Meus amigos, o sal sempre me perseguiu. A casa dos meus avós cheirava-me
a sal.
Não vale a pena falar muito sobre o glossário das marinhas de sal. Há
por aí muita informação de boa qualidade. Mas já há 60 anos que ia com o
meu avô, por cima dos torrões, para a marinha. Demorava 25 minutos a lá
chegar. Já usava “chancas”, mas dava mais jeito ir descalço. Nasci e à
minha frente tinha um monte de sal. A minha mulher dormia ao lado de um
monte de Sal. Estava para ali aquele monstro que nem se mexia, carregado
de Iodo. Convenci-a a casar comigo. Os beijos dela sabiam-me a sal.
Razão tinha António Gedeão, no seu poema, “Provo-me e saibo-me a Sal”,
para não falar de Almada Negreiros.
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Formando o
monte de sal. Imagem extraída do espaço «Aveiro e Cultura». |
O método de retirar o sal é muito primitivo, muito artesanal, mas o sal
de Aveiro tem mais de 80 minerais em suspensão. A água da ria, por
gravidade, vai passando por vários espaços, para que o vento e o sol
façam o seu trabalho. Até de noite a marinha trabalha. Quando vim da
guerra de África, o meu avô pediu-me ajuda, porque lhe faltaram os moços
e o viveiro estava cheio de moliço. Andei lá dois dias e fiquei com a
“quilha toda alquebrada”. É mesmo duro.
Mas queria aqui tratar de um tema. O que medem os marnotos quando pegam
no “Graduador” para verificar o estado da marinha? Bem, não vou aqui
falar do método da batata, por ser empírico de mais. Medem a salinidade
da água com um aerómetro de sal. Este medidor está graduado em graus
Baumé, de 0 a 50, com intervalos de 5 graus. O marnoto sabe que, por
volta dos 25 a 29 graus Baumé, os cristalizadores estão prontos a rer,
de 3 em 3 dias. Baumé, farmacêutico francês, em 1786, criou esta escala
para líquidos mais densos que a água e menos densos que a água.
Modernamente são usados refratómetros ópticos de precisão, para uso
laboratorial, na medição da concentração de sal na água.
Quando, em 1963, fui trabalhar para a E.P.A., havia sal por todo o lado.
Era sal nos porões dos navios, sal na seca natural, sal nos secadores
artificiais, sal nas câmaras frigoríficas. Enfim, sal que me dava cabo
dos motores e quadros eléctricos. O sal está no meu ADN e, se calhar, é
por isso que sou hipertenso.
O sal tem agora uma conotação negativa que é preciso desmontar. Disse-me
aqui há dias um amigo: o sal? O sal faz mal! Não é verdade, o que faz
mal é o excesso de sal. O sal dá sabor aos nossos alimentos. Sem sal não
era possível a vida. Como caminhariam os nossos impulsos eléctricos, sem
o sal? Mas por que razão o lugre “Maria da Glória”, quando foi afundado
por um submarino alemão, tinha metido sal em Aveiro, e eu agora tinha os
navios a meter sal em Lisboa, Setúbal ou Cádis? Porque o sal de Aveiro
tinha areia, que entrava na cadeia alimentar do bacalhau. Pois, os
marnotos não podem rer até ao fundo dos meios, para o sal não trazer
areia ou lama.
Até já se faz tratamentos de haloterapia em Aveiro. Halo vem do
grego “sal” e, no passado, a Polónia criou o primeiro centro de
haloterapia. Descobriram que os mineiros que trabalhavam nas minas de
sal-gema tinham menos problemas respiratórios, asma e pneumonias. Está
comprovado que traz benefícios dermatológicos e psicológicos, reduz a
irritabilidade e a depressão. Em 1968, a comunidade científica comprovou
os benefícios da espeleoterapia. Hoje, o sal farmacológico tem normas e
regras apertadas da União Europeia, donde lhe é retirado o Iodo. Como
funciona? É criado um ambiente, simulando uma gruta, onde chão, tecto e
paredes são recobertos a sal marinho e, através de uma máquina, são
injectados no meio ambiente finos cristais de sal farmacológico,
especialmente importado, com iões negativos. |