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Egas Salgueiro e a Empresa de Pesca de Aveiro – As minhas memórias

Saint Pierre et Miquelon

Nos finais da década de 1980, já com um pé fora da EPA, por esta ter sido vendida, o Sr. Capitão São Marcos disse-me:

Estou a contar consigo para irmos buscar o São Rafael a Saint-Pierre, pois a Empresa comprou-o e ele está lá parado há um ano.

Barcos cobertos de gelo no porto de Saint-Pierre. Consultar o link relativo a BARCOS.

Levei comigo o meu encarregado João Carlos e fomos. Éramos uns doze. Chefiava a delegação o Sr. Capitão, na qualidade de Director de Armamento. Da Portela voámos para o Canadá (Montreal). Depois de uma viagem de autocarro de 30 kms para o aeroporto de Mirabela, apanhámos um avião para Halifax. Estivemos 3 dias à espera de um voo doméstico para Saint Pierre, hospedados no Holiday Inn. Em Saint Pierre, havia apenas dois hotéis: o “Ile de France” e o “Hotel Robert”, onde nos instalámos.

Primeiro nevão de Outono em Saint-Pierre. Além de uma pequena vista do porto, vemos, à direita, um exemplar típico das casas locais edificadas com madeira.

À moda americana e canadiana, as casas eram feitas de madeira. Quando havia uma réstia de sol, as mães saiam com os carrinhos de bebés. Nós dizíamos que “Cristo” não tinha passado por ali. No entanto, para não variar, fui lá encontrar três Portugueses, que por lá casaram.

Saint Pierre é uma ilha tão pequena que, em 10 minutos, se consegue percorrê-la toda de automóvel. Para se experimentar um carro, era necessário ir para a pista dos aviões. A 20 kms da costa, a 1800 kms de Montreal e a 4000 de Lisboa, tinha uma população de 6500 habitantes, descendentes de bascos, normandos e bretões. Saint-Pierre e Miquelon foram descobertas em 1520 por João Álvares Fagundes, mas Jacques Cartier reclamou estas ilhas para a França em 1535. É hoje o nosso porto de abrigo, desde que Portugal, em 12 de Junho de 1985, passou a integrar a CEE.

O São Rafael, construído nos estaleiros da Argibay, em Alverca, nasceu como navio de pesca à linha, tal como o Vimieiro. Foi depois adaptado a “redes de emalhar” e, mais tarde, transformado em arrastão de popa.

Foi uma trabalheira arrancar com o navio, pois desde a Mecânica à Electrónica, passando pela Electricidade (já na altura chefiava os Serviços Electrónicos, por nomeação do meu administrador Eng.º Pedro Jordão), deu-nos ainda tempo para ir reparar o navio português São Tiago, da Sociedade Nacional dos Armadores do Bacalhau (SNAB), que deu entrada com uma avaria num alternador.

Meter corrente a bordo, ligar compressor de ar para carregar as garrafas a 30 Kg, arrancar com a MP (Máquina Principal) e Auxiliares, para ter energia a bordo, pôr a caldeira de vapor a trabalhar para o aquecimento, foi um enorme trabalho. Vai aqui um abraço de agradecimento ao João Carlos pela colaboração que me deu, pois durante três dias foi ele que me substituiu, devido a ter ficado retido no Hotel a curar-me de uma gripe. Mas esta colaboração não foi para mim novidade, pois sabia quem tinha escolhido para me apoiar. Vim agora a saber, durante as minhas pesquisas, que o Hotel Robert pertencia a Jean Pierre Andrieux, que também tinha residência em St. John’s, e escreveu dois livros acerca da faina do bacalhau, um em Inglês e outro em Francês.

A certa altura o Sr. Capitão confidenciou-me que estava a sentir-se atrapalhado com falta de dinheiro, porque a Empresa ainda não lho tinha mandado. «Tenho aqui 100 contos que lhe posso emprestar disse-lhe eu. Normalmente não estou habituado a andar com dinheiro, mas, quando vou para o estrangeiro, gosto de ir prevenido.»

Saint Pierre era também apoiado por St. John’s. Se tivessem de vir de carro, teriam de percorrer 400 Km até ao Grand Banks, para, em Fortune Bay, apanhar o barco da carreira e fazer duas horas por mar.

Aspecto do porto de Saint-Pierre, visto a partir do barco São Rafael. À direita, a lancha da carreira.

A chegada dos nevões foi a causa da gripe que me reteve no hotel por três dias. E isto porque, no dizer do Sr. Capitão, as gripes curam-se acamados. E eu, ainda hoje, mantenho religiosamente este preceito. No regresso ao nosso País, no aeroporto da Portela, com a confusão da troca dos fusos horários e a pressa de chegar a Aveiro, que deixara há 20 dias, troquei as malas e tive de voltar no dia seguinte a Lisboa.

Na EPA, em conversa com o Sr. Capitão, vim a conhecer a história dos “pés frios”, mas isso será para contar em privado, a quem mo pedir. Garanto-vos que se vão rir!

Pequena baía do porto de Saint-Pierre, vendo-se as rampas de madeira para descida dos barcos de pesca artesanal do bacalhau. No Inverno, converte-se numa pista de patinagem.

No Arquivo Digital encontram-se mais fotografias.

 

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04-05-2018