Acesso à hierarquia superior.

Egas Salgueiro e a Empresa de Pesca de Aveiro – As minhas memórias

Operação Açores

Descobertas nos inícios do séc. XV, só talvez a partir de 1427 começaram as ilhas dos Açores a ser povoadas pelos portugueses. Segundo rezam as crónicas, terá começado em 1439 a fixação dos primeiros povoadores, começando pela ilha de Santa Maria. Foi nos Açores que, em 1493, Cristóvão Colombo fez escala no regresso da primeira viagem à América. Foi nos Açores que, durante o período das lutas liberais, alguns dos grandes vultos da literatura portuguesa se refugiaram, como sucedeu com um dos nossos primeiros românticos, Almeida Garrett. E foi daqui que vieram outros vultos da nossa literatura e da nossa História, se nos lembrarmos de nomes como Antero de Quental, Vitorino Nemésio, etc. De todo um vasto mundo por onde os portugueses andaram e se fixaram, é actualmente este um dos poucos territórios que continua a ter a bandeira dos seus descobridores.

 

Entrada da Fortaleza de Santa Cruz, no Faial, reconvertida em estalagem.

Sempre tivemos na E.P.A. uma relação especial pelo Arquipélago dos Açores, não tanto pela actividade baleeira, jamais praticada, mas pela pesca do atum e, sobretudo, pelo apoio logístico e técnico à nossa frota bacalhoeira. As “Flâmulas", a revista esporadicamente publicada pela Empresa de Pesca de Aveiro, apenas se lhe referem uma vez, relativamente a uma longa viagem do nosso atuneiro Rio Vouga, em 1962. No livro Memórias de um Pescador, da autoria do Capitão João Laruncho São Marcos, há também uma referência ao Rio Águeda e ao Rio Vouga, atuneiros que, além da pesca ao largo deste arquipélago, também compravam directamente o atum aos pescadores locais.

Em 1977, comprámos em segunda mão um cercador atuneiro, que viria a chamar-se Rio Águeda e que estava no Senegal. A “Casa Bensaúde”, com actividade até no Continente, tinha Agentes em quase todas as ilhas e assim nos apoiavam.

A primeira vez que me lembro de ter ido aos Açores, deve-se ao facto do Santa Mafalda, navio de pesca pela popa, lá ter arribado. Foi montado na E.P.A. um sistema de embraiagem nos geradores do Guincho. Eu avisei o Chefe Camoesas que os induzidos deviam ser equilibrados. Não fizeram caso da minha recomendação e os rolamentos partiram. Nos Açores, também não havia condições nem oficinas para fazer o trabalho e o navio teve que regressar a Aveiro. E também aqui surgiram problemas, porque a máquina de equilibragem dinâmica que os Bóias tinham nas suas oficinas só suportava cargas até 100 quilos e o sistema de embraiagem tinha um peso de meia tonelada. O trabalho de equilibragem teve de ser feito nos estaleiros da Lisnave, na Rocha do Conde de Óbidos.

   

O Peter’s, que é o Café Sport, onde nenhum navegador deixa de ir para tomar o seu Gin e visitar um pequeno museu da baleia. Peter’s, nome tão mítico que até na Expo 98, em Lisboa, abriu uma delegação. Foto da década de 1990.

Iate atracado perto do Santa Cristina. O seu navegador australiano, toldado pelo excesso de álcool, à noite, caiu ao mar e morreu afogado, apesar do vigia do Santa Cristina ter tentado salvá-lo. Foto da década de 1990.

Com a entrada de Portugal na CEE, em 1985, deixámos de poder recorrer a St. John’s para reparações e reabastecimentos. Apenas lá podíamos aportar por razões humanitárias. Por isso, sempre que havia avarias, a solução encontrada era arribar aos Açores, numa viagem de 3 dias. Mesmo assim, especialmente no inverno, não era fácil lá chegar. Numa ocasião em que lá tinha o Santa Cristina, tentámos aterrar no Faial e não conseguimos, devido ás condições atmosféricas. Tivemos de regressar à Terceira, voltámos a fazer outra tentativa e acabámos por regressar a Lisboa sem conseguirmos a almejada reparação.

Fui várias vezes à ilha do Faial e o meu alojamento era na Estalagem de Santa Cruz, melhor dizendo, o Forte de Santa Cruz, mandado edificar no reinado de D. João III, em 1543, que defendia a ilha dos corsários e piratas, atraídos pelas riquezas vindas de África, Índia e Brasil. Havia e há uma paisagem lindíssima sobre a baía da Horta, tendo como cenário de fundo a Ilha do Pico, com os seus 2531 mts. No caminho para o porto, passava pelo bar do Peter’s (Café Sport), onde por tradição todos os velejadores bebem um Gin e visitam o pequeno museu da baleia.

A Marina da cidade da Horta é muito interessante, sempre cheia de veleiros e com o espaço envolvente repleto de pinturas com os mais diversos motivos, especialmente com a referência às respectivas passagens por este porto de abrigo. Recordo uma ida às Furnas, em S. Miguel, várias idas à Lagoa das Sete Cidades, sem nunca lá ter posto os pés, pois os tripulantes dos aviões tiveram sempre a gentileza de dar uma volta e sobrevoá-la.

Não havia muita disponibilidade para passeios. Quando lá ia era sempre com a preocupação de resolver os problemas, para reduzir ao mínimo o tempo de paragem do navio com uma companha a bordo e a pagar uma fortuna ao cais, com a agravante de se estarem a perder dias de pesca.

Certa vez, o meu administrador, o Eng.º Esteves, telefonou-me para eu esperar por ele, que estava no Pico e íamos dar uma volta pelo Faial. Como já tinha avião marcado para a tarde e, em Aveiro, o Murtosa estava à minha espera com avaria, fui obrigado a declinar o convite. Tive sempre a noção da responsabilidade do meu trabalho.

Gostaria, no entanto, de referir alguns pormenores da Ilha do Pico, pois que aquele cenário “esmaga” qualquer visitante. Dizem-me até açorianos que o Pico é mais bonito, visto de fora, do que na própria Ilha. A uma distância de cerca de 8 kms da cidade da Horta, o Pico tem dois importantes museus que nos evocam o que era a caça do cachalote: a «Fábrica de Vitaminas, Óleos, Farinhas, Adubos e Armações Baleeiras Reunidas, Ldª», em São Roque do Pico, e o «Museu dos Baleeiros», nas Lajes do Pico, dois importantes locais que devemos visitar, se quisermos saber como era a caça artesanal ao cachalote, praticada até meados do séc. XX. Os Açores nunca tiveram barcos baleeiros, como o Charles W. Morgan, mas sim botes baleeiros.

A ilha do Pico constitui um cenário gigantesco, trabalhado pela mão do homem. As vinhas são a prova da vontade humana, que obrigou a criar compartimentos murados com pedra vulcânica para protecção das videiras das brisas marinhas. As uvas crescem cercadas por pedras basálticas de origem vulcânica, abrigadas da humidade do mar e aquecidas pela energia solar acumulada pelas rochas ao longo dos dias.

Aos poucos, os picoenses têm recuperado a casta Terrantês do Pico, que a praga mundial do oídio e da filoxera, nos meados do século XIX, quase dizimou. De tal forma que, há dez anos, a paisagem da Vinha do Pico foi declarada como Património Mundial pela UNESCO, categoria que outras vinhas mais afamadas em França ainda não conseguiram obter. Os campos, feitos de currais de pedra ligados uns aos outros pela força braçal do homem, constituem uma paisagem digna de ser admirada.

 
Pormenor da Marina, com pinturas nas rochas feitas por navegantes que procuram abrigo na ilha, na década de 1990.

 

página anterior início página seguinte

04-05-2018