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O ARTIGO 279º DO CÓDIGO PENAL

O Suporte de Criminalização como Via para a Defesa do Ambiente

António Bernardo Colaço

O presente trabalho mais não pretende senão continuar a aprofundar a problemática do ambiente e da necessidade de sua defesa. A este propósito foram mesmo já apontados casos catastróficos ocorridos no nosso eco sistema, casos esses que embora muitas vezes gerados por acção da natureza atingem dimensões desproporcionadas, devido à acção do homem. Alguém negará por exemplo, que as recentes inundações na Europa Central, no Oriente e na América Latina, o impacto feroz e sequencial de furacões Katrina e Rita, os desastrosos efeitos dos tufões, dos ciclones e seus ventos, os Tsumanis gerados por terramotos subaquáticos, a venenosa poluição dos mares e rios, o flagelo das secas, o degelo árctico e os incêndios, são em parte assinalável, devidos à incúria dos homens, como são, a descontrolada poluição atmosférica, as experiências nucleares subterrâneas, a desenfreada destruição e endémico descuido no tratamento das florestas, a incontida extracção de petróleo e gás natural, a destruição das terras gerada pelas guerras, pelo uso de bombas, napalme e minas? E muito mais haveria a referir.

E a resultante está à vista: mortes; desaparecimento de pessoas; epidemias; habitação, bens e haveres destruídos; colheitas desfeitas; água a minguar; terrenos de cultivo transformados em lamaçais; mares poluídos, rios transformados em esgotos a céu aberto e peixes mortos; a flora e a fauna desaparecidos! Quase todos à espera que outra catástrofe ocorra, mas a afectar sempre os outros.

Nenhuma dessas ocorrências nos parece impressionar, continuando os responsáveis a explicar e justificar todos os excessos, ora em nome do consumismo ora sob o signo de políticas, mas sempre marcados pelo cunho de um endémico, quase doentio egoísmo ou indiferença.(1)

O meio ambiental continua a ser uma abstracção, sem relevo, sob a presunção de que está incondicionalmente ao serviço do homem sem dependência de qualquer interacção e harmonização recíprocas "homonatura". Ao que se sabe, já a Magna Carta aludia ao bem ambiental como essencial à "sadia qualidade de vida". O equilíbrio ecológico do ambiente é uma constante da vida, quer se trate do ambiente natural (solo, água, ar atmosférico, flora e fauna); artificial (espaço urbano, construções, edificações, ruas, áreas verdes, património histórico e paisagístico); de trabalho (bem estar do trabalhador).

O direito ao ambiente constitui assim um direito constitucional fundamental(2). Tem pois que ser protegido como um verdadeiro valor, um bem jurídico merecedor de protecção legal. Neste enquadramento há porém que não confundir as coisas. Não é à acção exclusiva das forças da natureza que nos referimos. Em causa estão as transformações ambientais levadas a cabo por acção do homem, sendo que a grande virtude da nossa capacidade reactiva consiste em controlar defensivamente as consequências nocivas daquela e eliminar os efeitos desastrosos destas.

A natureza existencial evoluiu em moldes tais para que o homem colocasse racionalmente, isto é, por conta e medida os seus elementos ao serviço da humanidade – toda a humanidade – sob pena de não poder controlar as suas consequências não o fazendo, já que os elementos da natureza também tem regras de desenvolvimento próprias. Acaso um desastre no Mar do Norte, não poderá afectar a produção petrolífera no Golfo do México? E as guerras com as dimensões da ocorrida no Vietname e mais recentemente em Angola não terão tido a virtualidade de afectar negativamente a riqueza dos seus solos e consequentemente as produções agrícolas? São exemplos que no mínimo dão que pensar.

Onde pois a criminalização?

Se na pureza de princípios a racionalidade e a responsabilidade andam de mãos dadas, a verdade é que no contexto ambiental estes dois valores assumem contornos bem mais amplos, visto que os efeitos de um acção ou omissão podem atingir sempre a esfera de outrem, e não necessariamente ou apenas a do seu autor. A questão coloca-se sobremaneira quando, para uma quase descarada inobservância e desrespeito da lei de protecção ambiental(3) e o regime sancionatório actualmente existente, permanece desadequado senão mesmo ineficaz para responder aos efeitos perversos ou perniciosos a que aquelas actuações dão origem. É o caso dos incêndios ou da seca gerados pela incúria do Executivo; de um fogo ocasionado por uma ponta de cigarro e que incendeia casas ou ainda de detritos lançados para um rio matando peixes – cheiros, fumos, ventos desencontrados, aquecimento atmosférico e o equilíbrio do parque natural e da biosfera tudo em equilíbrio instável, senão mesmo em progressiva degeneração.

Nesta circunstância o direito ao ambiente, enquanto bem juridicamente defensável fica sem protecção, a contento do prevaricador que deixa de prestar contas à sociedade pela gravidade de danos por si causados e pela consciência imprimida na prática do acto. Estamos então no domínio de prática de um acto ou omissão anti-social, com responsabilidade do seu autor, e punição a ter que ser escalonada desde a contra-ordenação até ao crime consoante a dimensão violadora do bem jurídico em causa. É aliás assim que se procede tratando-se de outros bens jurídicos como a vida, o património, o bom-nome, os direitos da humanidade e outros, nada justificando que idêntico tratamento não seja também tributado ao direito ao ambiente quando violado. Em termos de estrita criminalidade estamos face a um crime ambiental ou crime ecológico.

A consagração expressa deste tipo legal impunha-se a todas as luzes, face à pouca

valência do regime sancionatório do nosso ordenamento jurídico-penal. Na verdade este não passava de uma mera grelha de contra-ordenações ou de um quadro de tipos legais penais(4) onde o ambiente carecia de individualidade e tratamento valorativo de qualidade.

Em termos da dogmática jurídico-penal, esta previsão legipunitiva devia ir mesmo mais longe no sentido de abranger a exploração desabrida de recursos e a responsabilização criminal dos órgãos ou representantes das pessoas colectivas(5) sendo mesmo exigível a todos os que sendo implicados se escondem sobre o disfarce de habilidades jurídico-formais, por interpostas pessoas ou de justificações como é o da chamada responsabilidade política como factor desviante de responsabilidade criminal quando violam o bem da humanidade que é o ambiente.

O artigo 279º do Código Penal introduzido pelo Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março sob a rubrica "Poluição" revela por isso uma alteração conceitual qualitativa por consagrar pela primeira vez o crime ecológico no nosso ordenamento jurídico.

Não se deixa porém de reconhecer tratar-se de uma medida legislativa tímida.(6)

Em toda esta questão há uma palavra a dizer quanto à forma de actuação e funcionamento das nossas instituições. Sem uma administração eficaz e uma justiça eficiente qualquer veleidade para o exercício de autoridade não passará de uma ilusão. Assim, e desde logo, impõe-se que a capacidade fiscalizadora da Administração e devidamente habilitada tenha a prerrogativa de poder actuar, através de mandado de suspensão ou de laboração preventivas até à eliminação do dano ambiental devidamente constatado ou do cumprimento dos condicionamentos legais exigíveis. De igual modo, impõe-se que no sector de justiça os magistrados judiciais e do Ministério Público estejam suficientemente preparados, senão mesmo vocacionados para o tratamento de "casos e criminalidade ambientais", tanto no plano administrativo como criminal. Para estes vai a recomendação para distinguir o legalismo meramente dogmático da legalidade substancial, aquele preponderantemente formalista, esta marcadamente vocacionada para a defesa atempada de valores e interesses impositivos da sociedade, juridicamente relevantes. Só assim se evitarão decisões destoantes da realidade em que vivemos e que por vezes tanto pasmo tem causado.

O ambiente é o pressuposto da nossa vivência. Uma existência enquanto qualidade de vida exige um ambiente sadio. O ar que respiramos, a água que bebemos, a terra que pisamos e o alimento de que necessitamos são elementos integrantes desse ambiente. Respeitá-lo constitui um imperativo para todo o homem. Não respeitá-lo dentro do que é legalmente exigido constitui um acto contra a sociedade de que fazemos parte e como tal criminalmente censurável.

Lisboa, 30.09.2005

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(1) "Europa paralisada" – ensaio – Viriato Soromenho – Marques. in. Visão 22/09/2005, pg.122.

(2) artigos 9º e 66º da Constituição da República.

(3)Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 07.04 de Abril, alterada pelo Decreto-lei n.º 278/97 de 08.10 e pela Lei n.º 13/2002 de 19.02.

– Directivas n.º 85/337/CEE do Conselho de 27.06 e n.º 97/ll/CE, do Conselho de 03.03 sobre o impacto ambiental, transpostas para a ordem interna pelo Decreto-lei n.º 69/2000 de 03.05.

(4)As diversas previsões do Código Penal relacionadas com o ambiente (artigos 272.º e seguintes) parecem atentar na sua defesa apenas difusa ou indirecta e não enquanto bem jurídico.

– "Ora o passo mais ousado, e quiçá o único expediente verdadeiramente eficaz do ambiente só terá lugar, quando o ambiente valer por si, para além do que vale para o homem" – Souto Moura, Adriano – “O crime de poluição – a propósito do artigo 279.º do Projecto de Reforma do Código Penal " – CEJ – ano 1994.

(5)Souto Moura, Adriano – ibidem.

(6)I) – Desde logo por conter um elemento de crime que é impreciso. É o caso da expressão '"em medida inadmissível", que por sua vez depende de urna outra imprecisão que é a '"contrariedade" às prescrições ou limitações impostas pela autoridade competente. Ora, encontrar a medida dessa contrariedade, face ao conteúdo, também ele por vezes impreciso dos regulamentos administrativos, constitui muitas vezes um cavalo de batalha, que conduz a decisões controversas, nomeadamente a absolvições. II) – A isto acresce que o crime na sua formulação genérica é punível com a pena de 3 anos, este normalmente passível de ser é geralmente punível suspensa. III) – Finalmente, ficou sem previsão normativa o crime contra a '"Conservação da Natureza" e a consagração de "Responsabilidade de Pessoas colectivas e equiparadas", tal como previstas no Projecto – Souto Moura, a que acrescentaremos a responsabilidade criminal de organismos do Estado.

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