Prestes a terminar as minhas crónicas, pensei em homenagear um navegador
que andou pelo mar Árctico, próximo de onde se pesca o bacalhau. Mas
vamos lá contar como isto encaixa nas minhas memórias. Quase que não
encaixa, pois não me lembro de ter estudado na História o navegador
David Melgueiro. Quem foi ele?
Estou convencido que 95% dos Portugueses não sabem
quem foi. Até o Porto, que o viu nascer e morrer em 1673, não lhe
dedicou o nome de uma rua. Já Lisboa tem no Restelo a rua David Melgueiro. E a SNAB, que era estatal, deu-lhe o nome a um navio
bacalhoeiro, que, na área da pesca do bacalhau, foi o maior do mundo, com os seus 80,14 metros de
comprimento e capacidade para 30 000 quintais de bacalhau salgado.
Construído em 1950 nos Países-Baixos como navio de pesca à linha, foi
transformado em congelador em 1976 e desmantelado para a sucata, na
vizinha Espanha, em 1992.
Quando o Sr. Egas decidiu vender a frota de navios clássicos,
foram mandados construir navios de popa e os 3 Polivalentes, já
referidos em crónica anterior, para trabalhar no
Atlântico Sul. Esta deslocação da frota para a África do Sul originou falta
de trabalho nas oficinas da EPA. Por isso, a empresa decidiu abri-las
ao mercado externo. Começámos por reparar os navios que
tinham sido nossos e fizemos outras intervenções, nomeadamente para a SNAB. Eu
próprio fiz uma intervenção no São Tiago, quando estive em Saint
Pierre, e fui a Matosinhos dar orçamento para a reparação do Luís
Ferreira de Carvalho e do David Melgueiro. O Luís Ferreira de Carvalho
veio para Aveiro e foi reparado. Relativamente ao David Melgueiro nada
posso dizer, o que é natural, porque havia distribuição de serviços
entre as oficinas de mecânica e as de electricidade. Mas para o caso pouco interessa.
Tomei conhecimento de uma associação recém-criada
em Peniche pelo Comandante José Mesquita com o nome de “David Melgueiro”.
Tendo entrado em contacto com a pessoa em causa, por ironias do destino, vim a saber que
tínhamos sido colegas, pois que foi o Comandante do nosso navio "Tunamar", quando chegou a Aveiro.
A propósito disto, convém referir que «Tunamar» era o nome de uma empresa destinada
à pesca do atum, criada pela EPA. Para este efeito, foram construídos
três navios: o «Tunamar», nos estaleiros de São Diego, na Califórnia; o
«Tuna Madeira» e o «Tuna Açores»,
nos estaleiros de São Jacinto, em Aveiro.
O «Tunamar»
esteve atracado no antigo cais comercial.
Recordo-me até de ter feito uma experiência de comunicação por satélite,
uma vez que estava equipado com uma antena parabólica. As mensagens iam aos
Estados Unidos e reenviadas para os escritórios da EPA, então já na estrada da
Barra.
Através da documentação existente no CIE-Mar do Museu de Ílhavo,
confirmei a história do navegador David Melgueiro.
O Comandante José Mesquita já fez a apresentação no Museu do Oriente, em Lisboa,
tendo também dado a conhecê-lo no Museu de Ílhavo. Em que consiste este
projecto?
A fotografia ilustra o que
se pretende fazer: construir um veleiro para a
expedição científica, fazendo a rota inversa de David Melgueiro, um
explorador português do século XVII, cujas viagens ainda continuam
envoltas em mistério. Serão como que uma lenda. David Melgueiro terá sido o primeiro
português a aventurar-se na travessia das águas geladas do Árctico, através da
Passagem do Nordeste, entre 1660 e 1662. Passados mais de 350 anos, este
projecto inclui a realização de um veleiro de raiz, destinado ao serviço
da comunidade científica. Recriar uma expedição de 17 meses, com
passagem por 15 países e 28 portos e levando 30 cientistas a bordo, que
se dedicarão a estudos de oceanografia, meteorologia e das alterações
climáticas, monitorizando o solo permanentemente congelado (o chamado permafrost),
que é um reservatório de Metano e CO2.
O veleiro terá de aguentar as tempestades das latitudes elevadas, a
pressão do gelo no casco, a navegação em zonas mal cartografadas e onde
é difícil obter informação dos satélites, para lá dos 70 graus. Deverá
integrar nas velas painéis solares. O veleiro terá o comprimento de 24
metros, dois mastros, casco em aço e convés em aço inox. Será projectado
por um arquitecto naval português e construído nos Estaleiros
Navais de Peniche. Serão necessários três milhões de euros, que terão de
ser angariados, para, em meados de 2016, começar a expedição Marborealis.
Resumindo, os objectivos do projecto David Melgueiro:
1.º
–
Construção de um veleiro de investigação equipando Portugal, pela
primeira vez, com uma ferramenta civil de investigação multidisciplinar,
oceânica e versátil, que pode ser utilizada como:
–
Plataforma de ensaios de tecnologias inovadoras;
–
Suporte logístico a expedições oceânicas, polares Árcticas e Antárcticas;
–
Instrumento para Erasmus científico;
–
Utilização do navio com custos diários de exploração muito baixos;
2.º
–
Colocar Portugal na linha avançada dos países preocupados com as
mudanças climáticas.
3.º
–
Ir do Porto a Macau, efectuando uma volta ao Mundo, através do Árctico
e passando pela famosas passagens do nordeste e do noroeste, refazendo a
viagem de David Melgueiro (1660/1662) e João Martins (1585/6).
4.º
–
Objectivos
Científicos:
–
Estudo das mudanças climáticas globais e suas consequências;
–
Monitorização do impacto ambiental decorrentes do crescimento económico;
–
Multidisciplinares centrados no Oceano Árctico.
–
Intervenção directa numa campanha global, para a sensibilização de um
desenvolvimento sustentável do ambiente.
4.º
–
Objectivos
Culturais:
–
Ser o embaixador da cultura Portuguesa, nos portos de escala na Europa,
Ásia e América do Norte.
–
Reforçar os laços culturais com os povos Asiáticos.
–
Reavivar a nossa memória histórica e afirmar os valores que fazem parte
da nossa cultura.
4.º
–
Comerciais:
–
Dar às empresas que participem no projecto, visibilidade nos nossos
produtos.
–
Ajudar a explorar novas possibilidades de negócios e criar novos
mercados.
–
Oferecer às empresas uma plataforma que é um espaço de inovação e de
teste para novos produtos, materiais e equipamento.
5.º
–
Finalmente:
–
Uma forma de reforçar a capacidade científica e técnica.
–
Uma afirmação de soberania científica.
–
Uma forma de promover a integridade territorial.
–
Uma forma de reafirmar a identidade marítima nacional.
–
Uma forma de consagrar Portugal a nível global como nação marítima.
–
Uma grande manifestação marítima.
–
Um motivo de orgulho nacional.
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