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Egas Salgueiro e a Empresa de Pesca de Aveiro – As minhas memórias

Moçâmedes

Angola, descoberta no reinado de D. João II por Diogo Cão, entre 1482 e 1486, foi o território ultramarino Português mais extenso depois do Brasil. Paulo Dias de Novais foi o primeiro governador de Angola em 1575. No entanto, os Holandeses estiveram na iminência de conquistar o território.

Eu nunca estive em Moçâmedes, hoje Namibe, porque a nossa Guerra de África era mais localizada no Norte, Centro e Leste.

O Sr. Egas Salgueiro, quando jovem, emigrou três anos para o Brasil. Quando regressou a Aveiro, resolveu ir dois anos para Angola, para a zona de Benguela/Moçâmedes. Talvez por isso, mais tarde, depois de fundar a EPA, decidiu criar um Complexo Industrial em Moçâmedes, a que atribuiu o nome de Atlântico Sul. Na realidade, já se estava no hemisfério sul, ali pelo paralelo 15 graus, embora no Oceano Atlântico. Baía Farta, tal como o nome indica, caracterizava-se pela abundância de todo o tipo de recursos piscatórios, de elevada qualidade; mas descíamos mais para sul, muito perto da Namíbia, para pescar na Baía dos Tigres.

Tenho na minha memória a reparação dos dois navios atuneiros que a EPA comprou, de seu nome “Rio Águeda” e “Rio Vouga”. Cheiravam muito a amoníaco, que era o sistema de frio usado. Eram barcos onde era muito complicado andar, porque muito apertados. Lembro-me de terem muitas peças sobressalentes. Tinham quase um navio dentro de outro navio, por terem sido barcos de guerra. Mas, pormenor importante: o Atum não pega em isco morto. Primeiro, tínhamos necessidade de  pescar carapau e de o meter em tanques de água corrente, para depois o utilizarmos no tipo designado de salto e vara.

Mais tarde, a EPA mandou fazer em Aveiro sete lanchas de madeira para apoio à pesca. Pensávamos que tinham sido construídas nos Estaleiros Bolais Mónica. Viemos a descobrir que foram os estaleiros de “Mestre Alberto”, mesmo em frente à Naval Ria. Das sete lanchas só consegui recuperar o nome de 4: Impala, Gazela, Pacaça e Zebra. Por ironias do destino, eram estas as espécies que eu costumava caçar no Norte de Angola. Estas lanchas, com cerca de 7 metros de comprido, foram electrificadas na Oficina Eléctrica e seguramente motorizadas nas Oficinas Metalúrgicas. Foram a reboque para África, como quem navega à “Emposta”, com o “Rio Águeda” e o “Rio Vouga”.

Rio Vouga. Clicar para ampliar.

No local de pesca, a base eram os dois navios, o Rio Águeda e o Rio Vouga, que ficavam ao largo das baías onde abundava o peixe, enquanto as lanchas percorriam a área com pessoal proveniente dos Açores e Madeira. Foi por isso que o Sr. Egas resolveu criar o Complexo Frigorífico em Moçâmedes, o que lhe custou 150 mil contos, para a época uma quantia bastante avultada!

Quando da independência de Angola, em 1975, a saída dos portugueses que estavam em Moçâmedes deu-se por Walvys Bay, hoje Namíbia, para a África do Sul, através do Cunene, e pela perigosa Costa dos Esqueletos.

O Rio Águeda e o Rio Vouga eram gémeos. Foram construídos em 1943 nos EUA, em Chicago, nos estaleiros Pullman. Eram navios patrulha da classe KIL, draga-minas usados pelos Ingleses. Em Inglaterra, foram comprados pela EPA em 1952, tendo-se aí deslocado  o Sr. Capitão Francisco Calão, que carinhosamente tratávamos por Xico, e adaptados para o tipo pesca de salto e vara, na Gafanha da Nazaré. Tinham dois motores diesel de 900 BHP, sobrealimentados, e conseguiam a velocidade de 12 nós, que era reduzida para 10 devido ao elevado consumo. Tinham o comprimento de 56,2 metros, uma chaminé colocada quase à ré e uma capacidade de 800 toneladas brutas. Normalmente, carregava cerca de 600 toneladas. Descarregavam algumas vezes no Algarve, em Vila Real de Santo António, pois que nesta localidade estava instalada a Cofaco, onde a EPA tinha interesses. Tinham 4 compressores frigoríficos, a amoníaco, que produziam 300.000Frig/h, da marca alemã Lind. Era do melhor que existia em Portugal. Num espaço de 24 horas, o Atum, depois de desviscerado, ia à temperatura de 25 graus negativos, junto à espinha, exigência do comprador. Tinha 4 motores auxiliares de 400 CV cada, para gerar corrente contínua. Possuía uma casa de bateria a 72V, pois o arranque das M.P. era eléctrico.

Em 1973, os barcos passaram a ser propriedade da Sopesca, sociedade Angolana, mantendo no entanto o registo em Aveiro. O “Rio Vouga” foi levado para a África do Sul, enquanto o “Rio Águeda” acabou encalhado e virado no porto do Lobito, junto aos estaleiros da Sorefame.

O Rio Águeda tinha o indicativo internacional CSPJ. O Rio Vouga era o CSPK. Tive o privilégio de falar com o engenheiro maquinista naval, o senhor Álvaro Coelho, que, com 90 anos, apresenta uma lucidez fantástica. Foi ele  que me forneceu estes pormenores. Nutro por ele uma enorme admiração. Fomos colegas no Forpescas, escola de formação profissional em Ílhavo, actualmente designada ForMar. Não posso deixar de aqui expressar os meus agradecimentos ao sr. engenheiro Álvaro Coelho, não só pelos esclarecimentos prestados, mas também por me ter facultado a consulta  dos seus Diários de Bordo.

Mais tarde, a EPA, teve o “Rio Águeda II”, navio francês (Cap. Saint Paul) comprado em segunda mão, já com redes de cerco. Descarregavam em Agadir, na costa atlântica, e também entravam no Mediterrâneo, para descarregar em Veneza, embora nunca tenham pescado nestas águas.

 

 

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04-05-2018