Atentas
as suas características, e por se tratar de uma espécie pouco conhecida
da generalidade das pessoas (pelo progressivo declínio dos seus
efectivos e um habitat muito localizado), tecemos aqui uma breve resenha
sobre a abetarda, uma das maiores aves voadoras do mundo e a mais pesada
da Europa.
Em
complemento, referimos algumas acções relevantes desenvolvidas em defesa
desta e de outras aves ameaçadas, bem como do meio em que vivem.
II – Com uma dimensão semelhante à do peru, a abetarda apresenta
notórias diferenças de dimensão consoante o sexo – um macho adulto tem
aproximadamente 1 m de comprimento e 2,30 m de envergadura (distância
entre as pontas das asas) contra, respectivamente, 0,80 m e 1,80 m para
a fêmea, a qual é também bastante mais leve (ronda os 3,5 – 4 kg de
peso, oscilando os machos entre os 8 e os 16 kg).
A sua
plumagem é variada – dorso castanho avermelhado, com listas pretas
transversais, pescoço cinzento, peito branco – apresentando a fêmea
tonalidades mais pálidas e penas ornamentais menos desenvolvidas. No
período reprodutor, o macho desenvolve uns tufos de penas ao lado do
bico que lembram bigodes.
/
46 / É uma ave muito tímida e assustadiça,
quase nunca permitindo a aproximação num raio de 300-400 m., impondo-se,
pois, o uso de equipamento apropriado (binóculos, câmaras) para
observações de maior pormenor.
Vive em
bandos de dimensão variável ao longo do ano, alimentando-se
principalmente de plantas, sementes e insectos. A longevidade da
abetarda não é conhecida com rigor, sabendo-se que, em liberdade, podem
atingir os 15 anos, idade já largamente superada quando em cativeiro.
Dado o
seu peso, necessita de tomar balanço para levantar voo, que é lento e
cadenciado. Talvez por isso, quando ameaçada, prefere andar ou correr
rapidamente.
Provinda
das estepes (extensas áreas naturais cobertas de vegetação herbácea), a
abetarda – tal como outras aves estepárias – adaptou-se posteriormente a
um habitat característico, denominado estepe cerealífera ou
pseudo-estepe, decorrente da agricultura extensiva grandes planícies
abertas, onde alternam as searas, as pastagens, os restolhos, os
alqueives.
A
crescente pressão humana e a intensificação da agricultura têm vindo a
provocar o decréscimo das populações de abetardas (e o seu
desaparecimento em muitos países), as quais se distribuem de uma forma
muito descontínua.
Regista-se a sua presença um pouco no Norte de África (Marrocos),
Península Ibérica, em alguns países do centro e
/
47 / leste da Europa, bem como da Ásia.
A
Península Ibérica detém cerca de 50% do total mundial destas aves,
estimado em trinta e poucos mil indivíduos.
No começo da Primavera (período reprodutor), as abetardas reúnem-se em
pontos específicos da planície, iniciando um ritual espectacular – a
parada nupcial. Os machos competem entre si pela melhor exibição, com
vista a atrair as fêmeas. Fazem inchar os sacos de ar que possuem na
base do pescoço, inclinam a cabeça para trás, levantam e sobem a cauda
em jeito de leque, bigodes revirados e asas dobradas para cima,
mostrando as penas brancas. No auge, sugerem bolas de espuma branca
ondulando no solo.
À
distância, as fêmeas vão apreciando (e certamente avaliando) as
exibições, aproximam-se aos poucos e, eleito o parceiro, dá-se por fim o
acasalamento. Posteriormente retiram-se em busca de um local de
nidificação, incubando em regra 2 a 3 ovos. Os ninhos são no chão (uma
pequena cova à medida do corpo), entre erva alta, a maioria em searas ou
pousios. As crias, pouco depois do nascimento, estão aptas a sair do
ninho e seguir as mães. Quanto aos machos, o seu papel no processo de
reprodução termina logo após o acasalamento.
III – As contagens efectuadas em Portugal apontam para uma existência um
pouco acima do milhar de abetardas, quase na totalidade repartidas pelos
três distritos alentejanos. Esta distribuição é também aqui bastante
assimétrica, uma vez que cerca de 80% daquele total nacional ocorre no
Baixo Alentejo, na zona denominada de Campo Branco, que está integrada
na Rede Natura 2000 (Rede Europeia de Espaços Naturais).
Dadas as
suas características e importância para a conservação de aves ameaçadas
ou migradoras, esta zona foi classificada como ZPE (Zona de Protecção
Especial para aves), no âmbito de uma directiva comunitária – a ZPE de
Castro Verde.
Dentre as
principais acções tendentes à manutenção da avifauna e do ambiente
envolvente, a aprovação do Plano Zonal de Castro Verde foi de extrema
importância, promovendo ajuda financeira (com financiamentos
comunitários) aos agricultores que adoptem técnicas compatíveis com a
conservação da Natureza, de acordo com uma série de normas estabelecidas
para o efeito – rotação de culturas (com áreas mínimas de pousio e
alqueive), actividade agrícola que tenha em conta o ciclo de vida das
aves (fixação de datas de colheitas e de corte de feno, p. ex.), cultivo
de leguminosas para reforço da sua alimentação, etc.).
Também a
Liga para a Protecção da Natureza (LPN) desenvolve aqui projectos
visando a conservação do habitat e a protecção de espécies em risco,
tendo adquirido cinco herdades para esse fim, com apoio comunitário.
Lançada inicialmente / 48 / com o objectivo de impedir a florestação,
por empresas de celulose, de algumas áreas de extrema importância para
as aves estepárias (entre as quais a abetarda), esta acção da LPN, com o
apoio do município de Castro Verde, veio a revelar-se exemplar, sendo
internacionalmente reconhecida. São promovidos estudos técnicos e
científicos no âmbito desta temática, a caça foi ali interdita (no caso
da abetarda, a mesma está proibida em Portugal já há cerca de 40 anos),
proporcionam-se novos locais de nidificação e estabelecem-se acordos
anuais com agricultores em função de planos de gestão centrados na
defesa das espécies.
Por outro
lado, impõe-se também uma acção de divulgação, sensibilização e
pedagogia, na procura da adesão de cada vez mais vastas camadas da
população a este tipo de causas, nomeadamente junto da população
escolar. Nesta linha foi instalado e desenvolvido, numa das herdades
atrás referidas (Herdade do Vale Gonçalinho, hoje reserva biológica), um
Centro de Educação Ambiental, onde, para além das acções de preservação
e desenvolvimento sustentável, é disponibilizado todo um conjunto de
informações, documentação, actividades didácticas e de lazer. São
organizados percursos temáticos, com o acompanhamento de monitores,
possibilitando a observação da fauna e flora locais.
O
Alentejo possui óptimas condições para a prática do ecoturismo, e em
particular, do turismo ornitológico, de que é um bom exemplo esta região
do Campo Branco.
Todavia, as ameaças proliferam e os apoios a um desenvolvimento rural
sustentável escasseiam, levando ao decréscimo gradual do número de
agricultores que aderem aos respectivos projectos. A conservação da
estepe cerealífera do Alentejo e o combate à perda de biodiversidade
justificam e merecem um firme empenhamento a nível governamental,
traduzido em correctas medidas agro-ambientais e incentivos adequados,
constituindo o próximo Plano de Desenvolvimento Rural (2007-2013) uma
excelente oportunidade de tal ser demonstrado.
Leitura Recomendada: Pedro Rocha, A Abetarda e o Campo Branco – Uma
longa convivência. (LPN, 2005), fonte de alguns dos dados do
presente texto.
|