacadas de padas de UI; o Dr. Albino, médico de Canelas, o Pereira, advogado em Ovar, muitos mais que já não consigo invocar. Mas estes, como o meu velho, eram todos indefessos das bailarinas com quem gastavam horas.

Nesses anos as enguias eram abundantes por toda a Ria e baratas. A fábrica de conservas de enguias não nasceu e floresceu na Murtosa por a Ria ter muitos caranguejos... Hoje, para comer enguias é preciso receita médica! Mas então serviam-se generosamente. As mais delgadas, que não serviam para a caldeirada, lavavam-se, muito bem lavadas, enxugavam-se e fritavam-se em azeite nas sertãs de ferro. Voltavam a enxugar-se, desta feita em papel pardo, e iam para as travessas enfeitadas com raminhos de salsa, para dar sainete. Com uma padinha d'UI marchavam algumas e um bom copo, enquanto as bailarinas prosseguiam na sua dança:

O que é que saiu para trunfo?

Ora, preste atenção ao que está a fazer...

Sobrando e fazia-se para que sobrassem voltavam a nadar num escabeche feito com vinagre de vinho e iam-se desenterrando mesmo que os romeiros já tivessem embarcado no derradeiro mercanteI. Assim se conservava o peixe (por falar nisso, já provaram uma perdiz de escabeche à moda da Beira-Baixa? E ainda há quem não goste de vinagre!) em tempos de não haver aparelhos de frio. O frio, insisto, operou uma profunda revolução nos comeres. Mas, os que sabem, os que podem, sempre que puderem, devem fugir disso como o diabo da cruz. Paladares e aromas vão-se às urtigas e casos há, como as enguias, em que o desastre é total. O escabeche e um mosqueiro, mesmo que pequeno, devem ter-se em conta.

As padinhas de UI chamavam o leitão para uma sandes como o escabeche lhes chamava o miolo. Se fosse possível recuperar velhas ambiências, o seu préstimo e paladar montavam pelos degraus da amizade e do convívio mais alto que o foguetório actual. É do que me lembro. Disso e da velocidade dos carrosséis.