Acesso à hierarquia superior.

Domingos Carvalho, Mutualismo. A força do associativismo democrático., Cadernos CA, N.º 3, 1ª ed., Lisboa, Casa do Alentejo, 1998, 40 pp.


Prólogo

O êxito entusiasticamente granjeado pelo lançamento dos «Cadernos CA» estimulou, ainda mais, a dinâmica cultural que revigora as intenções da Direcção da Casa do Alentejo. Ela própria me incentivou a prevenir o conteúdo deste opúsculo, em breves considerações sobre a temática que enforma o Número 3 da série programada.

Não existindo dúvidas quanto à insuficiência do espaço concedido, não posso, nem desejo, louvar-me pela escolha: não sou propriamente oriundo da Academia; nem tão-pouco sustento outro mérito que não seja o vulgar cometimento de um qualquer obstinado: curioso do associativismo e da literatura que, em abrangente terminologia, o define. Porém, convicto das responsabilidades contraídas com a publicação de textos alusivos na «Revista Alentejana», aqui estou subscrevendo mais um exemplar dos referidos e promissores Cadernos.

 

Uma ideia com sete séculos


A ideia mutualista foi localizada e concebida pelos primeiros mentores há mais de sete séculos: 700 anos de um porfiado percurso emancipador. Todavia, o galopar da escalada capitalista tem ofuscado e recalcado inexoravelmente as generosas contribuições para uma comunidade racional e equitativa, tendo em conta os «elementos produtivos» para a concretização das mais-valias e para um sistema humanizado de distribuição das riquezas.

Com débeis e superficiais raízes abeberadas na espontaneidade da Antiguidade Clássica, o Mutualismo inspirou, ao longo dos séculos, as mais diversas acções de carácter religioso, laico e cristão. Muito esperançoso, só logrou implantar-se, verdadeiramente, nos fins do século XVIII e no decorrer do século XIX. O povo, em geral, e particularmente o povo trabalhador, suportavam as crises cíclicas com a ajuda relativamente minguada / 6 / das associações mutualistas, as quais foram, mais tarde, reconhecidas pelos governos como instituições de extraordinária utilidade previdencial e providencial.

Não me permite o espaço recomendado, neste intervalo, desenvolver as linhas, nem sempre consistentes, percorridas pelas associações mutualistas em todo o País. Ainda se mexem, reforçando a nossa memória, algumas instituições; ou suportando uma escassa actividade, ou exercendo-se por formas ambíguas, visando uma sobrevivência cheia de atribulados pressentimentos. A juventude está sendo solicitada pelo desenfreado ambiente consumista, que se propõe apagar o impulso fraternal (que uniu os explorados) e procura, também ela, as diversões mais alienantes, cegamente distraída das consequências supervenientes.

Felizmente, ainda há quem se oriente por trilhos diferentes para chegar aos caminhos necessários.

Mas, caros leitores: o que poderei eu acrescentar a essas publicações monumentais (e sem dúvida completas) editadas pelo Montepio Geral? Trata-se, efectivamente, de «O Mutualismo em Portugal» e «Montepio Geral, 150 Anos de História  – 1840/1990».

O seu autor, Dr. Vasco Rosendo, produziu um trabalho excepcional. Insuficientemente divulgado, merecia chegar às mãos de quem ainda se delicia com leituras e lições desta e de outras temáticas... Melhor ainda se fosse entendido pela indiferença funcional de outros que vivem «horrorizados» na presença dos livros.

Com efeito, as vantagens do Mutualismo (de idos tempos) passaram das diligências empiricamente idealistas às realidades científicas e atingiram o seu apogeu, não só com a doutrinação económica conferida, mas também com oportunas e conscientes acções reivindicativas.

No início do século XX, a Primeira República conservou as associações existentes, mas não se pode afirmar que tivesse protegido, seriamente, um desenvolvimento progressivo. Após a ditadura de 1926 e seguintes anos, conservada pelo chamado Estado Novo, / 7 / delapidador da liberdade, as colectividades foram forçadas a bastar-se, precariamente, a si próprias: sem subsídios e «vergastadas» pela hostilidade do Governo, poucas chegaram aos nossos dias, como já referi. a maior exemplo de vivência próspera fundamenta-se no desenvolvimento extraordinário do Montepio Geral. Utilizando normas alternativas de gestão e sustentando (malgré tout) a fidelidade estatutária, recorrendo e acompanhando mercados sem menoscabo dos objectivos fundamentais, a obra aí se manifesta em toda a sua plenitude institucional. Incorporou, o ano passado, outro grande baluarte do Mutualismo, em uma das suas vertentes funcionais. Referimo-nos, propositadamente, ao Montepio Comercial e Industrial situado na Rua Augusta, hoje afiliado do Montepio Geral.

Não desejaria eu terminar esta introdução amortizando, apenas, o remorso de ter de omitir merecidas referências a outras associações, cuja divisa se conjuga com a designação de «ajuda-me que eu te ajudarei». Quero referir-me, respeitosamente, ao trabalho de pesquisa sobre a antiguidade e a actividade das Confrarias «Uma pré-história do Mutualismo no Alentejo»). Foi ele publicado no "Correio Mutualista", órgão da União das Mutualidades Portuguesas (Nº 1, 2ª série, Janeiro de 1997). A autora, prof.ª D. Maria José P. Ferro Tavares (docente da Universidade Nova), ocupou-se profunda e brilhantemente do papel das Confrarias, contemporâneas dos pioneiros do Mutualismo. Porém, enquanto as Confrarias se identificavam no propósito do auxílio por caridade, salvo o erro, designação que perdurou, o Mutualismo perfilhou, a partir da Revolução Liberal de 1820, a palavra solidariedade como paradigma de coesão em todos os seus actos.

Domingos Carvalho

Página anteriorInício da página.Página seguinte