As associações de Socorros Mútuos aglutinaram especificamente as classes
dos empregados do comércio e da indústria, compatíveis com um projecto
baseado na solidariedade, e as mais reforçadas exercem ainda a sua acção
benéfica. Sobreviveram a todos os assaltos da longa vida mutualista, não
obstante as dificuldades inerentes às funções que desempenham. Comecemos por abordar aspectos relevantes da
Associação dos Empregados
do Comércio e Indústria, com sede na Rua da Palma, sem desmerecer a
notável trajectória da sua congénere da Rua de
S. Cristóvão: falaremos, oportunamente, da sua
prestigiada acção assistencial.
Os pioneiros
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A associação da Rua da Palma recebeu o primeiro
impulso em 1853, reinava D. Maria II. Uns tantos idealistas, fascinados
pelo modelo mutualista de exemplar perseverança, encetaram conversas
ainda mal arrumadas e decidiram, entusiasticamente, formar a comissão
pioneira. O objectivo era legalizar os fundamentos de um organismo para
a defesa da classe comercial nos propósitos mais generosos: assistência
no desemprego, na doença, na inabilidade, no horário de trabalho e no
encerramento dos estabelecimentos ao Domingo. |
A Rainha D. Maria II
deu o primeiro impulso à Associação dos Empregados do Comércio e
Indústria, com sede na Rua da Palma. |
As diligências efectuadas tiveram uma repercussão retumbante. Daí a
antipatia do patronato pela inesperada iniciativa. Mas o grupinho
sentia-se coeso e / 19 /
«ligado» à inteligência, já possuído de noções decalcadas de
experimentações associativas que, nessa época, lutavam pela emancipação
das classes trabalhadoras. Precisavam, no entanto, de acalmar o
patronato atemorizado e recalcitrante. Para o efeito foram destacados
três caixeiros que, por sua vez, se dirigiam às lojas com exacerbadas
gerências e, com exemplar subtileza, divulgavam a bondade da proposta,
convidando patrões e chefes de serviço a aderirem ao movimento que,
dentro do espírito dos futuros estatutos, os não rejeitaria. Como
reforço, lembravam-lhes que, também eles, só tinham podido contar com a
assistência da Misericórdia de precários serviços de saúde. Estes argumentos conseguiram a moderação das hostilidades, que não
conduziu, todavia, à confiança sem vigilância. Mas lá ficou a mensagem
irrecusável: «independentemente das convicções individuais, a acção
também se destinava a apoiar diligências no sentido de debelar as
epidemias de cólera e de febre amarela que dizimavam, e não escolhiam
classes, quase todos os enfermos...» Os comissionados começaram por fixar uma quotização modesta; por isso
mesmo, não tardaram as aderências que reforçaram a esperança e a alegria
quase obsessiva. Foi o ponto de partida para a primeira reunião, com
aspectos tranquilizadores pela segurança de meios. A reunião teve lugar
na sede do «Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas», à
Rua do Poço dos Mouros, em 13 de Novembro de 1853. Aquela colectividade,
voltada para as ideias mutualistas, cedeu a sua sala para a novel
associação eleger a
«Mesa Provisória da Assembleia Geral». Ali foram
eleitos os caixeiros Alves Sampaio, Urbano Seixas e Francisco Rodrigues
e, na mesma sessão, a Assembleia decidiu proclamar os objectivos
fundamentais, entusiasticamente ratificados: – defender, em associação, princípios humanitários;
/ 20 /
– assistência médica aos associados; assistência aos
desempregados;
– instrução e descanso ao Domingo;
– respeito por horários de trabalho compatíveis;
– outros benefícios para a classe, regulamentados
pelos Estatutos. Ajudada pelo entusiasmo resultante dos primeiros
passos em favor de uma causa justa, a comissão (que
hoje se designaria por instaladora, em terminologia
analógica), dirigiu à Câmara Municipal uma exposição
baseada em dois pontos: o primeiro chamava a atenção
para a injustiça da licença de abertura dos estabelecimentos ao Domingo; o segundo ponto reclamava obras
para o Porto de Lisboa, cujos acessos se encontravam
em progressiva degradação. Entretanto, aceitando para o efeito as salas de organizações mutualistas, promoveram aulas de ensino médio e
prático, que muito valorizaram os conhecimentos
rudimentares dos aderentes. Consequentemente, o Socorro Mútuo ganhou forma
e desenvolvimento em diversos quadrantes da vida
profissional. Surgiu o almejado projecto do Estatuto,
expressivo nas directivas conjunturais mas incipiente na
forma jurídica e que, por essa razão, mereceu generalizados reparos. Foram votadas alterações que vieram
concretizar-se, por aprovação definitiva, em 5 de
Novembro de 1854. Na mesma sessão foram eleitos todos os Corpos
Gerentes, cuja funcionalidade provisória teve de ser
autenticada. Aqui se destacam os nomes dos presidentes
dos órgãos regulamentares: Assembleia – António
Serzedelo júnior; Direcção – Costa Viana. Neste contexto não encontramos referidos os membros designados para o Conselho Fiscal. Foram distinguidos como
fundadores 59 associados. Cuidadosamente, para aprovar
o quantitativo da quota mensal, outra Assembleia teve
lugar numa das salas do «Montepio Humanidade» e, sem / 21 /
votos contra, a quota foi fixada em 480 réis e a jóia em 3 mil réis, em
160 réis o preço do exemplar do estatuto.
As instalações
Por algum tempo, as direcções da associação reuniram em salas de diferentes colectividades mutualistas, porque no fim de
1854 apenas existia em caixa a quantia de 107.390 réis. As despesas foram
enormes, queixava-se um associado: 490 réis, para uma receita de
156.440. Mas, em 20 de Março de 1885, a associação pôde depositar na
Caixa Económica do Montepio Geral (organização mutualista a que nos
referiremos oportunamente) a quantia de 200 mil réis! D. Pedro V, que não escondia a sua afeição ao Mutualismo, recebeu, em
altura propícia, os responsáveis pela associação. Sugeriu o monarca
algumas alterações ao Estatuto para poder financiar, sem atropelos à
letra, a promissora e «peregrina» colectividade. Não decorreu muito
tempo sem que fossem adquiridas as primeiras instalações, na Rua de S.
Cristóvão, Nº 1, e, logo a seguir, o mobiliário modesto mas adequado. A
renda anual orçava em 43 200 réis. Voltaram as epidemias, que haviam sido atenuadas mas não extintas; não
paravam as inscrições de sócios que tornaram, a breve trecho, exíguas as
instalações. Impunha-se a mudança para espaços mais desafogados: os
serviços funcionaram na Rua dos Douradores, 72. Aumentava o rendimento
da quotização. Contudo, as despesas não permitiam, no fim de cada
exercício, saldos compensatórios. Só os dividendos de títulos da
Companhia de Fiação de Torres Novas, adquiridos em alturas mais felizes,
permitiram um confortável equilíbrio financeiro: 4 482 250 réis. /
22 /
Em Agosto de 1857 faleceu a Rainha D. Estefânia: a
Direcção fez-se representar no acompanhamento fúnebre,
como reconhecimento de ajudas devidas a D. Pedro V. Nesse mesmo ano o desemprego cresceu assustadoramente, empurrando os desempregados para África; as famílias pediam
insistentemente o Socorro Mútuo a que, por disposição estatutária,
tinham direito. Foi uma «sangria» nas disponibilidades. Muitos subsídios, ajudas de
custo e outros auxílios. Logo a seguir, o primeiro subsídio de inabilidade foi rigorosamente pago. A ajuda de mãos dadas com a fraternidade. Com
muito trabalho e boa colaboração, em 1860 foram, mais uma vez, revistos
os Estatutos, para que os Caixeiros da
Alfândega Grande pudessem participar nas iniciativas e
receber assistência regular. Por morte de D. Pedro V (1861), foi adquirido o
busto do benemérito e manifestamente amigo da
corrente mutualista. Sempre na vanguarda de iniciativas
edificantes, um seu delegado integrou a comissão do
«Centro Promotor de Melhoramentos das Classes
Laboriosas», no sentido da fundação de um Albergue
dos Inválidos do Trabalho (acção que conduziu à ideia
da que viria a ser, mais tarde, os Inválidos do
Comércio). Dez anos depois mereceram destaque os
esforços da ASMECI para que fossem abolidas novas
tabelas de tributação. Um certo peso de representatividade distinguia, em
1887, este movimento mutualista de assistência. A
operacionalidade administrativa já não se compadecia
com a estreiteza regulamentar dos Estatutos vigentes.
Foi pedida a colaboração de três vereadores da CML,
para ajudarem na revisão. Por serem nomes ilustres da
época, devem figurar nestas modestas referências: Rosa
Araújo, Simões de Almeida e Visconde de Carriche. / 24 /
As aulas Além de assistência na doença, no desemprego e na
inabilidade e outras acções de solidariedade, funcionou, desde 4 de
Outubro de 1858, o ensino polivalente de
«Instrução e Cultura Geral», cujos ensinamentos se efectuaram até 1892!
Muitos associados e respectivos descendentes beneficiaram desses estudos
práticos, conducentes ao ensino oficial médio e superior. Com as aulas
gastaram-se, em 35 anos, 12 171 réis. Cada vez menos acessível aos
projectos de valorização da instituição e dos associados, outra mudança
se impunha. Desta vez para a Rua d'El-Rei (actual Rua do Comércio). Ali,
foi instalada a sede, telefone e serviços diversos. Tal importância e
exemplos dimanavam da associação, que em 1909 o professor de Coimbra,
Doutor Lobo d'Ávila, seleccionou para a sua tese a ascensão da ASMECI («Socorros Mútuos e Socorros Sociais», Imprensa da Universidade,
Coimbra, 1909, pp. 425 e seguintes). A Cooperativa Caixa Económica Operária
– que, só por si, merece
destacadas referências em próximo trabalho – cedeu por diversas vezes o
seu grande salão para nele se realizarem as assembleias da ASMECI,
consciente do prestígio e da obra meritória patenteada. Ali se operaram
outras adaptações aos Estatutos. E os novos processos de assistência não
paravam de crescer, sempre actualizados na modernidade e no percurso
científico: cirurgias, terapias, um laboratório de análises clínicas
que, em pleno e com eficiência, se revelaria em
1953. / 25 /
A conquista da
autonomia A Associação de Socorros Mútuos dos Empregados
do Comércio e Indústria da Rua da Palma e a ASMECI
de S. Cristóvão idealizaram, em determinada altura, a
sua fusão, mas a falta de solidariedade institucional
inviabilizou esse plano. Entretanto, com o Rei D. Carlos a governar e a
divertir-se nas suas caçadas, surgiu, em 1890, o imperioso Ultimato inglês. A massa associativa manifestou-se
ruidosamente nas ruas e, com ela, arrastou a Direcção
contra o país usurpador. Mais ainda: o movimento
iniciado fez repercutir no seio de outras associações
mutualistas um veemente protesto público. Os governos desses anos cruciais não eram,
interiormente, receptivos a atitudes insurreccionais
(como se atreveram a declarar) e, daí, a lei sobre a
«regulamentação das associações», em prejuízo de
muitas prerrogativas. Mas esta lei não podia ficar sem
contestação e 25 colectividades mutualistas conjugaram
os seus esforços publicamente, exigindo a anulação da
lei, ou, pelo menos, a exclusão de algumas disposições
limitativas. E, logo em 1887, realizou-se outra
manifestação contra o Ministério Público. Na Rua dos Douradores, a ASMECI já não dispunha
de espaço para se expandir e a mudança foi, desta vez,
para a Rua dos Arneiros, com uma renda de 200 mil
réis. O cinquentenário, em 1904, foi comemorado na
Sociedade de Geografia, instituição amiga e incentivadora. Ali compareceram alguns maiores da propaganda
republicana, que usaram da palavra: Prof. Manuel de
Arriaga, Prof. Teófilo Braga, um representante do jornal "A Época", além de delegados de várias sociedades
mutualistas. A sessão foi encerrada pelo presidente da / 26 /
associação em festa e, logo a seguir, a audição do hino associativo,
executado pela «Tuna Comercial». Algumas condecorações estiveram
expostas, entre elas a Medalha da Ordem Militar da Torre Espada. Neste passo não deixaremos de referir a luta travada pela sobrevivência
durante os primeiros anos da Grande Guerra de 1914-18. AASMECI foi
obrigada a suprimir algumas regalias aos associados, temporariamente.
Estas disposições foram efectuadas em obediência a compromissos que, mal
cumpridos, poderiam prejudicar o crédito que nunca falhou. No Congresso
de 1916 foi aprovada uma moção (geral) vinculativa aos princípios. Efectivamente, a segurança do crédito e as economias acumuladas pelas
medidas já historiadas levaram os
directores a ambicionar «outros voos»: a compra de sede própria. Em
reserva encontravam-se 693 obrigações no valor de 60.734.515 réis,
religiosamente guardadas para o efeito. Em 15 de Janeiro desse ano
(1916), foi acautelada a compra do terreno que pertenceu ao «Paraíso de
Lisboa» e, em 1919, no rescaldo da Guerra, a obra estava pronta na Rua
da Palma, onde a associação funciona: (Nºs 225 a 243). Porventura, a
compra da sede pôde considerar-se um grande avanço, mas, por outro lado,
não secou aí a fonte de preocupações, sobretudo a complementaridade do
corpo clínico e dos respectivos instrumentos cirúrgicos, pessoal
auxiliar, de enfermagem, etc.. Providencialmente, o sócio benemérito
Silva Batalha doou à colectividade um prédio na Rua de S. Plácido,
fortalecendo o crédito já consolidado. Por Abril de 1920, 14 de Junho,
outra actualização estatutária exigida pelo aumento patrimonial e
outras disposições orgânicas. / 26 /
A pneumónica No ano de 1920 surgiu a grave epidemia. Não foi
possível salvar a vida dos 141 associados que
pereceram, sempre vigiados pela impotente assistência
médica, dividida por três zonas clínicas. Em cada zona assistiam 2
clínicos que, pelos esforços acrescidos, receberam ordenados
suplementares. Mas também os médicos internos foram remunerados. Dois anos apenas
haviam passado sobre outra epidemia: a varíola (1918),
debelada com vacinações gratuitas aos associados. As medidas que os progressos científicos projectam
nos países menos recuados chegavam tarde a Portugal e traziam consigo a
exigência de melhor apetrechamento
clínico e cirúrgico. Com o Professor Doutor Fernando
Cruz à frente de uma equipa nomeada para elaborar
estudos adequados de novas técnicas, foi possível definir
uma orientação eficaz. A Direcção teve de moderar os vencimentos dos
técnicos de saúde, decorrendo desta posição, aliás prolongada, a greve desencadeada pelos médicos mutualistas, em Julho. No entanto, a assistência aos casos de
maior gravidade não foi subestimada durante os três
meses de paralisação. O Governo de 1923 autorizou,
após o acordo entre a Associação e os técnicos de
saúde, um aumento de quotização face à reconhecida
preocupação pela crise associativa: mais 2$00 mensais
reforçaram a economia bastante desbastada. Os anos
que se seguiram obrigaram a contrair compromissos:
mais gabinetes, mais instrumentos médico-cirúrgicos,
mais pessoal e melhores serviços. Teixeira Gomes, Presidente da República, deslocou-se à Rua da Palma para inaugurar as melhorias introduzidas. Neste decurso, os estatutos e o regulamento
/ 27 /
interno sofreram novas actualizações. Havia melhorado, sem grande
exuberância, a economia da associação, todavia suficientemente sólida
para comemorar, em
1929, o 75º aniversário.
No relatório publicado posteriormente
acusava-se a fuga de muitos associados, apesar dos subsídios terem
aumentado, obrigando a um aumento de quota para 7$50, para compensar
outro aumento de subsídio de 40 por cento. Vencida a luta para a distinção de utilidade pública, a associação
voltou a ser condecorada em 5 de Outubro de 1924, com a Ordem Militar de
Cristo, pela sua «Acção Mutualista». Impunha-se adquirir o aparelho de
raios X, outro premente benefício que se concretizou. Por essa altura, a
associação recebeu a solidariedade da Policlínica da Estefânia, que
prestou aos sócios vantajosos serviços. As assembleias da associação
pautavam-se por morna assistência, mas não deixavam de ser benéficas
pelas intervenções de qualidade. Administrativamente, haviam sido proporcionados alguns melhoramentos que
não foram contestados e, numa sessão ordinária, os sócios sugeriam a
implantação de uma lutuosa, sem grande entusiasmo. Anote-se a
intervenção do respeitado mutualista Alexandre Ferreira («pai» dos
Inválidos do Comércio), no sentido de ser prestada assistência em
maternidades mutualistas a empregadas no comércio e suas famílias, como
associadas. Neste ano de 1929, a ASMECI contava
6 545 sócios. / 28 /
Vitórias em tempos
adversos O decreto 19 281 (29 de
Janeiro de 1931) obrigou
as associações mutualistas a remodelarem os seus
estatutos no âmbito das perspectivas corporativistas
nascentes, mas nem por isso a associação deixou de
praticar a solidariedade. Como ajuda imediata aos
Inválidos do Comércio (1931), foi cedida uma sala para
o refeitório dos empregados no comércio e na
indústria, que funcionou até 1933. Todavia, desde 1932, o
sócio internado pagava 22$50 pelo quarto e apenas 1 $00 pelos tratamentos. A imprensa da época destacava a ASMECI nos seus
noticiários e mesmo em artigos de pura (e possível) doutrinação
mutualista. Por exemplo, "O Século" patrocinou as actividades da Semana Mutualista, que utilizou,
para a sessão inaugural, uma sala da associação (1933). Os anos seguintes permitiram manter o prestígio tradicional da colectividade, mas também algumas travagens
ao seu desenvolvimento crescente.
Houve mesmo que contabilizar prejuízos que
acarretam mais um aumento de quotas para 10$00. Vocacionado para a distribuição de condecorações, o
general Carmona entregou em 1937, em sessão solene
a «Comenda da Ordem de Benemerência». Cada vez mais, os avanços da ciência médico-cirúrgica impunham renovações e, perante a realidade dos
grandes investimentos na especialidade, as direcções
confrontavam-se com insuficientes recursos. No entanto, geriam sujeitando-se à adopção de soluções de
circunstância, caso a caso, sob o lema «para crescimento
possível, desenvolvimento equilibrado», pois não havia sido
efectuado o acordo com a congénere de S. Cristóvão. Todavia, em 1944, os contratos com outras
/ 29 / entidades legalmente constituídas trouxeram mútuas vantagens aos utentes dos
serviços respectivos. Procurando actualizar-se, dentro dos seus
recursos, com a ciência que galvaniza o Mundo, a associação mantém um
razoável corpo clínico e cirúrgico, generalista e especialista e, se não
funcionam, ainda, todas as secções de tratamentos modernos, é certo que
funcionam quase todas as especialidades. A falta de espaços condiciona
muito os internamentos. Em 1946, a Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Comércio e
Indústria foi abalada não apenas por crises endógenas. Neste ano, no
«Diário do Governo» (Nº 267, 2ª série), publicava-se a portaria que
levaria à integração no plano de Previdência Social do Estado,
baseando-se essa disposição na Lei de 16 de Março de 1935. Se tivessem
sido aplicados os extensos considerandos, a associação deixaria de
existir («100 Anos de Mutualismo», Lisboa, 1954, pp. 60 e seguintes). Surpreendida, a Direcção elaborou uma exposição bem circunstanciada ao
presidente Salazar, cuja resposta surgiu em 30 de Novembro de 1946, com
publicação no
«Diário do Governo» (Nº 279 – 2ª série). Era subscrita pelo então
secretário de Estado das Corporações e Previdência Social, Dr. Júlio
Castro Fernandes, que suspendeu a fusão com o sistema geral. Mas não
deixou de nomear uma comissão administrativa constituída por 7 membros
dirigentes. Mereceu, esta comissão, a maior confiança dos associados e,
com efeito, cumpriu a defesa da instituição. Porém, outras exposições se
encadearam, reclamando ou solicitando mais interesses pela actividade
benemérita. De uma delas, a 30 de Abril de 1947 (pp. 68 a 75 do citado
livro), com perseverança e consciência de princípios, resultou a decisão
do Governo. / 30 / No «DG» de 15 de Novembro de 1949 autorizava-se a associação mutualista a voltar à normalidade
estatutária e administrativa. Nesta vitória, que acabou por não ser totalmente pírrica, distingue-se o
mutualista Homero Gabriel Sousa, que se esforçou em aturadas
diligências. Também Virgílio
da Fonseca foi um abnegado lutador, sem esquecermos
outros que. não sendo anónimos, tiveram actividades
menos expostas. Restituída à sua liberdade orgânica a
Direcção, as direcções futuras continuaram a sua obra
mutualista com o mínimo possível de limitações. As
metas apontavam sempre para a actualização da ciência
médica e cirúrgica. Foram renovados, actualizados ou
aumentados os serviços de consultas: doenças
pulmonares. coração, urologia, radioscopia, maternidade,
etc.. Os espaços e gabinetes foram aproveitados com
obras profundas e, logo em 1952-53 se criaram os
serviços de transfusões de sangue, foram adquiridos
utensílios cirúrgicos e para tratamentos enfermáticos. Acorreram muitos sócios pela garantia das novas
aquisições. Cifrava-se em 6 159 o número representativo
da população associada, enquanto o Fundo Social subia
para 26.165$20. Nestas datas presidia à Direcção o
mutualista Joaquim Mendes de Oliveira que, nessa
qualidade, atendendo à nova dinâmica obtida pela
campanha vitoriosa, realizou, em assembleia, outra
revisão dos Estatutos. A comissão revisora enquadrou o
escritor e político republicano Dr. Alfredo Guisado. As
alterações incidiram. principalmente, no subsídio de
doença, desemprego e ares de campo para tuberculosos
e leprosos. Com mais de 100 anos de existência, «senhora» de
um património excepcional, contava ainda com um
fundo social de 5 236 400$30. Nesta longa prática de / 31 /
vida mutualista passaram pelos Corpos Gerentes as figuras mais
representativas do nosso meio social, idealistas de várias concepções
emancipadoras (vejam-se citações divulgadas nas comemorações do
centenário, págs. 101 a 111). Efectivamente, na data em que apresentamos este modesto trabalho, a
associação conta 142 anos de existência. Se, em épocas mais recuadas,
sem a velocidade que o aperfeiçoamento científico proporcionou aos
nossos dias, foi possível realizar a obra que aí está, não queremos
evitar louvores aos responsáveis pelas gerências. Elas sempre foram
graciosas, quantas vezes amarguradas pelas circunstâncias, sacrificando
interesses materiais e profissionais em proveito da colectividade.
A actualidade
Todavia, os tempos são outros e os condicionalismos tantos, que o
mutualismo integral deixou de abeberar, em plenitude, as suas ancestrais
raízes. Conservam-se alguns princípios, mantêm-se algumas regalias mas
(inevitavelmente) sacrificou-se o espírito à rotina de sobrevivência
comparativa. Actualmente, as associações mutualistas permanecem
estáticas e quase sempre suportando a orientação ideal de quem as
dirige. No caso concreto das associações de Socorros Mútuos, prevalece a
assistência, com a vantajosa colaboração da Previdência oficial, por
acordo. Os associados beneficiários da assistência directa das «caixas»
preferem utilizar a associação, pelas instalações, pelos serviços e pela
confiança tradicional dos técnicos de saúde, não obstante o preço das
consultas. / 32 / Na Associação da Rua da Palma (como preferem
chamar-lhe) ainda vigoram três rubricas importantes:
● assistência médico-cirúrgica de quase todas as
especialidades, incluindo a clínica dentária;
● subsidio por morte do associado;
● subsídio de funeral. Outros subsídios (excepcionais) foram definidos em
Assembleia Geral, de acordo com os Estatutos
aprovados em 2 de Junho de 1975, por alvará. Os
distritos de Santarém e Setúbal são abrangidos pela
acção assistencial. Para além das duas associações de maior relevância
especializadas (da Rua da Palma e da Rua de S.
Cristóvão), existem outras instituições muito antigas
que citamos adrede: a «Mútua dos Pescadores», diversas
caixas de Socorro Mútuo que funcionaram (não
sabemos se ainda funcionam) integradas ou consentidas pelas empresas. No
Porto funcionam, pelo menos, alguns
princípios de Mutualismo, onde a definição foi muito
forte e duradoura. Nalgumas capitais de distrito, certamente de modo
irregular, persistem os nomes de outras. A ideia de que
o Mutualismo está ultrapassado, quanto a nós, é errada.
O Mutualismo apresenta, nestes tempos difíceis que
nunca foram fáceis, virtudes desperdiçadas. Útil será falar, ainda do Mutualismo bancário (se é
legítima esta qualificação). São conhecidas duas importantes instituições: o «Montepio Comercial e Industrial»
e o «Montepio Geral», instituições muito antigas.
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Fontes: Arquivo ou fichas próprias,
conhecimentos avulsos. Estatutos, documentação do aniversário da ASMECI
- 100 anos em 1954. |