ABALADA, partida para qualquer
viagem. Assim é vulgaríssimo a expressão ir d'abalada ou estar d'
abalada, para designar que uma pessoa está prestes a partir. Em sentido
mais restrito e um tanto zombeteiro, ir d'abalada também retirar-se
uma pessoa de qualquer lugar em que não se encontre bem. É substantivo
derivado do verbo abalar.
ABALARI. Partir para uma viagem
ou para uma jornada. Em Mourão não tem o significado de fugir ou ir com
pressa, que se encontra em Cândido de Figueiredo. Ainda se emprega com o
sentido de sair, retirar-se, mas sem a ideia acessória de pressa ou
precipitação. António abalou isto é foi-se embora, saiu. Korting
apresenta como étimo deste verbo, pallare a que juntou o a protético;
dá-lhe pois a mesma etimologia de bailar.
ABONDO, adjectivo. Bastante,
suficiente. Evidentemente este adjectivo tem relações íntimas com o
verbo bondar, de que trataremos na altura devida.
ABETARDA, ave de arribação, mais
corpulenta que o peru. A caça desta ave cuja carne é muito apreciada, é
difícil por voar muito alto. As que aparecem à venda são caras e muito
disputadas pela raridade. Ao lado desta forma encontra-se batarda.
Deriva de avis tarda, para se dar a entender que das aves migratórias, é
das últimas ou a última a chegar.
ABORRIDO, triste, melancólico,
sem vontade de fazer qualquer coisa devido a tédio. A forma aborrecido
também se emprega, mas no sentido de enfadonho, impertinente. Assim,
João está aborrido, quer dizer está triste; João é aborrecido, significa
João aborrece ou causa aborrecimento; é impertinente e inconveniente.
AÇUCARI e também AÇUCRE, açúcar.
Qualquer das formas é corrente, embora a primeira mais, em quase todo o
Alentejo.
AD, preposição que, como em
latim, exprime termo de movimento e lugar onde. Assim, Maria foi ad
Antónia, isto é, a casa de Antónia; Onde está o teu irmão? Está ad
Manuel da loja, isto é em casa do Manuel da loja.
ADOBAR, cobrir de adobo o pavimento ou
as paredes duma casa, não sendo estas de pedra e cal.
/ 12 /
ADOBO, espécie de tijolo
empregado na construção de paredes de casas pouco importantes, como
cabanas, palheiros, e ainda moradas baratas. Serve também par cobrir os
pavimentos térreos. Tanto o substantivo verbal adobo como o verbo
adobar
são talvez de origem árabe.
ADREGAR, acontecer por acaso;
sair um trabalho perfeito também por acaso e não por perícia de quem o
executou. Karting, Lateinisch-Romaniches Warterbuch não dá notícia deste
verbo nem do substantivo verbal adrego, que se me afigura derivarem do
latim, ad rigare.
ADREGO, caso raro. É um adrego, é
uma raridade; cousa que só excepcionalmente acontece.
ADÚA, lugar onde, durante o dia,
se conservavam fora da povoação os cos de gente de poucos recursos, que
não tem acomodações próprias para o gado suíno. A adúa é um terreno
municipal, baldio, e o gado que nele vai alimentar-se é guardado por
um homem, o aduéro, que recebe uma certa importância, pequena, por cada
cabeça de gado. De manhã, quase pouco depois do romper do sol, de cada
casa onde haja gado suíno, saem os porcos que vão juntar-se num
determinado local, donde, a um sinal dado pelo aduéro, partem todos, em
boa ordem, para a adúa. Ao cair da tarde volta o gado para o local onde
ele de manhã se reunira, e, a um novo sinal feito pelo guarda com o
cajado, a enorme vara dispersa-se e, correndo cada animal
desalmadamente, dirigem-se todos para casa dos respectivos donos. Vão
cegos na corrida e quem se não precaver nas ruas por onde passam,
arrisca-se a ser derrubado por eles. Nem um só se engana na porta da
casa a que pertence e quando, por acaso, a porta se encontra fechada,
grunhem e dão trombadas até que a venham abrir. É que no quintal espera
por eles a travia. Provirá o termo adúa de anúduva, como alguns
etimologistas pretendem, mas se me afigura pouco provável, embora
foneticamente seja facilmente explicável, ou, como me inclino a crer, do
árabe?
ADUFE, instrumento muito usado
para marcar o ritmo nos bailes populares das noites de S. João e S.
Pedro, muito festejados em Mourão, onde a noite de S. António passa
despercebida. É constituído o adufe por um cubo de madeira, de pouca
altura, com bases cobertas por peles retesadas e ensebadas. As arestas
são enfeitadas com fitas de cores variadas. O som obtém-se por percussão
manual. Mas, alem deste significado que é corrente no país, em Mourão
adufe tem o significado depreciativo de insolente, presumido, vaidoso,
atrevido no trato com as pessoas. Assim as expressões: ora, o adufe!
que
tal está o adufe! significam 'ora o insolente! que tal está o atrevido!'
ÁGRIO, azedo, ácido: também se
emprega, embora menos
/ 13 / correntemente, a forma
agre com o mesmo
significado. São termos de origem latina, agre de acrem, e
agrio do
comparativo acrius.
ÁGUA DE GASTARI, água não
potável, que se aproveita todavia para lavagens e limpezas domésticas. À
água potável dá-se a designação de água de beber.
ÁGUA MEL, mistura de água e mel,
da qual se faz uso nas merendas, ensopando-se nela bocados de pão.
ÁGUA-RUSSA, a água proveniente da
moedura da azeitona nos lagares de azeite.
AI! AI! Expressão exclamativa
equivalente a basta! Assim quando se lança qualquer líquido num copo ou
em qualquer vasilha e se quer dizer que basta o líquido já lançado,
exclama-se aí! aí! o que aos graciosos dá ensejo para o trocadilho de
dizerem, pois bé, é aí qu' é déto.
ÁLA! interjeição. empregada para
dar o sinal de partida para uma jornada. Em ála, neste caso, há também
a ideia de que Deus acompanhe o que parte. Assim ála exprime
propriamente, vai, parte e que Deus te acompanhe! Isto leva-me a admitir
a hipótese de que ála provenha do árabe Allah!
ALAVÃO, conjunto de operações
para o fabrico de queijos de leite de ovelhas ou de cabras. Local onde
se ordenham esses animais. É palavra de origem árabe.
ALBUFÉRA, depósito de águas
represadas, que, em tempo de estiagem, são soltas para regar as terras.
É na albuféra que as lavadeiras vão lavar a roupa, dizendo-se que
vão ó
rio e não à albuféra. Incidentalmente diremos que o Guadiana, rio que
passa perto de Mourão, não é designado com rio, mas sim como ribéra,
pelo que sem dúvida, Guadiana é do género feminino, dizendo-se em Mourão
a Guadiana e não o Guadiana. Albuféra é de origem árabe.
ALCACÉRI, planta gramínea para
alimentação do gado. Ceifa-se ainda verde. Suponho ser de origem árabe.
ALDIAFA, festa celebrada no termo
dos trabalhos agrícolas mais importantes, especialmente no da apanha da
azeitona. Os homens e as mulheres que trabalharam por conta do mesmo
lavrador, terminado o serviço, organizam uma espécie de procissão, que
se dirige do local onde se trabalhou, para casa do patrão. À frente vêm
três mulheres, arvorando a do centro, à maneira de pendão, duas varas,
em forma de cruz, com um xaile suspenso da vara horizontal e enfeitado
/ 14 / com ramos de oliveira. Atrás do pendão caminham homens e mulheres
do rancho da azeitona, entoando cantigas, muitas vezes ao desafio, e
não raro cadenciadas com palmadas. Chegado a casa do lavrador, o rancho
canta algumas quadras em louvor deste, que na casa de fora, onde se
encontra a chaminé, lhes oferece um jantar constituído por carneiro
guisado ou ensopado, chouriço, toucinho, pão e vinho. Terminada a
refeição, organiza-se um talho, em que se preponderam as danças de roda
que, melhor que as outras, se prestam a novas cantigas ao desafio, quase
sempre com alusões pessoais. O baile, por vezes, prolonga-se até altas
horas da noite. Com a forma aldiafa concorrem no uso corrente, embora
menos empregadas, as formas adiafa e diafa. A palavra é de origem
árabe.
ALFIRME, corda pouco grossa, ou
cordel de esparto. Cândido de Figueiredo, na edição de 1913 do Novo
Dicionário da Língua Portuguesa, já inclui este termo como
provincianismo. Não lhe indica, porem, a etimologia, que suponho seja
árabe. Alfirme parece significar propriamente esparto, isto é, a matéria
de que é feita a corda, pois que se, correntemente, se diz, por ex., dá
cá o alfirme, também não é menos usual ouvir-se uma corda ou um cordel
de alfirme.
ALMAIRO, armário. Móvel de
madeira em que se guardam utensílios de mesa, pratos, talheres, toalhas,
etc. A metátese do i e do a é de rigor, e assim, ao lado de almairo
encontramos boticairo, mesairo, calvairo, em vez de boticário, mesário,
calvário. A mudança do r em I será apenas a troca, muito espalhada em
todo o país duma líquida por outra, ou haverá também a correlação com
alma?
ALMÉCI, soro de leite de cabra ou
de ovelha que escorre quando se fabrica o queijo. Juntando-se-lhe alguma
nata e pouco leite, é levado ao lume do qual só se retira depois de
haver fervido. Vende-se barato e é muito usado nas refeições da tarde,
deitando-se-Ihe bocadinhos de pão. A palavra é de origem árabe.
ALMENTOLIA, forma corrente, de em
vez de almotolia. É um vaso de lata, em regra de capacidade não superior
a um ou dois litros, que serve para conter o azeite necessário ao gasto
doméstico de dois ou três dias. É termo de origem árabe.
ALMÔNDEGA, fritos de bacalhau
muito esfiado, envolvido em farinha e ovos batidos. Noutros pontos almôndega tem significado muito lato; em Mourão apenas designa os fritos
a que nos referimos, e que constituem parte obrigatória de todos os
farnéis quer para a viagem, quer para simples passeios ao campo. É de
origem árabe e vem citada por Kõrting.
ALVOREADO, estúrdio, pessoa de
pouco siso nas palavras e ademanes, incapaz de se conservar sossegado,
amigo de se divertir e de brincar, mas sem gravame para ninguém, embora
ligue pouca importância ao que faz ou ao que
/ 15 /
lhe diga respeito. É, sem dúvida, forma divergente de alvorotado, de
alvorotar, pôr em alvorôto, em desassossego, se bem que
não se empregue em Mourão a forma verbal alvorear.
AMANHARI, consertar, reparar
qualquer objecto estragado; por ex., os sapatos estão a amanhari. Não se
emprega, como noutros pontos do país, no sentido de preparar as terras
de cultura. O verbo amanhari, reflexamente, em sentido irónico, exprime
também a ideia de arranjar complicações ou situações difíceis na vida,
das quais podem provir grave consequências; assim, F. amanhou-se bem,
quer dizer que F. está em situação difícil, resultante de quaisquer
actos que haja praticado. Reflexamente, significa também ainda governar
bem a vida, saber administrar os seus bens, como por ex., António
amanhou-se bem, isto é, governa-se bem, vive desafogado. Desconheço a
origem do vocábulo, proveniente, talvez, dum hipotético admanuare,
formado de ad e duma forma verbal derivada do substantivo manus. De
admanuare, viriam sucessivamente amanuare, amanare, amanhari.
AMANHO, substantivo verbal
derivado de amanhari. Significa conserto, arranjo, reparação de
qualquer objecto estragado. Tem emprego mais lato que o verbo de que
deriva, pois exprime também trabalho na preparação dos terrenos de
cultura e ainda os recursos de vida ou bens que um indivíduo possua,
como, por ex., João tem um bom amanho, isto é, possui bens de fortuna
regulares.
AMARUJARI, ter ligeiro sabor
ácido, É termo aplicada à culinária, assim, o caldo hoje amaruja, isto é
tem pequeno sabor amargo ou azedo; que não o estraga, antes lhe dá sabor
muito apreciado.
AMO, dono da casa em que se
prestam serviços domésticos. Os proprietários rurais ou os donos de
casa de comércio para os respectivos serviçais ou empregados não são
amos, mas patrões. O feminino ama não se emprega no sentido de mulher
que amamenta filhos doutra, mas sim apenas no sentido em que se usa o
masculino. A mulher que, por paga ou gratuitamente, amamenta filho
estranho, é designada por mãe de leite.
AMOROSO, ameno, doce, temperado.
Aplica-se ao estado do tempo. Ex., está um verão mun amoroso; está uma
noite mun amorosa; isto é, um verão temperado, uma noite amena.
ANÁCO, chibata dum amo. Deve
derivar do castelhano.
ANDÁÇO, epidemia, doença
contagiosa. É corrente noutros pontos do país.
ANDÉS, ovo que se coloca em lugar
certo para habituar as galinhas a porem os ovos num local certo. É forma
divergente de indês, do latim indicem, com deslocamento do acento
tónico.
/ 16 /
ANÓJO, bezerro dum ano.
Emprega-se também na forma feminina anoja, bezerra dum ano.
ARENGA, substantivo verbal
derivado de arengari. Fala fútil, palavrosa, destituída de sentido, por
vezes com o sentido de iludir os ouvintes. Por alargamento de
significado, causa ou acção sem valor, inútil. De origem germânica.
ARENGARI, dizer muitas palavras,
sem tom nem som, com o objectivo de ludibriar quem as ouve.
ARENGUICE, dito estulto, cousa
sem importância.
ARRABAÇA, planta aquática de
folha larga e comestível. A esta planta encontra-se referência na quadra
popular seguinte:
«Arrabaço co pé nágua
Sempre s. está bandeando
É comás
meninas solteiras
Cando s 'estão namorando».
ARRAMADA, lugar ou espaço coberto
de ramos secos suportados por quatro ou mais postes de madeira, onde as
pessoas e animais se recolhem durante as horas de calor mais intenso.
Por extensão aplica-se o mesmo termo a espaço coberto com telhas pouco
unidas e assentes sobre ligeiro ripado.
ARREBINA! irra! apre!
ARREMATARI, concluir, por termo.
Aplica-se principalmente à costura. Tem também, como noutros pontos do
país, o significado de adquirir em lanço público qualquer coisa que vá à
praça. Deve provir do substantivo arremate que significa fim, termo,
conclusão.
ARRENCA-PINHÉROS, elefante.
ARRENCARI, é assim que se
pronuncia em Mourão o verbo arrancar.
ARRENEGADO, zangado, irritado.
Encontra-se com o mesmo significado noutras terras do país.
ARRENEGAR-SI, zangar-se,
irritar-se. Só se emprega reflexamente; ex., F. arrenegou-se munto.
ASSOMARI, aparecer a uma janela
ou uma porta. Emprega-se, em regra, reflexamente; ex., assomi-me à porta
assomô-si à janela.
/ 17 /
AVEJÃO, lobisomem; o indivíduo
que, segundo a crendice popular, anda penando seus erros, ou é vítima
do destino que sobre ele pesa, convertido, durante certas horas da
noite, até ao cantar do galo, em animal irracional, especialmente cão ou
burro. Pode contudo o avejão conservar a figura humana, enquanto anda
cumprindo seu fadário; mas, neste caso, toma forma gigantesca. Da
crendice nos avojões e do terror que estes inspiravam, obrigando toda a
gente a recolher-se e a cerrar portas e janelas, se aproveitavam alguns
espertalhões para realizarem aventuras amorosas ilícitas. Depois de
alguns avejães terem sido regularmente zurzidos com um varapau,
desapareceu essa crendice, e hoje todos se riem ao ouvirem falar deles.
AVENTARI, arremessar, deitar
qualquer objecto para a rua ou para o quintal. Suponho este verbo
derivado de ad ventum com o sufixo verbal -are, no sentido de atirar ao
vento, e daí arremessar, deitar fora.
AVEZARI, ter, possuir normalmente
e não por excepção. Ex., A. aveza dinhêro, isto é, A. tem dinheiro
sempre.
AVIARI, servir o comprador;
apressar. Ex., avie-me depressa a chita,
/ 18 / isto é, sirva-me etc.;
avia-te, isto é, apressa-te, despacha-te. Sem dúvida provém de ad viare,
isto é, mandar para a rua.
AVOIZEL, borboleta. Derivará de
avicela?
AZADO, vaso grande de barro, de
boca larga, com duas asas ou pegas na parte superior. Serve para ter
nele a azeitona de conserva e ainda para guardar toucinho e carne
ensacada de porco, depois de enxuta ao fumeiro.
AZELHA, de pressa, velozmente.
Emprega-se com os verbos de movimento. Ex. Vão d'azelha, isto é, vão de
pressa. Muitas vezes subentende-se que essa pressa é causada pelo medo.
AZETÉRA, utensílio feito de
chifre de gado vacum para transportar pequenas porções de azeite.
AZOARI, incomodar, com sons
repetidos e pouco agradáveis a quem os ouve; atormentar.
AZOICE, ruído, barulho,
leviandade, acto de disparate. |