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COELHO, Arq. Guilherme Alves - Casa do Alentejo "Palácio Alverca", Cadernos CA, N.º 1, 3ª ed.,Lisboa, Casa do Alentejo, 2002, 36 pp.


Alguns Elementos sobre a História do "Palácio Alverca" Casa do Alentejo

 

Construído possivelmente nos finais do século XVII, o edifício onde hoje se encontra instalada a Casa do Alentejo sofreu profundas modificações no princípio do século XX.

Da sua história mais antiga pouco se sabe. Apenas que pertencia a uma família aristocrática – os Paes de Amaral (Viscondes de Alverca) – de quem adoptou o nome de Palácio Paes de Amaral ou Palácio Alverca, cuja propriedade vem até aos nossos dias.

Construído "extra-muros", contíguo às Portas de Santo Antão, que faziam parte da "Cerca Fernandina" (1373), é das suas muralhas que se aproveita para empenas Sul e Nascente.

No sítio onde lança as fundações, existira antes, nos meados do séc. XV um curral de porcos. Depois, instalou-se aí um matadouro "onde se matava o gado vacum"; em seguida, uma fábrica de curtumes e, finalmente, seria o local onde se "depositavam animais de carga que fossem encontrados nas ruas". É deste "chão" que se irá apropriar, em 1919, o "Magestic Club", um dos primeiros casinos de Lisboa. O olisipógrafo Luís Pastor de Macedo refere-se ao facto desta maneira: «Quem pensaria então, naquelas noites lilases ou azuis, com trajes rosa ou verdes, que ali, no mesmo sítio, também já tinham chafurdado porcos!».

/ p. 8 / Em tempos já mais recentes aí funcionou um liceu, talvez o primeiro de Lisboa e, na altura da sua adaptação a casino, nele se encontrava instalada "A Liquidadora", armazém de mobiliário e objectos de arte. Por motivos que desconhecemos, o "Magestic" adopta mais tarde o nome de "Monumental Club" que, já sem as suas luxuosas salas de jogo, se mantém até 1928.

Em 1932 é arrendado ao "Grémio Alentejano", posteriormente "Casa do Alentejo", que recentemente adquiriu o imóvel aos proprietários descendentes dos fundadores.

O projecto de alterações (ou "apropriações" no dizer do autor) dera entrada na Câmara em 1917, e trazia a assinatura do Arquitecto António Rodrigues da Silva Júnior, um dos mais prestigiados da época. A sua inauguração seria em 1919. Obra notável de qualidade e rapidez ainda para os nossos dias, esta adaptação foi um trabalho gigantesco. Ela mobiliza, sob a direcção do Arq. Silva Júnior, nada menos que três construtores, que se constituíram expressamente para o efeito em Sociedade Construtora, bem como dezenas de artistas e artesãos. Silva Júnior, obtidas todas as facilidades por parte da Direcção do "Club", faz-se rodear dos principais artistas da época, quer na pintura quer na azulejaria, como Júlio Silva, Benvindo Ceia, Domingos Costa, José Ferreira Bazalisa e o grande mestre do azulejo Jorge Colaço. Juntamente com mais de uma dezena de subempreiteiros dá início à obra.

Foto 1 - Fachada principal.
FOTO 1 - Fachada principal.

/ p. 9 / É pelas fachadas (foto 1) que ainda podemos fazer uma ideia do que seria a primitiva construção, pois foram os elementos que sofreram menos alterações. Embora se desconheça qual a sua composição inicial, é natural que apenas se tenham produzido modificações nos 2 primeiros pisos – as actuais lojas do rés-do-chão, as sobrelojas e a entrada principal.

Na cornija da fachada principal, sobre a janela central, encontra-se ainda o brazão de armas esquartelado dos primeiros proprietários, Miguel Paes do Amaral e Menezes Quifel Barbarino: " /.../ "ao primeiro Paes; ao segundo Amaral; ao terceiro Almeida; ao quarto Barberini. "/.../"

A antiga entrada seria pela Travessa de S. Luís que, passando sob o edifício, desembocaria num pátio / p. 10 / ao ar livre, para onde dariam as cavalariças (actual "Pátio Árabe").

Foto 2 - Escadaria da entrada principal.
FOTO 2 - Escadaria da entrada principal.

Provavelmente não haveria qualquer entrada na Rua das Portas de St.º Antão, pois que a actual foi construída em 1917, como entrada principal do Casino. Considerando o aparato dos seus interiores, ela é bastante discreta. Apesar disso, nela ainda esteve projectado um elevador, para evitar aos frequentadores do Casino a penosa escadaria que leva da entrada ao Pátio Árabe. (Foto 2) Este projecto foi abandonado e optou-se por "uma escadaria de mármore, para a construção da qual foi preciso fazer um grande desaterro e demolir uma parede antiquíssima, de rija alvenaria com cinco metros de espessura." Esta "parede" era obviamente parte da muralha Fernandina, possivelmente um dos cubelos das Portas de Santo Antão, que mediam 5x5 m.

Envolvendo o Palácio e servindo-lhe da empena Sul e Nascente, existem 2 troços da Muralha Fernandina, ainda visíveis, possuindo o troço sul uma escadaria e respectiva passagem. No topo Norte do troço nascente, teria existido uma torre que possivelmente constitui uma parede da actual sala dos azulejos (séc. XVII e XVIII).

No ângulo formado pelos dois troços da Muralha ainda hoje existe uma cisterna de água.

Entrando pela porta principal na Rua das Portas de Santo Antão, iniciemos a visita ao interior.


FOTO 3 - Pátio árabe.

Ao cimo das escadas e transposta uma "porta / p. 11 / árabe com vitrais, aberta por um criado irrepreensivelmente fardado, vêm-nos à mente as visões fantásticas das mil e uma noites e entra-se no pátio central, com tal profusão de elementos decorativos, que logo o classificamos no estilo árabe puro Hispânico". (Foto 3).

Era assim que a "Arquitectura Portuguesa" no dia da inauguração descrevia o pátio que ainda hoje constitui uma surpresa para quem o visita pela primeira vez.

No local onde antes existiam arcos abatidos em pedra, apareciam agora arcos ogivais com caneluras em estuque, apoiados em colunas também elas em estuque / p. 12 / armoreado ou escaiola, de tal perfeição, que só o olhar atento não confunde com o verdadeiro mármore.

Toda a restante decoração é em estuque e, na sua pintura, embora esbatida pelo tempo, ainda é possível em alguns pontos distinguir pelo menos sete diferentes tonalidades.

O mobiliário usado neste Grande Hall, em harmonia perfeita com o ambiente, é em madeira e couro impresso e pintado.

FOTO 4 - Escultura em mármore e lambrins corda-seca.

De referir aqui o cuidado, que aliás se repete pelos outros espaços, de modo que todo o mobiliário estivesse rigorosamente de acordo com a decoração.

No local onde teriam existido cavalariças ou dependências de apoio, surgem agora uma luxuosa "toilette de senhoras" no estilo "Luís XV" e uma barbearia e cabeleireiro (actual sala de leitura), com pinturas de José Ferreira Bazalisa.

Ainda neste piso, onde se encontram hoje os serviços administrativos, existe uma série de pequenas salas, na época chamadas "privados", algumas das quais com decoração e mobiliário "art nouveau".

FOTO 4 - Escultura em mármore e lambrins corda-seca.

Para acesso ao piso superior, utilizando possivelmente uma escadaria já existente no Palácio, Silva Júnior, com grande imaginação, recria um ambiente de "deslumbrante efeito e rigorosa estilização oriental". Dispondo de um espaço exíguo, rompe totalmente uma parede exterior, suporta o amplo vão com duas grandes colunas de escaiola verde e projecta para cima de um pátio interior um largo patamar, no qual / p. 13 / abre três grandes janelões com vitrais. Aí se expõe mobiliário no "estilo árabe" com incrustações de madrepérola. Nos lambrins, inscrições também em árabe e azulejos tipo corda-seca hispano-árabe. (Foto 4)

FOTO 5 - Hall do 2º andar.
FOTO 5 - Hall do 2º andar.

O Hall do 2° andar (Foto 5) constitui de novo uma surpresa. Abandona-se subitamente o "árabe" e passa-se a um neo-dórico nos capitéis das colunas e nas paredes, decoradas com medalhões representando cabeças femininas. É seu autor o pintor Júlio Silva.

Na época da inauguração existia neste hall uma peanha em escaiola com incrustações a bronze, da autoria do próprio Silva Júnior.

À esquerda deste hall, passamos para o salão de maiores dimensões de toda a Casa: o Salão / p. 15 / Restaurante ou "Luís XVI ". (Foto 6)

É resultado de demolição de vários compartimentos e de uma escada de serviço, do interior do palácio. O engenho de Silva Júnior mais uma vez se evidencia, perante a necessidade de obter o efeito dos amplos janelões rocócó, não alterando os vãos das janelas exteriores. E isso consegue-o à custa de uma série de duplas portas envidraçadas que escondem as exteriores, intercalando com uma profusa distribuição de espelhos e motivos decorativos.

FOTO 6 - Salão restaurante.
FOTO 6 - Salão restaurante.

No tecto, ao centro do salão, um grande fresco de Benvindo Ceia, que também assina toda a pintura decorativa do mesmo.

Num dos extremos e separando este salão da sala de jogo, encontra-se o palco, ladeado por figuras / p. 16 / alegóricas, da autoria do escultor José Isidoro Neto. Este palco não tinha nesta data a posição que tem hoje, encontrando-se sobrelevado. Tem a particularidade de permitir a abertura para os dois salões. Uma tela de Júlio Silva ainda se mantém no pequeno hall de acesso ao bar, no lado da fachada principal.

Ultrapassando este palco, entramos então no "Salão de Jogos", menor que o anterior, decorado com motivos relacionados com o jogo, pois nele se situava o "coração" do casino: a roleta e os outros jogos clássicos. "Em estilo livre, uma neo-renascença (...) que procura emancipar-se de fórmulas, convenções e preceitos de outros tempos". Toda a pintura a óleo, incluindo o tecto que representa "A Fortuna", é da autoria de outro pintor da época, Domingos Costa.

FOTO 7 - Painel de azulejo: "sala de espera".

As salas do lado direito do haIl constituem agora novo motivo de surpresa. Silva Júnior abandona os "estilos" com que procura acentuar a grandiosidade dos salões anteriores e opta pela austeridade dos "estilos medieval e gótico". Transposto um guarda-vento em nogueira, que a separava do haIl, passava-se a uma sala de leitura ou de espera, sobre cujos lambrins, também em nogueira, vemos um friso de azulejos da autoria de Jorge Colaço ilustrando cantos dos Lusíadas. (Foto 7)

FOTO 7 - Painel de azulejo: "sala de espera".

FOTO 8 - Painel de azulejo: "Hall da Sala de Leitura".
FOTO 8 - Painel de azulejo: "Hall da sala de leitura".

Contígua a esta sala e rasgando janelas para o "Pátio Árabe" existia então a "Sala de Bridge" e "outros jogos de vaza", também com azulejos do mesmo autor. Representando motivos da feira de Stª Eulália, / p. 18 / é um painel notável, de inspiração naturalista. Sem dúvida um dos mais bem conseguidos do grande mestre do azulejo. Os candeeiros e restante mobiliário desta sala foram expressamente desenhados pelo Arq. Guilherme Rebelo de Andrade.

Ao lado desta sala existe outra, decorada com azulejos dos sécs. XVII e XVIII, que terá sido um pequeno pátio descoberto até aos anos 40.

No hall contíguo à "Sala de Leitura", podemos ver azulejos "arte nova", com motivos de cartas de jogar, possível mente também da autoria de Jorge Colaço. (Foto 8)

FOTO 9 - Painel de azulejo: "Sala de Bilhar".
FOTO 9 - Painel de azulejo: "Sala de Bilhar".

Este hall dava acesso aos sanitários dos homens, à / p. 19 / então "Sala de Bilhar" e ainda a outra saleta. (Foto 9) Nesta "Sala de Bilhar", decorada em "estilo medieval", o mesmo autor retrata-nos agora cenas de caça, uma tourada, etc., em que utiliza a mesma técnica de impressão já usada nos anteriores painéis.

Guilherme Alves Coelho

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