CABAÇO
(dar o), recusar o amor de alguém que persegue com intuitos amorosos.
Ex., F. deu-lhe o cabaço, isto é, recusou-se a aceitar o namoro.
CABANEJO,
cesto vindimo, feito de vime, para nele se colocarem os cachos de uvas
que da vinha vão para o piso. O fabrico de cabanejo constitui indústria
doméstica a que, nas horas vagas, o próprio lavrador, de não grande
lavoura, se consagra. É de origem castelhana.
CABANHA,
comedorias que, semanalmente, o lavrador dá aos pastores ou guardas de
propriedades distantes do povoado. É de origem castelhana.
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22 /
CABEÇANA,
pessoa de cabeça grande; estouvado, estúrdia, Ex., F. é um cabeçana,
isto é, é estouvado, tem pouco juízo. Também se emprega na acepção de
estúpido e de teimoso.
CABEDALI,
dinheiro, bens de fortuna. Ex., É pessoa de munto cabedal, de muitos
haveres. É forma divergente de capital, termo este que não se emprega.
CABEDARI,
caber por sorte, por divisão. Talvez de ad capitare, do
substantivo caput, capitis, no sentido de repartir por cabeça.
CABRA, mulher leviana, volúvel e amiga de se divertir com espalhafato.
CABRAS,
inflamação nas pernas, causada pela intensidade do calor da braseira, no
inverno, provocando bolhas subcutâneas.
CABRAZANA,
marido sabedor das infidelidades conjugais da mulher, que se não mostra
ofendido com isso e até, por vezes, procura colher benefícios materiais
do facto. É aumentativo e supomo-lo de origem castelhana.
CABRITA,
rapariga leviana, muito namoradeira e amiga de saltar, correr e dançar.
CACHAMORRA,
cacete tosco, feito dum ramo de árvore de madeira rija, terminando na
parte superior por uma espécie de esfera da mesma madeira e do mesmo
ramo. No mesmo sentido emprega-se também cachaporra que, todavia, vai
caindo em desuso. Creio serem ambas as formas de origem castelhana.
CACHAMORRADA,
pancada com a cachamorra.
CACHOLA,
fígado de porco. De origem
castelhana.
CANHOLAS,
unhas dos porcos. De origem castelhana.
CACO, vasilha de barro, que se quebrou na parte superior e cujas partes
inferiores e média se aproveitam para se encherem de terra, em que se
semeiam ou plantam flores, hortelã, e salsa. Karting deriva este termo
do latim cacabus, ou dum hipotético cacaJus.
CAÇO, objecto de forma cilíndrica, aberto na parte superior, com um cabo ou
pega lateral em feitio de gancho na extremidade livre, empregado para se
extrair azeite dos potes. Há um outro caço, sem cabo, de forma quase de
tronco de cone que serve para tirar açúcar ou arroz dos sacos e caixas.
Segundo alguns etimologistas, caço provém do latim catinum,
segundo outros do árabe qaza ou qaça, que se me afigura
mais plausível.
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ÇAFÕES,
espécie de calções feitos de pele de animal, especialmente carneiro. Os
çafões são abertos lateralmente, unindo-se as duas partes com botões ou,
mais vulgarmente, com tiras de pele. O lado exterior dos çafões conserva
os pelos do animal. Ao lado da forma çafões ocorre também céfões,
embora menos correntemente. Creio ser de origem castelhana, ou talvez
derivado do verbo ceifar, cêfar, pois os ceifeiros os usam,
durante o trabalho, para pouparem as calças. Durante o inverno servem de
abafo.
CALATRAIA,
mulher amiga de andar por for a de casa, conversando e brincando;
doidivanas. Ignoro a etimologia.
CALDUCHO,
sopa de pão fervido em água, temperada com azeite, sal e poejos, e
servida com bacalhau cozido ou com ovos. O termo é de procedência
castelhana, se bem que possamos considerá-lo derivado de caldo e do
sufixo ucho, com sentido diminuitivo.
CALMA, calor atmosférico alem da temperatura normal.
CALROS,
Carlos. Semelhantemente, Calrota e Calritos, por Carlota e
Carlitos.
CAMPARI,
tirar vantagem de qualquer acção que se praticou. Emprega-se,
geralmente, sem sentido irónico, para exprimir que uma pessoa obteve
resultado contrário ao que esperava de certo acto ou negócio. Ex., F.
campou, isto é, ficou ludibriado, sofreu um desengano.
CAMPO-SANTO,
cemitério. O termo cemitério é quase absolutamente for a do uso do povo.
CANAVOIRA,
espécie de caule, pouco consistente e oco. Com sentido figurado,
aplica-se para designar pessoa pouco assisada, leviana, volúvel.
CANETA,
boquilha de fumador.
CANIÇO,
armação de canas ligada por cordéis e suspensa do tecto, que serve para
se curarem queijos e conservá-los.
CANHAS,
migas adubadas com leite.
CANITO,
cão pequeno. Tem o feminino Canita, muito popularizado no
Alentejo, especialmente no distrito de Évora, no último quartel do
século passado, por ser o ápodo por que era conhecido o grande lavrador
José Maria dos Santos, muitas vezes eleito deputado por um dos círculos
do distrito, de que Mourão fazia parte. Poucas pessoas do povo saberiam
quem era José Maria dos Santos, mas
/
24 / não havia nenhuma que não soubesse quem era o
Canitas, contando-se, a propósito, que a fortuna do activo e progressivo
lavrador provinha do facto dele haver casado com uma senhora riquíssima,
que assim lhe manifestara a sua gratidão, por ele lhe haver curado uma
canita de muita estimação. Canito é diminuitivo de cão formado com o
sufixo ito, quase exclusivo como sufixo diminuitivo; assim diz-se
bacorito, melanito, leitonito, e não bacorozinho, melãozinho,
leitãozinho.
CANSINO,
cansado, farto de. É biforme. Ex.,. Estou cansino de andari, isto
é, Estou cansado de andar, estou farto de andar. É derivado do verbo
cansar e do sufixo ino.
CANTARÊRA,
espaço aberto na parede interior das casas, com duas ou três prateleiras
de pedra ou de tijolo, sobre as quais se colocam pratos, chávenas,
tigelas e copos, que não estejam em serviço constante. Algumas
cantaréras têm o friso superior saliente, aproveitando-se este para
pôr pratos de estanho, ao alto, ou vasinhos de louça com flores. Deste
friso desce, muitas vezes um cortinado de chita ou de ramagem, que
resguarda do pó a cantaréra. As boas donas de casa fazem gala da
limpeza e asseio da cantaréra e dos objectos que nela se guardam.
Não obstante a palavra derivar de cântaro, só raras vezes, na prateleira
inferior da cantaréra e nos cantos desta, se colocam cântaros.
CANTOS,
esquinas de prédios que ficam na extremidade de ruas. Os cantos são os
pontos de reunião dos desocupados, que neles passam o tempo conversando
e comentando as vidas alheias. Há cantos frequentados pelos
trabalhadores rurais, que, no fim das semanas, aí fazem praça para se
contratarem para a semana seguinte, e há os privativos dos lavradores e
da gente fina. Os cantos são procurados principalmente nos dias de sol
dos fins do outono e do inverno. Também a palavra canto se emprega no
significado próprio de entoar cantigas ou modas.
CAQUÊRO,
cântaro que se quebrou e cujas partes bojuda e inferior se aproveitam
para depósito de dejectos ou de cinza. É derivado de caco, tendo aqui o
sufixo éro o valor de aumentativo.
CARAÇA,
máscara de papelão para o Entrudo.
CARAÇANA,
cara muito grande; pessoa que tem cara grande. Ex., F. é um caraçana,
isto é, tem cara maior que a normal.
CARÁGO!
Exclamação designativa de ira, de desespero, por não se haver sido bem
sucedido em qualquer acta. Vai sendo considerado o termo de carácter
obsceno e, por isso, as pessoas bem falantes evitam-lhe o emprego. É de
proveniência castelhana.
CARRASPÊRA,
bebedeira. Este termo é evidentemente aparentado com
/
25 / carraspana, que, noutros pontos do país, tem o mesmo
significado. Ignoro a etimologia.
CASABEQUE,
casaco pequeno de mulher, mal talhado, e de fazenda ordinária. Há quem
diga casimbeque, em tom depreciativo, que a primeira forma também
reveste, embora menos intensamente.
CASETA,
sede de posto da guarda-fiscal na extrema da fronteira luso espanhola. O
sufixo eta é incontestavelmente diminuitivo. julgo ser o termo
caseta oriundo do castelhano
CASPACHO,
comida refrescante muito empregada e apreciada nas merendas e ceias de
verão. Faz-se com água, que não vai ao lume, sal pisado, alho igualmente
pisado, azeite e vinagre. Serve-se frio e, às vezes juntam-se-Ihe
pedaços de carne cozida, fria, azeitonas, pimentos, rodelas de tomate e
pepino. Este último é, por vezes, substituído por melão. A palavra é de
origem castelhana, e a comida também, em meu modo de ver. Emprega-se
ainda a forma gaspacho, castelhana.
CATA, procura, pesquisa de uma pessoa ou dum objecto. Cândido de Figueiredo
emprega a preposição em com cata; Mas em Mourão emprega-se o artigo com
a preposição a. Ex., Ando à cata de F. ou de livros, isto é, ando
à procura de F. ou de livros. É substantivo verbal do verbo catar, mas
este verbo não se emprega com o significado de cata, mas tão somente com
o de espiolhar.
CATARRAL,
pneumonia.
CATRAPÚA,
confusão, atrapalhação, reboliço, arruído. Com o mesmo significado
emprega-se também o derivado catrapúada. Ignoro a etimologia mas
apresento a hipótese do seu termo onomatopaico, proveniente de catrapuz.
CENRADA,
mistura de cinza e de água a ferver, com a qual se lava a louça que
serviu a comida gordurosa. Ao lado da mesma cenrada, em que se me
afigura clara a proveniência do latim cinis, eris, ocorre
também a forma cerrada por assimilação do n ao r.
CÊRAS, objectos de esparto, de forma circular, com um orifício ao centro,
entre os quais é premida a azeitona nos lagares.
CERCADO,
grande extensão de terreno orlado de muro de pedra solta, onde pasta
gado vacum. Nos cercados também há árvores de fruto, mas não se fazem
neles, em regra, sementeiras.
CÊRÕES,
entrançados de esparto, que servem para cobrir os leitos e os varais dos
carros.
/ 26 /
CEVÃO, porco engordado em casa com a travia. A carne do cevão é tida
por menos saborosa que a do porco engordado no montado.
CHANA, cadeia, prisão. É evidentemente adulteração do francês chaine e
suponho ter vindo por intermédio do castelhano.
CHAPARRO,
árvore que dá boletas, e cujo tronco se aproveita para lenha.
Quando se quer exprimir a ideia de que um indivíduo é muito bruto ou
muito estúpido, diz-se que ele é que nem um chaparro. É de
proveniência castelhana o termo.
CHERÉM,
milho moído. Ignoro a etimologia da palavra e suponho a de origem
castelhana.
CHIBITO,
chibo pequeno. Ao contrário do que se dá com o chibo e o chibato, a sua
carne é muito apreciada.
CHICA-MAROCA,
excremento humano, principalmente de criança.
CHICHA,
carne cozinhada.
CHINCHO,
pequeno cilindro de lata ou de madeira no qual se mete o coalho de leite
para fazer queijo. Creio vir do castelhano.
CHIQUÉRA,
estrumeira, e, por extensão, lugar pouco asseado. Ex., Esta casa é
uma chiquéra, isto é está muito suja.
CHIQUÊRO,
parte do quintal reservada ao porco que se engorda em casa.
CHITA, CHITA!
Expressão empregada para o chamamento de cães.
CHOÇA, cabana feita de ramadas de árvore para abrigo de pastores ou de guardas
de vinhas ou meloais.
CHOURIÇA,
enchido de carne de porco, picada, seca ao fumeiro. O termo chouriço,
que tem o mesmo significado, não se emprega em Mourão, salvo por pessoas
for a da terra, embora seja corrente noutros pontos da província.
CILARCA,
cogumelo.
CíTOLA,
raridade, o que só muito raramente acontece. Ex., António vem por cá?
Isso sim, é uma citola, isto é, uma raridade, um caso excepcional.
Relaciono este termo com cítara e formulo a hipótese de que o seu
significado provirá do facto de só de longe em longe, como raridade,
aparecer por
/ 27 / Mourão, noutros
tempos, algum tocador de citara.
ClVIS, polícias. Há neste termo acção do castelhano.
COALHADA,
nata do leite para fazer queijos e queijadas. Obtém-se lançando leite no
cardo. A maior ou menor porção de cardo faz que o queijo seja mais ou
menos picante.
COCHINO,
porco pequeno. E de proveniência castelhana. Também se emprega o
feminino cochina. Em sentido depreciativo, significa velhaquete,
pessoa pouco séria.
CÔCHO, objecto de cortiça com o qual se tira o vinho dos potes. É de origem
castelhana.
COlMA, multa imposta pelos zeladores municipais por transgressão de postura.
Corresponde à calumpnia dos nossos forais.
COMÉDIA,
comida fornecida por contracto aos trabalhadores rurais.
COMÉDIAS,
representação teatral. Embora a peça representada seja tragédia ou
drama, o espectáculo tem o nome genérico de comédias.
CÓMICO,
actor de profissão. Emprega-se também a forma feminina para designar
actriz. Quando, de longe em longe, aparece em Mourão um grupo de
artistas teatrais, diz-se estão cá os cómicos, logo, à noite, há
comédias.
COMÚA, sentina.
COMPÔRI,
enfeitar, ornamentar, vestir as imagens dos santos, que hão-de figurar
em procissão. Ex., casa bem composta; a mordoma vai hoje compor Nossa
Senhora; a cama dos noivos está mun composta. Também se emprega no
sentido de arranjar, cuidar da sua pessoa. Ex., F. está bem composto;
F. compõe-se bem, isto é, F. está bem vestido; F. veste-se bem, cuida
do seu trajo.
CONCERTADO,
ao serviço doutro por contracto mais ou menos longo. Ex., F. está
concertàdo à de João. As criadas também são concertadas.
CONCERTARI,
contratar alguém para serviço permanente doméstico. Emprega-se também
reflexamente. Ex., F. concertou M.; F. concertou-se à de José.
Não se usa nunca com o sentido de consertar, pois que a ideia expressa
por consertar se traduz por amanhar, arranjar; assim amanham-se, e não
se consertam, botas, cadeiras, etc.
/
28 /
CONDUTO,
alimento, geralmente não cozinhado, que acompanha o pão. Os condutos
maia empregados são queijo, azeitonas e chouriço.
CONSIDRAR,
pensar, meditar. O verbo conjuga-se todo com a síncope do e que se nota
no infinitivo. Desta forma o presente do indicativo do conjuntivo, são
respectivamente, considro, considras, considra, considre, considres,
e nunca considero, considera, etc.
CONHO!
Exclamação de ira. É de origem castelhana e é considerada um tanto
obscena, pelo que se evita o seu emprego.
CONFÊSSO,
depoimento ou interrogatório judicial. Ex., F. foi ao confésso,
isto é, F. foi depor no tribunal, ou foi ser interrogado pelas
autoridades.
CONTENDA,
terreno fronteiriço cuja posse não é de Portugal nem de Espanha. Hoje já
se fez a delimitação desse terreno, apesar do que a designação de
contenda persiste. Alguns dos terrenos da contenda são bons para a
cultura do trigo e, por isso, antes de feita a delimitação, eram
cultivados por portugueses e espanhóis, o que dava azo a frequentes e,
por vezes, sangrentas lutas.
CÔRÉLA,
courela. Extensão maior ou menor de terreno cultivável, mas não murado.
Há côrélas de olival e de semeadura.
CORTO, cortado. Ex., o cavalo tem o rabo corto, isto é, cortado.
CORRER O SINO,
toque do sino municipal, de inverno às 21 horas e de verão às 22, depois
do qual todos os estabelecimentos de venda, incluindo as tabernas ou
adegas, encerravam as portas sob pena de multa. Em regra, também, depois
do correr do sino, todas as pessoas recolhem a suas casas,
considerando-se estúrdias as que o não fazem.
CÔTADA,
grande extensão de terreno municipal, que, até 1895, era anualmente
dividido em tantas glebas quantos os chefes de família da vila, que as
cultivavam. Alem disso a côtada servia também de pastagem para
gado, tendo cada chefe de família o direito de aí manter determinadas
cabeças de gado vacum, ovelham, caprino e suíno. Em 1895 procedeu-se à
divisão definitiva desse terreno em courelas que ficaram propriedade dos
moradores-vizinhos, pagando fôro à Câmara Municipal. Esta divisão
trouxe, ao contrário do que muitos esperavam, graves prejuízos
económicos para as classes pobres, pois que hoje a coutada é propriedade
de número relativamente pequeno de indivíduos.
COVA FUNDA,
prisão, prisão pública.
/ 29 /
CRUNCHELI,
pequena planta silvestre e quase destituída de caule. Suponho ser de
origem castelhana.
CUBA, recipiente de madeira, de forma cilíndrica no qual se lança o mosto
proveniente da uva pisada para vinho.
CUCHARRO,
utensílio de cortiça, maior que o cocho, que serve, como este,
para extrair vinho dos potes. É de origem castelhana.
CUSPINHO,
cuspo. Emprega-se mais correntemente que cuspo. Quando se quer acirrar
um rapaz contra outro, ou até homens, falando-lhes à valentia até virem
às mãos e jogarem à pancada, diz-se-Ihe que não é capaz de pôr
cuspinho na orelha do outro. O alvejado, metendo-se em brios, faz o
possível para pôr o cuspinho na orelha do outro e a luta entre ambos
trava-se com gáudio dos circunstantes.
CUSTOIDA-BEIÇUDA,
expressão obscena só empregada entre homens para designar a parte mais
pudenda do corpo feminino. Representará Custoida o nome de
mulher, ou, por desrespeito, muito corrente nalguns pontos do Alentejo,
aludirá à custódia? Inclino-me para a segunda hipótese. |