O que é o skrei? Nada mais que o bacalhau fresco da primeira desova.
Depois de ter feito mais de trinta crónicas sobre a EPA, o Bacalhau, a
Sardinha e o Atum, julgo poder recuar um pouco, para falarmos de outra forma de comer bacalhau.
Não é que isto esteja na minha memória; mas
colaboradores do "Diário de Aveiro" já o fizeram, repescando o artigo
publicado no "Notícias Magazine", suplemento dos jornais "Jornal de
Notícias" e "Diário de Notícias", em
Março de 2014, o qual teve o mérito de me fornecer ideias e a fotografia
com que ilustramos esta nossa crónica.
A imagem reproduzida mostra-nos o tipo de embarcação de pesca utilizado
pelos noruegueses. Munidos de uma cana, os pescadores percorrem os
fiordes, característicos do seu país, apanhando o
bacalhau em latitudes mais a norte e consumindo-o posteriormente sem
necessidade de ser escalado e salgado.
A este
propósito, falemos
um pouco da Noruega, país que começa a ficar no
imaginário dos portugueses, não só pelo bacalhau, mas também pelas suas
oportunidades de trabalho. Ir para lá de carro leva cerca de 4 dias; e,
se for no pico do inverno, é bem possível que se encontre lá uma
temperatura rondando os 20 graus negativos. O trabalho é muito! Não
dá oportunidades ao stress e é bem recompensado. As paisagens são
magníficas: no inverno, tudo branco; no verão tudo verde, com uns agradáveis 6 graus positivos, para não falarmos no Sol da Meia
Noite, nas datas próximas do solstício de Verão, em Junho, para quem
viver mais para o norte, a umas milhas acima do Círculo Polar Árctico.
Ao ser seco e salgado, o Bacalhau perde alguma da sua textura original,
dizem os noruegueses. É necessário ir acima dos 80º N., se quisermos assistir ao início do ciclo de
vida deste animal. É do Mar de Barents, gerido pela Rússia e Noruega, a cerca
de 5 graus negativos, que o “Gadus morhua” se desloca para os fiordes Noruegueses,
para aqui desovar pela primeira vez, por volta dos 6 anos de
idade, sendo pescado ao largo da pequena aldeia de Myre.
Para os Noruegueses, este bacalhau acabado de pescar é designado por Klipefisk,
enquanto o seco e salgado é por eles considerado como de baixa qualidade. Entre Janeiro e Maio o bacalhau faz
milhares de milhas para ir desovar nas ilhas Lofoten. É deste bacalhau
do Árctico que o esturjão se alimenta para nos dar o famoso caviar.
O bacalhau jovem é uma espécie menos sedentária, cuja carne é muito consistente
e branca. Após a desova e fertilização dos ovos pelos machos na zona dos
fiordes da Noruega volta para o Árctico,
pelo que o tempo de pesca é muito curto. A uma temperatura muito baixa
e, frequentemente, com grande ondulação, os noruegueses capturam peixes
que andam entre os 3 e os 8 Kg. Entretanto em terra, nas Ilhas Lafotene, o trabalho continua.
Há um ritual que é
festejado pelas crianças quando se procede ao corte das línguas do bacalhau. Com a prática,
há elementos que chegam a cortar à volta de 35 por minuto, número que se
pode considerar elevado, se nos lembrarmos que esta tarefa é feita num
ambiente completamente gelado, com temperaturas de vários graus
negativos. E é ainda mais complicado pelo facto do trabalho ter de ser
feito com luvas de borracha. Apesar de tudo, é considerado um acto cultural. Na aldeia de Myra, que é
um espaço mítico da epopeia bacalhoeira portuguesa, fazem-se almoços
para celebrar a época do Skrei. A ementa é: bacalhau fresco, batatas com
pele, ovas e fígado, tudo cozido em separado. Para beber, vinho tinto e
“áqua-vit” (aguardente de batata). Esta aguardente é a bebida
indispensável sempre que se
come o fígado, para facilitar a digestão.
Na fase de
juventude do bacalhau, as primeiras desovas
são de dimensão diminuta. Nas desovas subsequentes, vão ficando cada vez
maiores, mas menos saborosas.
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