Corre o ano de 1955.
Estamos a 13 de Novembro. No Forte da Barra está içada a bandeira de
perigo. Ignorando este aviso, a traineira “Graças de Deus”, da praça de
Peniche, tenta sair a barra de Aveiro. E naufraga mesmo em frente à Meia
Laranja, levando com ela 16 tripulantes e pescadores. Uma tragédia!
Apesar da espuma dos
anos, tenho isto na minha memória. Tinha então 10 anos quando o meu Pai
me levou na sua motorizada “Kreidler Florett” a ver esse cenário. Ao som
de gritos de familiares e amigos, vi apenas aquele macabro baloiçar das
redes, dançando ao ritmo elevado da forte ondulação marítima. A
fotografia aqui inserida mostra aproximadamente o local.
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Zona
da barra do porto de Aveiro onde terá ocorrido o naufrágio que aqui
evocamos. |
A Barra de Aveiro sempre
foi fértil em tragédias desta natureza. Em tempos remotos, a sua
localização variava, ora mais para norte, ora mais para sul, de acordo
com as correntes marítimas e o assoreamento. Só em Abril de 1808, com a
construção do paredão “Meia Laranja”, foi devidamente fixada. De 1828 a
1929, registaram-se vinte e um naufrágios. Antes da sua fixação, a
entrada da barra era bastante difícil, obrigando quase sempre os barcos
a aguardar por marés altas para poderem entrar. Por exemplo, o “Dolores”, em
1912, necessitou de 11 dias de espera por marés propícias para conseguir
vencer as dificuldades.
Razão tem o Sr. Capitão
São Marcos, no seu livro “Memórias de um Pescador”, que a Barra de
Aveiro só é digna desse nome, a partir de 1930, quando da construção do
molhe norte. Anteriormente era apenas uma “Rigueira”. Por
algum motivo, o lugre Santa Izabel, em 19-11-1933, com 6.000 quintais de
bacalhau, teve de demandar a barra do Douro, para aliviar a carga. Livre
dos pescadores e de algum bacalhau, que foi depois enviado numa fragata,
saiu a barra e também encalhou numa coroa de areia da barra do Douro; mas teve a sorte de
se poder livrar pelos próprios meios e chegar em Aveiro.
Tem-se especulado um
pouco como seria o transporte do bacalhau, quando os navios da EPA, e
não só, teriam de demandar a barra do Douro, por a barra de Aveiro não
dar entrada. Falou-se do comboio, que eu liminarmente rejeito, porque
isso obrigaria à utilização de diferentes tipos de transporte para
o bacalhau chegar à Gafanha.
O Sr. Roque e, mais tarde,
o Vieira & Roque, tinham o monopólio do transporte de bacalhau. Dizem-me que Vieira &
Roque sempre transportou bacalhau. Mas os Transportes Veneza, o
“Retinto”, com entrada pela rua do Gravito e saída dos camiões, pela rua
do Seixal, também poderia fazer este transporte.
Não nos podemos esquecer que os espanhóis,
outrora, como ainda hoje acontece, entravam em Miranda do Douro, não para comer a
posta à Mirandesa, mas para comer bacalhau, bacalhau que subia o Douro,
como moeda de troca pelo vinho do Porto, sempre por barco e nunca
por comboio!
Disseram-me que não
havia «Secas» a Norte de Aveiro, mas até em Estarreja se secava bacalhau. E em Gaia, na praia dos Lavadores, já havia
«Seca», que, na década de 1940, a SNAB aumentou, passando a ser a maior
seca do País, empregando 1000 operários. E até lá dentro
foi construída uma Igreja. Também em Viana do Castelo havia secas. Poderia o Sr. Egas ter
feito algum negócio pontual, para que o bacalhau fosse seco em Vila Nova
de Gaia e
renegociado, para ser vendido no Norte. Mas só muito pontualmente, pois
o bacalhau tem muitas quebras e a empresa perdia o seu controle do
negócio. Ora, por aquilo que conheci do Sr. Egas, penso que ele não alinharia muito
em coisas deste género.
De Viana, por exemplo,
passavam o bacalhau para batelões.
O Sr. Capitão São
Marcos, que com 93 anos, é quase uma lenda viva da Empresa de Pesca de
Aveiro, foi quem mais tempo conviveu com o Sr. Egas Salgueiro. Esteve na
EPA durante 56 anos! Entrou para lá quando eu nasci. Vai fazer agora, em
2015,
70 anos!
Vejamos o que ele diz no
seu livro “Memórias de um Pescador”:
«Aveiro, Viana, /…/ eram servidas por
barras de acesso difícil, com pouca altura de água para os navios de
pesca longínqua, que precisavam de entrar com calados reduzidos.
Na EPA os próprios
pescadores, e tripulantes, à boca da Barra, encarregavam-se de arrancar
algum bacalhau do seu navio e estivá-lo nos batelões, até atingir o
calado, que permitisse entrar na barra.»
No CIE-Mar, em Ílhavo,
dei uma leitura pelos jornais do “Ilhavense” referentes às décadas de
1920/30, mas nada encontrei sobre este assunto. Todavia, deu para ler que o bota-abaixo
do Santa Izabel, lugre construído nos E.B.M. (estaleiros Bolais Mónica),
ocorreu a 28 de Abril de 1929. Também nesse periódico tive a
oportunidade de encontrar uma foto do
Santa Izabel, em 1933, com os seus 3 mastros e as suas velas latinas, e
ainda as do Estai, Bujarrona e Giba, enfunadas ao vento, a sair para
a pesca. Igualmente pude ler que, em 1921, dezanove empresas resolveram
adquirir o rebocador a vapor Vouga I, que encontrámos documentado numa
fotografia de Setembro de 1926, da autoria de Lívio Salgueiro, inserida
no arquivo digital do espaço «Aveiro e Cultura».
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