O êxito entusiasticamente granjeado pelo
lançamento dos «Cadernos CA» estimulou, ainda mais, a dinâmica cultural
que revigora as intenções da Direcção da Casa do Alentejo. Ela própria
me incentivou a prevenir o conteúdo deste opúsculo, em breves
considerações sobre a temática que enforma o Número 3 da série
programada.
Não existindo dúvidas quanto à insuficiência
do espaço concedido, não posso, nem desejo, louvar-me pela escolha: não
sou propriamente oriundo da Academia; nem tão-pouco sustento outro
mérito que não seja o vulgar cometimento de um qualquer obstinado:
curioso do associativismo e da literatura que, em abrangente
terminologia, o define. Porém, convicto das responsabilidades contraídas
com a publicação de textos alusivos na «Revista Alentejana», aqui estou
subscrevendo mais um exemplar dos referidos e promissores Cadernos.
Uma ideia com sete séculos
A ideia mutualista foi localizada e concebida pelos primeiros mentores
há mais de sete séculos: 700 anos de um porfiado percurso emancipador.
Todavia, o galopar da escalada capitalista tem ofuscado e recalcado
inexoravelmente as generosas contribuições para uma comunidade racional
e equitativa, tendo em conta os «elementos produtivos» para a
concretização das mais-valias e para um sistema humanizado de
distribuição das riquezas.
Com débeis e superficiais raízes abeberadas
na espontaneidade da Antiguidade Clássica, o Mutualismo inspirou, ao
longo dos séculos, as mais diversas acções de carácter religioso, laico
e cristão. Muito esperançoso, só logrou implantar-se, verdadeiramente,
nos fins do século XVIII e no decorrer do século XIX. O povo, em geral,
e particularmente o povo trabalhador, suportavam as crises cíclicas com
a ajuda relativamente minguada / 6 / das associações mutualistas, as
quais foram, mais tarde, reconhecidas pelos governos como instituições
de extraordinária utilidade previdencial e providencial.
Não me permite o espaço recomendado, neste
intervalo, desenvolver as linhas, nem sempre consistentes, percorridas
pelas associações mutualistas em todo o País. Ainda se mexem, reforçando
a nossa memória, algumas instituições; ou suportando uma escassa
actividade, ou exercendo-se por formas ambíguas, visando uma
sobrevivência cheia de atribulados pressentimentos. A juventude está
sendo solicitada pelo desenfreado ambiente consumista, que se propõe
apagar o impulso fraternal (que uniu os explorados) e procura, também
ela, as diversões mais alienantes, cegamente distraída das consequências
supervenientes.
Felizmente, ainda há quem se oriente por
trilhos diferentes para chegar aos caminhos necessários.
Mas, caros leitores: o que poderei eu
acrescentar a essas publicações monumentais (e sem dúvida completas)
editadas pelo Montepio Geral? Trata-se, efectivamente, de «O
Mutualismo em Portugal» e «Montepio Geral, 150 Anos de História
– 1840/1990».
O seu autor, Dr. Vasco Rosendo, produziu um
trabalho excepcional. Insuficientemente divulgado, merecia chegar às
mãos de quem ainda se delicia com leituras e lições desta e de outras
temáticas... Melhor ainda se fosse entendido pela indiferença funcional
de outros que vivem «horrorizados» na presença dos livros.
Com efeito, as vantagens do Mutualismo (de
idos tempos) passaram das diligências empiricamente idealistas às
realidades científicas e atingiram o seu apogeu, não só com a
doutrinação económica conferida, mas também com oportunas e conscientes
acções reivindicativas.
No início do século XX, a Primeira República
conservou as associações existentes, mas não se pode afirmar que tivesse
protegido, seriamente, um desenvolvimento progressivo. Após a ditadura
de 1926 e seguintes anos, conservada pelo chamado Estado Novo, / 7 /
delapidador da liberdade, as colectividades foram forçadas a bastar-se,
precariamente, a si próprias: sem subsídios e «vergastadas» pela
hostilidade do Governo, poucas chegaram aos nossos dias, como já referi.
a maior exemplo de vivência próspera fundamenta-se no desenvolvimento
extraordinário do Montepio Geral. Utilizando normas alternativas de
gestão e sustentando (malgré tout) a fidelidade estatutária,
recorrendo e acompanhando mercados sem menoscabo dos objectivos
fundamentais, a obra aí se manifesta em toda a sua plenitude
institucional. Incorporou, o ano passado, outro grande baluarte do
Mutualismo, em uma das suas vertentes funcionais. Referimo-nos,
propositadamente, ao Montepio Comercial e Industrial situado na Rua
Augusta, hoje afiliado do Montepio Geral.
Não desejaria eu terminar esta introdução
amortizando, apenas, o remorso de ter de omitir merecidas referências a
outras associações, cuja divisa se conjuga com a designação de «ajuda-me
que eu te ajudarei». Quero referir-me, respeitosamente, ao trabalho de
pesquisa sobre a antiguidade e a actividade das Confrarias «Uma
pré-história do Mutualismo no Alentejo»). Foi ele publicado no
"Correio Mutualista", órgão da União das Mutualidades Portuguesas (Nº 1,
2ª série, Janeiro de 1997). A autora, prof.ª D. Maria José P. Ferro
Tavares (docente da Universidade Nova), ocupou-se profunda e
brilhantemente do papel das Confrarias, contemporâneas dos pioneiros do
Mutualismo. Porém, enquanto as Confrarias se identificavam no propósito
do auxílio por caridade, salvo o erro, designação que perdurou, o
Mutualismo perfilhou, a partir da Revolução Liberal de 1820, a palavra
solidariedade como paradigma de coesão em todos os seus actos.
Domingos Carvalho
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