Construído possivelmente nos finais do
século XVII, o edifício onde hoje se encontra instalada a Casa do
Alentejo sofreu profundas modificações no princípio do século XX.
Da sua história mais antiga pouco se
sabe. Apenas que pertencia a uma família aristocrática – os Paes de
Amaral (Viscondes de Alverca) – de quem adoptou o nome de Palácio Paes
de Amaral ou Palácio Alverca, cuja propriedade vem até aos nossos dias.
Construído "extra-muros", contíguo às
Portas de Santo Antão, que faziam parte da "Cerca Fernandina" (1373), é
das suas muralhas que se aproveita para empenas Sul e Nascente.
No sítio onde lança as fundações,
existira antes, nos meados do séc. XV um curral de porcos. Depois,
instalou-se aí um matadouro "onde se matava o gado vacum"; em seguida,
uma fábrica de curtumes e, finalmente, seria o local onde se
"depositavam animais de carga que fossem encontrados nas ruas". É deste
"chão" que se irá apropriar, em 1919, o "Magestic Club", um dos
primeiros casinos de Lisboa. O olisipógrafo Luís Pastor de Macedo
refere-se ao facto desta maneira: «Quem pensaria então, naquelas noites
lilases ou azuis, com trajes rosa ou verdes, que ali, no mesmo sítio,
também já tinham chafurdado porcos!».
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Em tempos já mais recentes aí
funcionou um liceu, talvez o primeiro de Lisboa e, na altura da sua
adaptação a casino, nele se encontrava instalada "A Liquidadora",
armazém de mobiliário e objectos de arte. Por motivos que desconhecemos,
o "Magestic" adopta mais tarde o nome de "Monumental Club" que, já sem
as suas luxuosas salas de jogo, se mantém até 1928.
Em 1932 é arrendado ao "Grémio
Alentejano", posteriormente "Casa do Alentejo", que recentemente
adquiriu o imóvel aos proprietários descendentes dos fundadores.
O projecto de alterações (ou
"apropriações" no dizer do autor) dera entrada na Câmara em 1917, e
trazia a assinatura do Arquitecto António Rodrigues da Silva Júnior, um
dos mais prestigiados da época. A sua inauguração seria em 1919. Obra
notável de qualidade e rapidez ainda para os nossos dias, esta adaptação
foi um trabalho gigantesco. Ela mobiliza, sob a direcção do Arq. Silva
Júnior, nada menos que três construtores, que se constituíram
expressamente para o efeito em Sociedade Construtora, bem como dezenas
de artistas e artesãos. Silva Júnior, obtidas todas as facilidades por
parte da Direcção do "Club", faz-se rodear dos principais artistas da
época, quer na pintura quer na azulejaria, como Júlio Silva, Benvindo
Ceia, Domingos Costa, José Ferreira Bazalisa e o grande mestre do
azulejo Jorge Colaço. Juntamente com mais de uma dezena de
subempreiteiros dá início à obra.
FOTO 1 - Fachada principal.
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É pelas fachadas (foto 1) que ainda podemos fazer uma ideia do que seria
a primitiva construção, pois foram os elementos que sofreram menos
alterações. Embora se desconheça qual a sua composição inicial, é
natural que apenas se tenham produzido modificações nos 2 primeiros
pisos – as actuais lojas do rés-do-chão, as sobrelojas e a entrada
principal.
Na cornija da fachada principal, sobre a
janela central, encontra-se ainda o brazão de armas esquartelado dos
primeiros proprietários, Miguel Paes do Amaral e Menezes Quifel
Barbarino: " /.../ "ao primeiro Paes; ao segundo Amaral; ao terceiro
Almeida; ao quarto Barberini. "/.../"
A antiga entrada seria pela Travessa de S. Luís
que, passando sob o edifício, desembocaria num pátio
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ao ar livre, para onde dariam as cavalariças (actual "Pátio Árabe").
FOTO 2 - Escadaria da entrada principal.
Provavelmente não haveria qualquer
entrada na Rua das Portas de St.º Antão, pois que a actual foi
construída em 1917, como entrada principal do Casino. Considerando o
aparato dos seus interiores, ela é bastante discreta. Apesar disso, nela
ainda esteve projectado um elevador, para evitar aos frequentadores do
Casino a penosa escadaria que leva da entrada ao Pátio Árabe. (Foto 2)
Este projecto foi abandonado e optou-se por "uma escadaria de mármore,
para a construção da qual foi preciso fazer um grande desaterro e
demolir uma parede antiquíssima, de rija alvenaria com cinco metros de
espessura." Esta "parede" era obviamente parte da muralha Fernandina,
possivelmente um dos cubelos das Portas de Santo Antão, que mediam 5x5 m.
Envolvendo o Palácio e servindo-lhe da
empena Sul e Nascente, existem 2 troços da Muralha Fernandina, ainda
visíveis, possuindo o troço sul uma escadaria e respectiva passagem. No
topo Norte do troço nascente, teria existido uma torre que possivelmente
constitui uma parede da actual sala dos azulejos (séc. XVII e XVIII).
No ângulo formado pelos dois troços da
Muralha ainda hoje existe uma cisterna de água.
Entrando pela porta principal na Rua das
Portas de Santo Antão, iniciemos a visita ao interior.
FOTO 3 - Pátio árabe.
Ao cimo das escadas e transposta uma "porta
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árabe com vitrais, aberta por um criado irrepreensivelmente fardado,
vêm-nos à mente as visões fantásticas das mil e uma noites e entra-se no
pátio central, com tal profusão de elementos decorativos, que logo o
classificamos no estilo árabe puro Hispânico". (Foto 3).
Era assim que a "Arquitectura
Portuguesa" no dia da inauguração descrevia o pátio que ainda hoje
constitui uma surpresa para quem o visita pela primeira vez.
No local onde antes existiam arcos
abatidos em pedra, apareciam agora arcos ogivais com caneluras em
estuque, apoiados em colunas também elas em estuque
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armoreado
ou escaiola, de tal perfeição, que só o olhar atento não confunde com o
verdadeiro mármore.
Toda a restante decoração é em estuque
e, na sua pintura, embora esbatida pelo tempo, ainda é possível em
alguns pontos distinguir pelo menos sete diferentes tonalidades.
O mobiliário usado neste Grande Hall, em
harmonia perfeita com o ambiente, é em madeira e couro impresso e
pintado.
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De referir aqui o cuidado, que aliás se
repete pelos outros espaços, de modo que todo o mobiliário estivesse
rigorosamente de acordo com a decoração.
No local onde teriam existido
cavalariças ou dependências de apoio, surgem agora uma luxuosa "toilette
de senhoras" no estilo "Luís XV" e uma barbearia e cabeleireiro (actual
sala de leitura), com pinturas de José Ferreira Bazalisa.
Ainda neste piso, onde se encontram hoje
os serviços administrativos, existe uma série de pequenas salas, na
época chamadas "privados", algumas das quais com decoração e mobiliário
"art nouveau".
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FOTO 4 - Escultura em
mármore e lambrins corda-seca. |
Para acesso ao piso superior, utilizando
possivelmente uma escadaria já existente no Palácio, Silva Júnior, com
grande imaginação, recria um ambiente de "deslumbrante efeito e rigorosa
estilização oriental". Dispondo de um espaço exíguo, rompe totalmente
uma parede exterior, suporta o amplo vão com duas grandes colunas de
escaiola verde e projecta para cima de um pátio interior um largo
patamar, no qual
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abre três grandes janelões com vitrais. Aí se
expõe mobiliário no "estilo árabe" com incrustações de madrepérola. Nos
lambrins, inscrições também em árabe e azulejos tipo corda-seca
hispano-árabe. (Foto 4)
FOTO 5 - Hall do 2º andar.
O Hall do 2° andar (Foto 5) constitui de
novo uma surpresa. Abandona-se subitamente o "árabe" e passa-se a um
neo-dórico nos capitéis das colunas e nas paredes, decoradas com
medalhões representando cabeças femininas. É seu autor o pintor Júlio
Silva.
Na época da inauguração existia neste
hall uma peanha em escaiola com incrustações a bronze, da autoria do
próprio Silva Júnior.
À esquerda deste hall, passamos para o
salão de maiores dimensões de toda a Casa: o Salão
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Restaurante
ou "Luís XVI ". (Foto 6)
É resultado de demolição de vários
compartimentos e de uma escada de serviço, do interior do palácio. O
engenho de Silva Júnior mais uma vez se evidencia, perante a necessidade
de obter o efeito dos amplos janelões rocócó, não alterando os vãos das
janelas exteriores. E isso consegue-o à custa de uma série de duplas
portas envidraçadas que escondem as exteriores, intercalando com uma
profusa distribuição de espelhos e motivos decorativos.
FOTO 6 - Salão restaurante.
No tecto, ao centro do salão, um grande
fresco de Benvindo Ceia, que também assina toda a pintura decorativa do
mesmo.
Num dos extremos e separando este salão
da sala de jogo, encontra-se o palco, ladeado por figuras
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alegóricas, da autoria do escultor José Isidoro Neto. Este palco não
tinha nesta data a posição que tem hoje, encontrando-se sobrelevado. Tem
a particularidade de permitir a abertura para os dois salões. Uma tela
de Júlio Silva ainda se mantém no pequeno hall de acesso ao bar, no lado
da fachada principal.
Ultrapassando este palco, entramos então
no "Salão de Jogos", menor que o anterior, decorado com motivos
relacionados com o jogo, pois nele se situava o "coração" do casino: a
roleta e os outros jogos clássicos. "Em estilo livre, uma neo-renascença
(...) que procura emancipar-se de fórmulas, convenções e preceitos de
outros tempos". Toda a pintura a óleo, incluindo o tecto que representa
"A Fortuna", é da autoria de outro pintor da época, Domingos Costa.
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As salas do lado direito do haIl
constituem agora novo motivo de surpresa. Silva Júnior abandona os
"estilos" com que procura acentuar a grandiosidade dos salões anteriores
e opta pela austeridade dos "estilos medieval e gótico". Transposto um
guarda-vento em nogueira, que a separava do haIl, passava-se a
uma sala de leitura ou de espera, sobre cujos lambrins, também em
nogueira, vemos um friso de azulejos da autoria de Jorge Colaço
ilustrando cantos dos Lusíadas. (Foto 7) |
FOTO 7 - Painel de
azulejo: "sala de espera". |
FOTO 8 - Painel de azulejo: "Hall da sala
de leitura".
Contígua a esta sala e rasgando janelas
para o "Pátio Árabe" existia então a "Sala de Bridge" e "outros jogos de
vaza", também com azulejos do mesmo autor. Representando motivos da
feira de Stª Eulália,
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é um painel notável, de inspiração
naturalista. Sem dúvida um dos mais bem conseguidos do grande mestre do
azulejo. Os candeeiros e restante mobiliário desta sala foram
expressamente desenhados pelo Arq. Guilherme Rebelo de Andrade.
Ao lado desta sala existe outra,
decorada com azulejos dos sécs. XVII e XVIII, que terá sido um pequeno
pátio descoberto até aos anos 40.
No hall contíguo à "Sala de Leitura",
podemos ver azulejos "arte nova", com motivos de cartas de jogar,
possível mente também da autoria de Jorge Colaço. (Foto 8)
FOTO 9 - Painel de azulejo: "Sala
de Bilhar".
Este hall dava acesso aos sanitários dos
homens, à / p. 19 /
então "Sala de Bilhar" e ainda a outra saleta. (Foto
9) Nesta "Sala de Bilhar", decorada em "estilo medieval", o mesmo autor
retrata-nos agora cenas de caça, uma tourada, etc., em que utiliza a
mesma técnica de impressão já usada nos anteriores painéis.
Guilherme Alves
Coelho |