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CAVALOS DE "PREZWALSKI"

Coudelaria de Alter Combate a Extinção

 

Paulo Caetano

Cavalo de «Prezwalski». - Clicar para ampliar.

Nunca foram domesticados, mas acabaram por encontrar a extinção em estado selvagem em 1969. Integrado num projecto mundial de reprodução em cativeiro, a Coudelaria de Alter recebeu uma das raras manadas de 'prezwalski'

O garanhão sorve sofregamente o ar. Tenta detectar os aromas que lhe chegam às narinas e relincha de preocupação ao ver os vultos humanos que caminham na sua direcção. É um cavalo de 'prezwalski' – a mesma raça que sobreviveu no deserto de Gobi, na Mongólia, até 1969. O animal raspa as patas no chão, inquieto. Mas a terra que lhe salta dos cascos não é areia do deserto asiático. É pó do montado alentejano. Temendo uma ameaça desconhecida, o cavalo galopa em direcção às três éguas e aos dois potros que constituem o seu harém e obriga a manada a correr à sua frente. Quando se sente em segurança, para lá da linha de água, pára e olha desafiadoramente para os estranhos.

Apesar do susto, nenhum perigo real os ameaçava. Este pequeno grupo de cavalos está bem protegido, no interior da Coudelaria de Alter, no Alto Alentejo. E todos os dias recebe os cuidados de vários tratadores e biólogos.

"As três fêmeas e o macho chegaram em Dezembro de 2001, enviados por um zoo inglês. E tiveram um período de adaptação complicado, pois as éguas não aceitavam bem a presença do garanhão. Agora corre tudo bem e já registámos o nascimento de várias crias", diz Maria do Mar Oom, bióloga da Faculdade de Ciências de Lisboa (FCL) e responsável, em Portugal, pela reprodução e conservação destes cavalos raros.

No monte alentejano, a manada de 'prezwalski' refez a estrutura social que caracteriza os cavalos que vivem em liberdade: um garanhão dominante, um grupo de fêmeas adultas e os potros. São animais pequenos, pouco maiores que póneis. A pelagem é baia, com crina erecta e as extremidades do focinho brancas. Estes animais são autênticas relíquias vivas. Foram descobertos na viragem do século XX e só existiam em estado selvagem – o Homem nunca tinha conseguido domesticá-los. Daí que, segundo os investigadores, nada tenham a ver com os seus parentes domésticos: "As raças que foram domesticadas possuem 64 cromossomas, enquanto os cavalos de 'prezwalski' têm 66. É a prova que nada têm a ver uns com os outros", explica a bióloga.

Cavalos de «Prezwalski». - Clicar para ampliar.

Cavalo de «Prezwalski». - Clicar para ampliar.

Os cientistas ainda vão mais longe e garantem que esta raça é sobrevivente dos cavalos primitivos, imortalizados nas pinturas rupestres de toda a Europa e da Ásia. Para suportar a sua teoria, apontam algumas particularidades que apenas existem nos 'prezwalski' e em outras raças do tipo primitivo, como o cavalo do Sorraia – a risca preta que atravessa o dorso, as zebraras nos joelhos, as orelhas orladas a negro e a crina curta e hirta como as das zebras. "São animais primitivos, que sempre viveram em estado selvagem. E, desse ponto de vista, são valiosos para a ciência e para a história natural do planeta", diz Maria do Mar Oom.

O problema é que, com a descoberta desta raridade zoológica, despertou-se a cobiça humana e o valor destes animais disparou. Coleccionadores de todos os cantos do Mundo viajaram para a Mongólia em busca dos cavalos selvagens, que foram caçados a um ritmo alucinante. Como os garanhões selvagens eram indomáveis e ninguém conseguia tratá-los em cativeiro, as vitimas passaram a ser potros. O número de exemplares foi-se reduzindo e, em 1969, foi capturado o último animal selvagem – que tinha encontrado refúgio numa zona remota do deserto.

Cavalo de «Prezwalski». - Clicar para ampliar.

Por ironia do destino, os principais responsáveis pelo seu desaparecimento no estado selvagem acabaram por salvar a raça da extinção total. Na década de 1970, só os parques zoológicos possuíam estes animais. Treze cavalos apenas, que acabaram por dar origem, através de cruzamentos muito seleccionados, aos cerca de 1500 'prezwalski' que existem actualmente na Europa e na América. As várias manadas, distribuídas por vários continentes são geridas por uma autoridade única, que decide que garanhão cobre que fêmeas e que cavalos podem ter o estatuto de reprodutores. Portugal, através de Maria do Mar Dom, concorreu a este projecto e foi aprovado. O zoo de Lisboa é a entidade que se responsabiliza pela aplicação das directrizes mundiais e a Coudelaria de Alter acolhe a manada e dá pastagens. O resultado não podia ser melhor, como demonstram os nascimentos recentes. "As crias poderão ficar cá ou serem enviadas para outros grupos. Dentro de algum tempo, devemos intercambiar as éguas e o garanhão, para evitar elevados graus de parentesco entre os animais", sublinha esta responsável.

Os níveis elevadíssimos de consanguinidade são o principal problema da raça, que pode afectar a sua sobrevivência futura. Mas os biólogos estão optimistas: "Estamos a conseguir salvar a raça", afirma Maria do Mar Dom. E a prova está, de novo, no deserto de Gobi. Em 1990, foram devolvidos ao seu último habitat natural vários cavalos de 'prezwalski' nascidos em cativeiro. Morreram alguns, mas os nascimentos compensaram as perdas. As manadas selvagens adaptaram-se e, apesar do programa de reintrodução ainda durar mais alguns anos, já ninguém tem dúvidas que o regresso dos 'prezwalski' ao deserto é definitivo. E os cavalos nascidos na Coudelaria de Alter estão a contribuir para esse sucesso.

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