Vamos
agora falar do arrastão clássico Santa
Mafalda, mandado construir em 1947 nos estaleiros da Livorno, em Itália. Em 1965, sofreu uma
grande reparação no cais da Gafanha, com a colaboração dos ESJ e da EPA.
Foi trabalho que se prolongou por cerca de oito meses e que nos ocupou
arduamente, obrigando-nos muitas vezes a ficar até à meia-noite, de tal forma
que íamos jantar a um restaurante em frente à empresa, onde hoje é a rua
Comendador Egas Salgueiro. E era por volta da meia-noite que eu
regressava de bicicleta a Aveiro.
Nos
começos de 1966, a 23 de Janeiro, eram 11,30 horas e as águas do Tejo
estavam revoltas na baixa-mar. A neblina era grande e o navio navegava
num estreito corredor, com duas tripulações a bordo, num total de 71
homens e um cachorro, a mascote de bordo. Comandava-o o capitão Asdrúbal
Capote. Quando passava em frente a S. Julião da Barra, local onde
vários navios têm encalhado, uma avaria eléctrica no comando do
leme fez com que este ficasse trancado a estibordo, ficando o navio desgovernado.
O vento de sudoeste e a forte corrente precipitaram-no para a Pedra da Laje,
onde ficou imobilizado, com um enorme rombo no costado. O Faroleiro de
S. Julião, sem esconder a sua perplexidade, pôs-se em contacto com a
Rádio Naval de Cascais.
Ao meio-dia, o rebocador PIONEIRO,
tentou prestar os primeiros socorros. Juntaram-se-lhe mais três
rebocadores do porto de Lisboa. De Cascais, navegando a toda a força das
máquinas, chegou o vapor dos Pilotos, "Comandante Milheiro". Vieram os
bombeiros de Cascais, Parede, Oeiras e Paço de Arcos. Foram montados
dois cabos de vaivém. Três homens do Santa Mafalda muniram-se dos
coletes de salvação e lançaram-se aterrorizados ao mar. Soldados
de Engenharia de Costa, grumetes da Armada e Bombeiros puxavam 300
metros de cabo para terra. Pelas 14 horas, toda a tripulação e o cão
estavam a salvo e recebiam assistência médica. Quando o comandante
abandonou o navio, já a casa das máquinas estava alagada.
Cedo se percebeu o drama dentro da
própria EPA. O Sr. Egas recebeu a notícia de semblante carregado. O Sr.
Capitão José Rocha, meu grande amigo, que desde 1956 até à segunda
viagem de 1965 comandou o Santa Mafalda e nessa altura se encontrava em
Aveiro para embarcar no Santa Cristina, acusou profundamente a notícia.
Segui-o nesse mesmo dia para Lisboa, pois 10 anos da sua existência
tinham sido passados no Santa Mafalda. No dia 24, de manhã, houve reunião a
bordo do “Santo André”, que estava na doca da Lisnave. O Sr. Capitão
Asdrúbal era um homem aniquilado. No seu rosto, nos seus gestos, no seu
vestuário, adivinhava-se a tragédia vivida no Santa Mafalda.
O comandante Asdrúbal José Sacramento
Capote Teiga, de 46 anos, falou aos jornalistas no Instituto de Socorros
a Náufragos.
É de realçar que o capitão Asdrúbal
andava na pesca do bacalhau há 16 anos e comandava navios desde 1957,
sendo este o primeiro acidente da sua carreira; mas o mar não perdoa
estas falhas. Todos os tripulantes utilizaram o comboio, para
regressarem às
suas terras: Fuzeta, Sagres, Vila Praia de Âncora, etc. Os de
Aveiro, Murtosa e Ílhavo viajaram em dois autocarros. A Mútua dos
Pescadores de Bacalhau estudou a possibilidade de cobrir alguns
prejuízos.
A 31 de Janeiro de 1966, após dez dias
de fúria violenta, o mar partiu o navio em duas partes, ficando a
proa separada da ré. Nos dois únicos dias que o mar permitiu chegar ao
navio, conseguiu-se apenas salvar alguma aparelhagem da Ponte de
Comando.
Assim naufragou
ingloriamente o Santa Mafalda, à vista do Oceano Atlântico, sem sequer
ter conseguido aproveitar as melhorias que lhe tinham sido feitas. |